A elite política do Rio de Janeiro perdeu o juízo, por Sidney Rezende

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A explicação mais imaginativa que ouvi sobre a razão do Rio de Janeiro estar sempre atado às suas amarras é a que acredita ser uma praga espiritual dos escravos que viveram ali sofrimento incomparável. Os africanos amontoados nos navios negreiros, ao chegarem nesta cidade maravilhosa, eram castigados brutalmente por seus senhores. O seu sangue virou […]

POR Sidney Rezende19/04/2020|7 min de leitura

A elite política do Rio de Janeiro perdeu o juízo, por Sidney Rezende

Governador do Rio, Wilson Witzel. Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

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A explicação mais imaginativa que ouvi sobre a razão do Rio de Janeiro estar sempre atado às suas amarras é a que acredita ser uma praga espiritual dos escravos que viveram ali sofrimento incomparável. Os africanos amontoados nos navios negreiros, ao chegarem nesta cidade maravilhosa, eram castigados brutalmente por seus senhores. O seu sangue virou a prova da necessidade de maldição sem data para acabar.

O nosso eterno consolo se traduz numa frase poética do antropólogo Darcy Ribeiro: “Deus fez o Rio de Janeiro à mão”. O mesmo estudioso que não se cansava de afirmar que “o povo brasileiro é muito melhor do que sua elite”.

O Rio é o milagre ao contrário, o vinho abundante se transforma na mão do homem em vinagre. Como é possível que um paraíso na Terra, tendo abrigado a Família Real portuguesa e a sua corte em 1808,  capital do Reino de Portugal e de seu vasto império ultramarino, possa se transformar num retrato do que não deveria ser? A explicação não é simples. Mas provavelmente é resultado das escolhas das nossas elites.

Os mesmos dirigentes negligenciaram, por falta de planejamento, o uso do espaço urbano. Atualmente, existem quatro favelas para cada bairro residencial. Ainda que a esquerda romantize isto com clássica afirmação “favela não é problema, é solução”, a verdade é que os morros viraram amontoados de seres humanos sem o mínimo respeito aos direitos básicos.

O andar de cima trocou cortiços como forma de tratamento para o nome menos dolorido: “habitações sub-normais”. Mas injustiças e a ausência de direitos continuam lá, intactos.

Por que chegamos onde estamos? A ida da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, arrebentou com o Rio de Janeiro. Dali para cá, as elites dirigentes tomaram um porre e nunca mais voltaram à sobriedade.

O governador Chagas Freitas tornou-se o símbolo do clientelismo nacional: uma bica d’água em troca de votos. Leonel Brizola, mesmo tendo exercido dois mandatos não contínuos, foi bombardeado pelo poder econômico durante as duas administrações. Apesar da justa prioridade à educação, a opção sábia pelo ensino integral, há quem o responsabilize pelo descontrole da segurança pública.

Moreira Franco brigou com o presidente José Sarney. Marcello Alencar governou sob suspeita de práticas heterodoxas de seus filhos que o auxiliavam na máquina pública. Anthony Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha marcaram um período confuso com a insegurança carcomendo a paz do cidadão.

Sérgio Cabral, condenado a 200 anos por corrupção variada, fala pela sua folha corrida. Luiz Fernando Pezão, em seguida, eleito pelas mãos de Cabral, fez a administração da paralisia pela falência generalizada.

“O governo Witzel não dura 6 meses”, disse um deputado

Vivemos agora os dias do juiz que abandona a toga, e contra todos os prognósticos, chega ao Palácio Guanabara. Estamos falando de Wilson Witzel. Surpreendentemente, em pouco mais de um ano, o capital político do ex-magistrado começa a ser dilapidado rapidamente.

O pior, tudo isso acontece em meio à dor física que vitima milhares pela doença do século. Witzel, o seu secretário de Saúde, o prefeito de Duque de Caxias e o de Belford Roxo estão infectados pelo coronavírus. O certo seria repouso e isolamento incondicional para todos. Mas o governador preferiu não abandonar o trabalho e está despachando, ainda que virtualmente, do Palácio Laranjeiras.

