O ex-presidente Lula voltou, no noticiário e na polêmica, ao lugar de onde, na realidade, nunca saiu: o centro da disputa política (embora talvez não eleitoral) pela Presidência da República.
Do “solta e prende” de ontem, virão desdobramentos inevitáveis, todos favoráveis ao ex-presidente, porque desfavoráveis a seu algoz essencial, Sérgio Moro.
A ação pessoal, intempestiva, ilegal e escandalosamente desesperada de um juiz que, de fora do país, de férias e com sua jurisdição extinta no processo (pois a execução da pena está distribuída a Carolina Lebbos, da 12ª Vara Criminal de Curitiba) já seria irregular, se apenas nos autos.
Convertida, como foi, em ordens telefônicas para que não se cumprisse uma ordem de soltura do desembargador plantonista Rogério Favreti, até ali incontestada e com plena validade, tornou-se um desastre para o magistrado”número 1″ do Brasil.
A narrativa da repórter Bela Megale, no insuspeito O Globo, é material mais que suficiente para a abertura de um processo disciplinar contra ele:
Por volta das 10h, o delegado Roberval Ré Vicalvi chegou à Superintendência e passou a centralizar a operação, recebendo as ligações dos magistrados e da cúpula da corporação. O primeiro a entrar em contato foi o juiz Sergio Moro, que destacou a ordem de não soltar Lula após o seu despacho afirmando que Favreto não tinha competência para decidir sobre o caso. [na verdade, “seu despacho” de gogó, porque o “de papel” tem registro às 12:05 h]
Naquele momento, Moro, que trabalha sempre em sintonia fina com a PF, já tinha falado com integrantes da cúpula dos policiais que poderiam manter Lula preso com base na decisão dele. O delegado chegou a argumentar com Moro que seu despacho não tinha validade de contra-ordem à determinação do TRF-4 e que ele não poderia manter o petista preso.
Diante da insistência do magistrado, Ré Vicalvi ligou para seus superiores que o ordenaram a cumprir o pedido de Moro e manter Lula na cela.
A rigor, a “revogação verbal” da ordem de soltura durou, ao menos, até 14:05 h, quando João Gebran Neto assinou o também incrível despacho determinando que Lula não fosse solto.
Até ali não havia o tal “conflito positivo de jurisdição” usado como ferramenta para frustrar a ordem de soltura.
Ou seja, pelo durante mais de quatro horas, Lula permaneceu em “cárcere privado”, apenas pelos gritos de Sérgio Moro e pela submissão a eles de Rogério Galloro, diretor-geral da Polícia Federal e, quem sabe, de seus chefes Raul Jungamnn e Michel Temer.
Em termos de atropelo, é algo que não tem como ser explicado e menos ainda, defendido.
Nem mesmo pelos que querem Lula preso, mas com alguma cobertura jurídica formal, porque se trata de um exemplo de insubmissão inconcebível na “tropa” togada.
É verdade que todos os personagens togados da história – além de Moro, os desembargadores Favreti, Gebran e o presidente do TRF, Thompson Flores – serão levados ao Conselho Nacional de Justiça.
Aos três desembargadores, podem-se imputar decisões erradas.
A Moro, porém, não há como negar a usurpação de função, a sedição diante de ordem judicial e, sobretudo, a motivação pessoal e furiosa em manter preso o ex-presidente que se desbordou em “ordem” arbitrária de mantê-lo preso.
A suspeição do juiz curitibano é tão flagrante – quem ousaria, depois de agora, em defini-lo como “imparcial”? – que só com um cinismo destes de fazer corar estátuas de pedra ele pode ser mantido à frente dos dois outros processos contra Lula que correm em sua malsinada 13ª Vara Criminal de Curitiba.
Alguém que telefona a um delegado da PF e manda que se descumpra uma ordem judicial, mantendo Lula preso até que se “desse um jeito” de anulá-la não pode ser reconhecido como “isento”.
Os incidentes de suspeição baterão, hoje ou amanhã, no protocolo da Justiça, em todos os graus.
E nem a Advocacia Geral da Globo terá como sustentar sem ressalvas a posição de Moro.