As obrigações do Estado no CONFAZ para manter os incentivos
A guerra dos incentivos fiscais está longe do fim, não obstante a Lei Complementar nº 160 e o Convênio ICMS 190, de dezembro de 2017 terem possibilitado a legalização das normas inconstitucionais. É que a coisa não é assim tão simples quanto parece. O Convênio trouxe uma série de condições para que isto aconteça, a começar por uma lista das normas de até 8 de agosto de 2017, que deveriam ter sido publicadas até 29 de março de 2018 para serem revalidadas e era tanto incentivo que nem a fazenda sabe direito se todas foram publicadas. Depois de listados os incentivos, publicados e depositados no CONFAZ, o Estado ainda deverá, até 28 de dezembro deste ano, editar novas leis para mantê-los ou revogá-los. Está confuso? Mas em se tratando de tributos é sempre complicado e em matéria de incentivos então, nunca foi fácil ter o mínimo de segurança. Para complicar as coisas ainda tem uma porção de obrigação, velha e nova a ser cumprida pelas empresas para manter as benesses.
Obrigações das empresas incentivadas no Estado
A Lei do Estado do Rio de Janeiro nº 7.906, republicada no Diário Oficial de 27 de março de 2018, veda expressamente a concessão de incentivo fiscal e obriga as empresas que já os tem a enviarem anualmente as certidões e documentos para comprovarem que estão atendendo aos requisitos sob pena de perder o direito. Quanto ao ano de 2017, a obrigação está suspensa por 180 dias para adaptação do governo, mas é bom já ir olhando o que falta para atender à lei.
Além desta obrigação, conforme já divulgamos aqui, foi publicada no Diário Oficial de 26 de março, a Resolução nº 231 da SEFAZ – Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, para obrigar as empresas que tem incentivos fiscais ou financeiros, concedidos até 8 de agosto de 2017, a enviarem uma planilha Excel até 30 de abril de 2018, para deposito@fazenda.rj.gov.br. Esta forma de envio vale até que seja criado o Portal de Coleta de Informações dos Atos Normativos e Concessivos vigentes previsto na norma.
Os contribuintes que não cumprirem também a nova obrigação perdem os direitos do Convênio CONFAZ ICMS nº 190, que está “legalizando” os incentivos inconstitucionais.
Ação Civil Pública quer o fim dos incentivos no Rio
Todas estas leis dos Governos para tentarem legalizar os incentivos inconstitucionais podem cair por terra, porque o judiciário, que dá a última palavra, e a Juíza Mirela Erbisti, por exemplo, decidiu, mesmo assim, dar andamento à uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra os incentivos fluminenses, na qual pede não só a suspensão dos incentivos como que os administradores e as empresas devolvam o dinheiro.
A ação corre na 3ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro sob o nº 0334903-24.2016.8.19.0001 e a juíza decidiu, no dia 8/3, que a ação deve prosseguir porque “Discute-se a validade dos benefícios fiscais concedidos pelo ente Federativo e as consequências na sua saúde financeira, ou seja, se a equação receitas-despesas é afetada pelos programas de incentivo à atividade econômica praticados pelo Estado. Desta forma, a questão tributária não é o cerne da controvérsia”. A juíza disse decidiu ainda que a questão pode sim ser decidida por ação civil pública, em substituição à ação que seria a mais correta, de inconstitucionalidade. E disse mais a Juíza: que o processo deve seguir sem a participação das empresas beneficiadas, mesmo que possam ser condenadas, isto porque, segundo ela, o Governo não foi sequer capaz de “enumerar as sociedades beneficiadas com o programa de benefícios fiscais e serão defendidas pela FECOMÉRCIO, pela FIRJAN e pela ADERJ – Associação de Atacadistas e Distribuidores do Estado do Rio de Janeiro”.