Pelas ruas, a direita conservadora já pede em diversas manifestações sua queda. Na Alerj, já não é escondido o desejo de seus ex-aliados em achar um caminho para pedir o impeachment do governador. Sem antes, sangrar seu governo politicamente.

“Quando o governador recebe denúncia séria, imediatamente, ele ordena a Polícia Civil para investigar, e se houver culpados, estes serão punidos”.

Os seus ex-companheiros não perdoam Witzel por confrontar o presidente Jair Bolsonaro. “Traidor” é a palavra mais elegante com que tratam o ex-aliado na intimidade. “O governo dele não dura 6 meses”, disse um deputado com certeza da sua afirmação.

O ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, postou um tuíte dizendo que “no estado do Rio, do governo Witzel, já é voz corrente entre políticos e fornecedores do estado, que a corrupção é desenfreada. Muitos falam em saudades do Sérgio Cabral, pois sabiam quanto davam e para quem. O Rio virou um mar de piranhas, todos mordem”.

A volta de Jefferson não é por acaso, depois que ele desapareceu por um bom tempo das redes sociais. Ele escolheu a dedo a oportunidade de retornar à cena: ano eleitoral, em que a temperatura sobe e tudo ganha projeção.

A bola da vez é André Moura

Na política do Rio, tem outro nome que tem sido repetido quase ao mesmo tempo da projeção do presidente do PTB: Eduardo Cunha. O que dizem é que Cunha estaria de volta e comendo pelas beiradas. O ex-presidente da Câmara dos Deputados que pavimentou o impeachment de Dilma Rousseff está em casa em prisão domiciliar. Mas, dizem, ativo e atento.

Card contra André Moura e Wilson Witzel que circula nas redes. Foto: Reprodução
Card contra André Moura e Wilson Witzel que circula nas redes.

O seu nome voltou ao noticiário, porque um dos seus amigos do passado, o ex-deputado por Sergipe e atual secretário da Casa Civil, André Moura, estaria escalando degraus estratégicos, e com autonomia, no Governo Estadual do Rio. Justo no momento em que outro protagonista, este amigo pessoal de Witzel, o secretário de Desenvolvimento, Lucas Tristão, está mais recluso. Em resumo, nos bastidores da política fluminense, tudo o que acontece de ruim no governo Witzel está caindo na conta de Moura.

Curiosamente, não é da esquerda que vêm os ataques mais pesados contra o governador. É a direita que tem produzido farto material contra André Moura. São cards, prints com acusações e vídeos. O movimento mais nítido é o de emparedar o governador. A tese dos conservadores é que “não vai demorar e a polícia baterá na porta de corruptos que hoje pensam estar impunes”, disse um deputado estadual.

Os acusadores garantem que há corrupção no Detran e na utilização de recursos para a Saúde sem licitação. Procuramos o líder do Governo na Alerj, Marcio Pacheco, que rechaçou de pronto tudo o que está sendo exposto, e saiu em defesa do secretário: “André Moura é uma pessoa fundamental. A liderança está afinada com ele. É um parceiro efetivo”. E sobre suspeita de desvios, e qual tem sido a resposta do Governo, Pacheco foi direto: “O governador não é obrigado a saber de tudo, de cada detalhe. Ele delega e cobra resultados. Mas quando chega qualquer denúncia mais séria, imediatamente, ele ordena a Polícia Civil para investigar, e, se houver culpados, estes serão punidos”.

Problemas é que não faltam

Impeachment, acusações de corrupção, desvios de conduta, desemprego, falta de recursos para administrar a dívida do estado e da capital, queda do preço do petróleo, redução dos royalties, pandemia de coronavírus, risco de atraso de salários dos servidores, queda brutal de arrecadação, aumento da pobreza, problemas sociais graves e insolúveis no curto prazo, índices de criminalidade ainda altos, violência urbana, intolerância religiosa, de gênero e racial… Certamente a lista de problemas continua. Por tudo isso, as autoridades do Rio deveriam estar unidas para dar solução aos reais problemas do povo, mas, ao optar pelo próprio umbigo e virar as costas para a população, resta a constatação óbvia: a elite perdeu o juízo.







