A CBN, Central Brasileira de Notícias, emissora pertencente ao Grupo Globo, passa por uma profunda reengenharia e volta a demitir. Até o final da tarde desta terça-feira (61), foram 21 dispensas no Rio e 20 em São Paulo. A emissora foi procurada para um posicionamento oficial, mas preferiu não comentar o assunto.
A reportagem do SRzd apurou que foram afastados a âncora da madrugada, Ceci Mello, e os repórteres Silvana Maciel e Marcos Antonio de Jesus.
Na Rádio Globo do Rio de Janeiro também foi demitida a repórter Diana Rogers. Um dos operadores mais queridos e respeitados, José Augusto, o “Zé Muvuca”, também foi cortado dos quadros de funcionários. Também foram demitidos Carla Matera, Emerson Rocha, Alexandre Ferreira, Daniela Cohen, Ricardo Juarez, Leandro Lacerda, Felippe Cardoso, Diana Rogers, Zeca Marques, Marcelo Louro, Thiaguinho (marketing).
No SGR em São Paulo, foram dispensados o comentarista Osvaldo Pascoal, Maércio Ramos (Morcegão), Mário Duarte, Jesse Nascimento, o produtor Guilherme Cimatti, Albino (informática). Foram demitidos ainda Amaral, Alemão e mais 2 operadores.
Outra decisão que causou impacto foi o fechamento da CBN Belo Horizonte.
As demissões preocupam os funcionários e o mercado radiofônico. E elas acontecem após a CBN ter sido considerada a emissora de rádio com maior índice de prestígio pelo 17º ano seguido, segundo pesquisa Veículos Mais Admirados, que tem planejamento e análise da TroianoBranding e coleta de dados da Qualibest.
Revoltados com a condução administrativa da empresa, jornalistas da Redação de São Paulo divulgaram carta de repúdio, enfocando, principalmente, a carga de trabalho:
LAMENTÁVEL
Esta é uma carta que colegas da CBN tiveram de encaminhar à chefia, após escalas desumanas, demissões e desvalorização dos profissionais e, acima de tudo, das pessoas.
O texto, assinado por 24 jornalistas (cujos nomes preservaremos), provoca dor em quem hoje está do lado de fora, mas que sempre teve a emissora como referência de jornalismo de qualidade e de um bom ambiente de trabalho (o que começou a se perder mais intensamente a partir de 2013). “Chegamos ao nosso limite” – é uma das frases. Acompanhem.
Gostaríamos que este seja o primeiro passo de uma relação que – no que depender de nós – será propositiva, construtiva e de um diálogo aberto e constante.
Como você bem sabe, nós, repórteres, produtores, redatores, apuradores e jornalistas de modo geral da CBN São Paulo temos pleiteado desde sua implantação, há cerca de um ano, a reversão do modelo atual de escala de trabalho e folgas.
Como alternativa à escala atual, já fizemos três propostas – todas refutadas pelo departamento jurídico, RH e direção de jornalismo, sem que houvesse uma possibilidade de reforma nos equívocos pontuais ou estruturais. A primeira proposta foi elaborada e negociada com participação do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, como é de conhecimento da direção de jornalismo. A última proposta foi desenhada com a participação de várias pessoas e assinada por quase toda a redação.
Chegamos ao nosso limite.
Enquanto, em média, um trabalhador brasileiro tem cerca de 150 dias de descanso anuais, nós temos 97 – levando em consideração os dias de férias. Se desconsiderarmos as férias, temos quase a metade de dias de descanso do que a média dos trabalhadores (67 a 120). É um disparate.
Antes, a cada mês trabalhávamos em dois dias de fim de semana e folgávamos em seis.
Na prática, tínhamos condição de viajar, visitar nossa família e resolver questões que, durante a semana, tomados pela rotina de trabalho, não conseguimos resolver – como compromissos médicos, por exemplo.
Hoje, a cada cinco finais de semana, folgamos apenas um inteiro.
Dos oito principais feriados deste ano, trabalhamos em pelo menos seis. Há turmas que passaram o ano sem folgar em nenhum feriado. Só conseguiram folgar agora, no feriado da Proclamação da República, por conta de um ajuste feito pela chefia – que trocou a ordem dos plantões –, o que, aliás, deixou outra turma sem folga dupla durante seis finais de semana seguidos.
Essa situação tem provocado um desgaste físico e emocional sem precedentes para todos nós.
A conta chegou.
Neste ano, quatro jornalistas – de uma redação não tão grande – precisaram ser afastados por problemas de estresse acumulado e estafa relacionados ao trabalho. Doenças, depressão, problemas psicológicos. Tudo isso provoca absenteísmo que, por sua vez, afeta a produtividade e aumenta a sobrecarga de trabalho para todos.
No desempenho de suas atividades, quatro colegas tiveram, no intervalo de um ano, registros de agressões físicas graves por parte de policiais e manifestantes, sem que tivessem recebido, em nossa opinião, atendimento e respaldo adequados por parte do Sistema Globo de Rádio.