Nesta ação o Ministério Público sustenta que apesar do estado de calamidade pública financeira do Estado, o Governo vem promovendo desde 1997 uma série de programas de incentivo à atividade econômica de ordem tanto fiscal quanto financeira, abrindo mão de considerável e importante receita, o que contribuiu de forma significativa para a atual situação pré-falimentar do Estado. O MP alega que ter sido “apurado que o volume de financiamento especial concedido às empresas mencionadas na CPI da Arrecadação, através do FUNDES, foi de R$ 4.848 bilhões entre os anos de 2003 e 2005, e que entre 2008 e 2013 o Estado deixou de arrecadar, segundo o TCE/RJ, R$ 138 bilhões em receitas de ICMS. Denuncia ausência de planejamento e questiona a legitimidade da renúncia de receita, sustentando que a gestão orçamentária não tem sido feita de forma responsável ou transparente. Salienta ainda que os incentivos e benefícios vem sendo concedidos sem a prévia avaliação do Conselho Nacional de Política Fazendária e em desacordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária anual e que são, portanto, nulos”.
O Governo se defende alegando que “os benefícios fiscais concedidos não importam em renúncia fiscal, eis que não acarretam redução do montante de ICMS arrecadado. Ao contrário, afirma que os mesmos são promovidos mediante a justa expectativa de vantagens econômicas e/ou sociais para a sociedade fluminense, quer através do investimento produtivo capaz de gerar, no futuro próximo, acréscimo na arrecadação de tributos em nosso Estado, quer através da geração de novos postos de trabalho em nosso território. Sustenta que a redução da arrecadação do ICMS se deve a uma crise econômica nacional, agravada pelo desaquecimento do setor petrolífero. Alega ainda que a inicial não identifica quais incentivos fiscais questiona, sendo, portanto, genérica e inespecífica. Sustenta igualmente que apenas uma pequena parcela dos programas de atração de investimentos exige prévia autorização do CONFAZ e que o diferimento do recolhimento do ICMS não importa em exoneração fiscal nem constitui benefício tributário. Questiona a posição do Estado do Rio de Janeiro perante os demais entes federativos, considerando que durante anos foi um dos poucos Estados a observar a prévia autorização do Conselho, o que lhe conferia situação menos atrativa aos investidores e consequente desvantagem na chamada ´guerra fiscal´”.
A Juíza deferiu também a prova documental e pericial e o acesso pelo MP à base de dados do sistema DUB-ICMS ou outro que o substitua. O DUB-ICMS é outra declaração que as empresas incentivadas têm que enviar todo mês para a fazenda e se soma às duas novas obrigações para as empresas incentivadas. O perito indicado pela Juíza foi José Alberto Parreira, que deverá dizer se aceita a função e quanto cobrará para isto. O Ministério Público e o Governador têm 15 dias para apresentar as perguntas e indicar um assistente técnico.
Na ação popular nº 0323933-67.2013.8.19.0001 ajuizada por um cidadão, o Tribunal de Justiça já condenou o ex-Governador Sérgio Cabral e uma grande indústria do Estado a devolverem bilhões de reais de incentivos fiscais dados na forma de “diferimento”, um tipo de benefício que “empurra” para frente a obrigação de pagar o imposto, para a construção de uma fábrica no Estado.
Em matéria de incentivo fiscal e financeiro, é bom cumprir todas as obrigações e ficar atento aos passos do Governo, do Legislativo e do Judiciário, porque não há segurança jurídica e sempre tem um novo capítulo. É acompanhar para ver.
Normas na íntegra:
Lei Complementar nº 160/20117
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp160.htm
Convênio Confaz 190/2017
https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2017/CV190_17
Resolução 231 na íntegra e as planilhas, nas páginas 4 a 7 do próprio Diário Oficial:
https://www.ioerj.com.br/portal/modules/conteudoonline/mostra_edicao.php?session=VGxWYVJsSnJXVEZSYTAxMFVYcFJlbEZwTURCUFZVbDVURlJuZUUxRldYUlJWRWt4VVd0Uk5WSnFSa2RSZWtsNVRWUlZlVTFxUlhkUFJHY3pUbmM5UFE9PQ==