A explicação mais imaginativa que ouvi sobre a razão do Rio de Janeiro estar sempre atado às suas amarras é a que acredita ser uma praga espiritual dos escravos que viveram ali sofrimento incomparável. Os africanos amontoados nos navios negreiros, ao chegarem nesta cidade maravilhosa, eram castigados brutalmente por seus senhores. O seu sangue virou a prova da necessidade de maldição sem data para acabar.

O nosso eterno consolo se traduz numa frase poética do antropólogo Darcy Ribeiro: “Deus fez o Rio de Janeiro à mão”. O mesmo estudioso que não se cansava de afirmar que “o povo brasileiro é muito melhor do que sua elite”.

O Rio é o milagre ao contrário, o vinho abundante se transforma na mão do homem em vinagre. Como é possível que um paraíso na Terra, tendo abrigado a Família Real portuguesa e a sua corte em 1808,  capital do Reino de Portugal e de seu vasto império ultramarino, possa se transformar num retrato do que não deveria ser? A explicação não é simples. Mas provavelmente é resultado das escolhas das nossas elites.

Os mesmos dirigentes negligenciaram, por falta de planejamento, o uso do espaço urbano. Atualmente, existem quatro favelas para cada bairro residencial. Ainda que a esquerda romantize isto com clássica afirmação “favela não é problema, é solução”, a verdade é que os morros viraram amontoados de seres humanos sem o mínimo respeito aos direitos básicos.

O andar de cima trocou cortiços como forma de tratamento para o nome menos dolorido: “habitações sub-normais”. Mas injustiças e a ausência de direitos continuam lá, intactos.

Por que chegamos onde estamos? A ida da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, arrebentou com o Rio de Janeiro. Dali para cá, as elites dirigentes tomaram um porre e nunca mais voltaram à sobriedade.

O governador Chagas Freitas tornou-se o símbolo do clientelismo nacional: uma bica d’água em troca de votos. Leonel Brizola, mesmo tendo exercido dois mandatos não contínuos, foi bombardeado pelo poder econômico durante as duas administrações. Apesar da justa prioridade à educação, a opção sábia pelo ensino integral, há quem o responsabilize pelo descontrole da segurança pública.

Moreira Franco brigou com o presidente José Sarney. Marcello Alencar governou sob suspeita de práticas heterodoxas de seus filhos que o auxiliavam na máquina pública. Anthony Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha marcaram um período confuso com a insegurança carcomendo a paz do cidadão.

Sérgio Cabral, condenado a 200 anos por corrupção variada, fala pela sua folha corrida. Luiz Fernando Pezão, em seguida, eleito pelas mãos de Cabral, fez a administração da paralisia pela falência generalizada.

“O governo Witzel não dura 6 meses”, disse um deputado

Vivemos agora os dias do juiz que abandona a toga, e contra todos os prognósticos, chega ao Palácio Guanabara. Estamos falando de Wilson Witzel. Surpreendentemente, em pouco mais de um ano, o capital político do ex-magistrado começa a ser dilapidado rapidamente.

O pior, tudo isso acontece em meio à dor física que vitima milhares pela doença do século. Witzel, o seu secretário de Saúde, o prefeito de Duque de Caxias e o de Belford Roxo estão infectados pelo coronavírus. O certo seria repouso e isolamento incondicional para todos. Mas o governador preferiu não abandonar o trabalho e está despachando, ainda que virtualmente, do Palácio Laranjeiras.

Pelas ruas, a direita conservadora já pede em diversas manifestações sua queda. Na Alerj, já não é escondido o desejo de seus ex-aliados em achar um caminho para pedir o impeachment do governador. Sem antes, sangrar seu governo politicamente.