O desgaste físico e psicológico, porém, não altera o nível de dedicação da equipe. Mesmo no limite, temos nos desdobrado para manter a engrenagem rodando, a rádio funcionando e o produto com a qualidade do Grupo Globo e o padrão desses 25 anos da CBN. E o resultado é atestado nas grandes coberturas em que estivemos envolvidos no último ano. Mas a qualidade do nosso trabalho está seriamente em risco por conta do desgaste absoluto da equipe.
A insatisfação é geral e irrestrita. A direção de jornalismo certamente tem a sensibilidade para perceber isso. É muito difícil, nestas condições, manter profissionais engajados e dispostos a propor ideias, sugerir modelos e participar efetivamente do processo contínuo de adequação e atualização da rádio aos novos tempos. Aliás, no último ano, pelo menos quatro jornalistas altamente capacitados decidiram se desligar voluntariamente da rádio, tendo a escala como uma das principais razões.
A principal justificativa para a mudança usada pela direção, além dos motivos jurídicos, foi o fato de que o modelo de escala implantado, com um final de semana de folga por mês, seria estendido às outras redações do Grupo Globo, o que nunca aconteceu. Em redações com o mesmo ritmo de trabalho e as mesmas demandas, inclusive nas rádios concorrentes, o modelo utilizado é o de três finais de semana de folga para um trabalhado – nem mesmo outras regionais da CBN têm o nosso modelo. Por que os outros conseguem, mas nós não?
O desgaste e o esgotamento vêm em um momento em que estamos acumulando dois anos sem reajustes salariais. A empresa se recusa sequer a recompor a inflação do período. O reajuste de 10,94%, dos salários, retroativo a dezembro de 2015, foi determinado pelo Tribunal Regional do Trabalho, mas até agora não foi concedido.
Os cinco postos de trabalho fechados com as demissões no jornalismo deixaram a situação ainda mais caótica. O modelo de escala redesenhado após essa decisão tem sérias lacunas que podem comprometer em curto prazo – e a qualquer momento – a qualidade do produto final.
Notamos uma intensificação, inclusive, das mudanças frequentes de horários em todas as funções. Somos flexíveis para/com as alterações, mesmo isso nos impedindo de ter regularidade para manter compromissos externos – como cursos que nos auxiliem no desenvolvimento profissional, por exemplo.
Pior: estamos sendo privados de escolher as datas em que podemos usar o nosso banco de horas – alternativa imposta pela rádio ao sistema de horas extras.
Estamos reféns de um modelo em que é impossível fazer qualquer programação ou planejamento para duas semanas além da que estamos.
Ao adotar e reafirmar a escala atual, a CBN vai na contramão do que há de mais moderno, atual e arejado nas relações de trabalho. O modelo relativiza, em primeiro lugar, a saúde do funcionário e, em segundo, a importância do repouso para uma atividade que envolve processos mentais criativos a todo tempo.
Para que o tema seja discutido com urgência, a redação da CBN pede uma reunião, no prazo máximo de duas semanas, com a direção da rádio e com todos os departamentos que precisem ser envolvidos nessa mudança (RH, jurídico etc). A prioridade é de que seja estabelecida uma escala que continue de acordo com a legislação e atenda à demanda da redação. Uma escala humana, que respeite a nossa dignidade.
Reafirmamos: tínhamos uma escala de 3 por 1, que nos permitia trabalhar um final de semana e descansar três. Agora temos uma escala que nos dá um final de semana cheio de folga por mês. Antes folgávamos em 50% dos feriados. Hoje temos dois feriados por ano. Queremos a escala 3 por 1 de volta e pelo menos a metade dos feriados do ano.
Vale lembrar que nas últimas semanas, assembleias em grandes redações, como a da TV Globo e da TV Record, e participação de centenas de jornalistas, reafirmaram que aceitam, no máximo, o modelo 3 por 1, nada pior que isso.
O limite chegou, mas não queremos deixar a CBN. Não queremos abdicar do nosso padrão de qualidade. Apesar dessa situação-limite, todos gostamos de fazer jornalismo. De fazer bom jornalismo. De entregar um produto de qualidade ao ouvinte. De fazer diferente.
Não temos a menor pretensão de trabalhar menos do que qualquer redação com um modelo digno e humano de escala.
Só queremos tempo.
Tempo para descansar, quando precisarmos estar a postos para trabalhar em um horário ou função diferente.
Tempo para pensar, quando estivermos com a cabeça livre para construir novas pautas.
Tempo para viajar, ver nossas famílias, brincar com os filhos, renovar as energias, recuperar a saúde.
Tempo para investir no nosso desenvolvimento profissional, acadêmico e humano.
Tempo para sonhar que um dia será possível trabalhar em nossa melhor condição de desempenho.
Contamos com a sua disposição para nos dar esse tempo de volta.
Redação CBN São Paulo
*Atualização às 19h16