“Quando o governador recebe denúncia séria, imediatamente, ele ordena a Polícia Civil para investigar, e se houver culpados, estes serão punidos”.

Os seus ex-companheiros não perdoam Witzel por confrontar o presidente Jair Bolsonaro. “Traidor” é a palavra mais elegante com que tratam o ex-aliado na intimidade. “O governo dele não dura 6 meses”, disse um deputado com certeza da sua afirmação.

O ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, postou um tuíte dizendo que “no estado do Rio, do governo Witzel, já é voz corrente entre políticos e fornecedores do estado, que a corrupção é desenfreada. Muitos falam em saudades do Sérgio Cabral, pois sabiam quanto davam e para quem. O Rio virou um mar de piranhas, todos mordem”.

A volta de Jefferson não é por acaso, depois que ele desapareceu por um bom tempo das redes sociais. Ele escolheu a dedo a oportunidade de retornar à cena: ano eleitoral, em que a temperatura sobe e tudo ganha projeção.

A bola da vez é André Moura

Na política do Rio, tem outro nome que tem sido repetido quase ao mesmo tempo da projeção do presidente do PTB: Eduardo Cunha. O que dizem é que Cunha estaria de volta e comendo pelas beiradas. O ex-presidente da Câmara dos Deputados que pavimentou o impeachment de Dilma Rousseff está em casa em prisão domiciliar. Mas, dizem, ativo e atento.

Card contra André Moura e Wilson Witzel que circula nas redes. Foto: Reprodução
Card contra André Moura e Wilson Witzel que circula nas redes.

O seu nome voltou ao noticiário, porque um dos seus amigos do passado, o ex-deputado por Sergipe e atual secretário da Casa Civil, André Moura, estaria escalando degraus estratégicos, e com autonomia, no Governo Estadual do Rio. Justo no momento em que outro protagonista, este amigo pessoal de Witzel, o secretário de Desenvolvimento, Lucas Tristão, está mais recluso. Em resumo, nos bastidores da política fluminense, tudo o que acontece de ruim no governo Witzel está caindo na conta de Moura.

Curiosamente, não é da esquerda que vêm os ataques mais pesados contra o governador. É a direita que tem produzido farto material contra André Moura. São cards, prints com acusações e vídeos. O movimento mais nítido é o de emparedar o governador. A tese dos conservadores é que “não vai demorar e a polícia baterá na porta de corruptos que hoje pensam estar impunes”, disse um deputado estadual.

Os acusadores garantem que há corrupção no Detran e na utilização de recursos para a Saúde sem licitação. Procuramos o líder do Governo na Alerj, Marcio Pacheco, que rechaçou de pronto tudo o que está sendo exposto, e saiu em defesa do secretário: “André Moura é uma pessoa fundamental. A liderança está afinada com ele. É um parceiro efetivo”. E sobre suspeita de desvios, e qual tem sido a resposta do Governo, Pacheco foi direto: “O governador não é obrigado a saber de tudo, de cada detalhe. Ele delega e cobra resultados. Mas quando chega qualquer denúncia mais séria, imediatamente, ele ordena a Polícia Civil para investigar, e, se houver culpados, estes serão punidos”.

Problemas é que não faltam

Impeachment, acusações de corrupção, desvios de conduta, desemprego, falta de recursos para administrar a dívida do estado e da capital, queda do preço do petróleo, redução dos royalties, pandemia de coronavírus, risco de atraso de salários dos servidores, queda brutal de arrecadação, aumento da pobreza, problemas sociais graves e insolúveis no curto prazo, índices de criminalidade ainda altos, violência urbana, intolerância religiosa, de gênero e racial… Certamente a lista de problemas continua. Por tudo isso, as autoridades do Rio deveriam estar unidas para dar solução aos reais problemas do povo, mas, ao optar pelo próprio umbigo e virar as costas para a população, resta a constatação óbvia: a elite perdeu o juízo.







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