Para entender o afastamento de Marcelo Bretas

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No último dia 28 de fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por apurações relativas a magistrados e serviços judiciários auxiliares, decidiu, por maioria, afastar o juiz federal Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, das atividades do cargo, até o final das investigações em andamento. Bretas, conhecido por sua […]

POR Bruna Fernanda Reis*02/03/2023|5 min de leitura

Para entender o afastamento de Marcelo Bretas

Marcelo Bretas. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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No último dia 28 de fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por apurações relativas a magistrados e serviços judiciários auxiliares, decidiu, por maioria, afastar o juiz federal Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, das atividades do cargo, até o final das investigações em andamento.

Bretas, conhecido por sua atuação nos procedimentos da Operação Lava Jato, é investigado, de acordo com as apurações da mídia nacional*, acerca de possíveis faltas disciplinares relativas à influência de terceiros em decisões proferidas nos termos de colaboração premiada homologados pelo magistrado, além de negociações de penas, orientações a advogados, ajuste de estratégias com o Ministério Público ou benefício às partes em decisões.

O que está em pauta?

Para compreender o caso, partimos do entendimento comum de que o magistrado deve ser equidistante das partes, para garantir o exercício dos valores que levam a população a confiar no Poder Judiciário e nos princípios que norteiam a democracia.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigo 10), nesse sentido, exige que os estados membros da ONU garantam um julgamento justo, igualitário, público e realizado por um tribunal independente e imparcial, que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal. O requisito é replicado em diversos documentos posteriores e, mais recentemente, foi incluído na Constituição Federal de 1988 (Artigo 5º, XXXVII e LIII) e nos Princípios de Bangalore e Conduta Judicial, da ONU (2002). Ainda assim, o leitor pode se questionar se é possível, na prática, que magistrados sejam realmente imparciais em suas demandas, sobretudo em um cenário polarizado, em que não raramente posições e orientações políticas são explicitadas de forma tão contundente.

Por óbvio que todos, por natureza, temos posições políticas, religiosas e ideologias que afetam e muitas vezes conduzem, nossa vida pessoal, diretrizes e valores de nossas famílias e círculos sociais. Seria, de fato, insustentável pretender garantir que um cidadão, por investido em uma função pública, deixe de ter uma certa compreensão do mundo ou observe a realidade por seu próprio prisma.

No entanto, quando se fala em imparcialidade do magistrado, não se trata de seus entendimentos pessoais – ao contrário do que o leitor leigo possa imaginar -, mas à atuação do juiz de maneira distante das partes, de forma a garantir o devido processo legal – e isto é dizer, permitir-lhes que igualitariamente exerçam o papel próprio dentro de uma relação processual, sem substituições ou compartilhamentos.

Por esse motivo a comum confusão: não se exige do cidadão investido nos poderes da magistratura que aja com neutralidade, mas com o dever de se mostrar imparcial, de maneira a manter-se afastado das funções de acusador ou defensor, que não lhe competem. Que não instrumentalize o Poder Judiciário para garantir interesses pessoais de qualquer natureza ou atue para que sobrevenha o resultado que lhe convém. O poder que é investido ao magistrado deve ser exercido de forma rigorosa, a fazer valer a confiança que lhes é depositada pela sociedade, com eficácia máxima de seu comprometimento e garantia aos direitos fundamentais dos envolvidos.

É bom relembrar que, independentemente do caso que esteja em pauta, a análise de um fato por um juiz parcial não afeta apenas as partes diretamente envolvidas, mas corrompe os princípios do Poder Judiciário e a própria democracia, cujos pilares vem sendo alvos de ataques contundentes nos últimos meses.

Por essas razões, a natureza desses princípios está, inclusive, incutida no Código de Ética da Magistratura, a garantir que o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, mantendo uma distância equivalente das partes e evitando qualquer tipo de comportamento que possa refletir em favoritismo, predisposição ou preconceito.

Entendido o pano de fundo que estimula o pensamento crítico do leitor, é de se considerar que, caso confirmadas as acusações que recaem sobre Marcelo Bretas, deve se fazer valer a aplicação das punições previstas nas normas vigentes para que se reafirme o exercício das garantias, não apenas daqueles que foram submetidos aos seus julgamentos, mas de todos os cidadãos, e se reafirme o exercício da democracia.

*Autos sigilosos.
*Sobre o assunto, caso seja de interesse do leitor, vide a teoria da dissonância cognitiva, explicada com habilidade pelo jurista Aury Lopes Jr. (Direito Processual Pena, 2018).

Bruna Fernanda Reis. Foto: Fábio Torres
Bruna Fernanda Reis. Foto: Fábio Torres

Bruna Fernanda Reis – Advogada e Consultora. Sócia em Fernanda Reis Advogados. Pós-graduada em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista Market Surveillance pelo Insper, em Criptoeconomia pela Blockchain Academy e em Análise de dados pela Tera. fernandareisadvogados.com


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No último dia 28 de fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por apurações relativas a magistrados e serviços judiciários auxiliares, decidiu, por maioria, afastar o juiz federal Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, das atividades do cargo, até o final das investigações em andamento.

Bretas, conhecido por sua atuação nos procedimentos da Operação Lava Jato, é investigado, de acordo com as apurações da mídia nacional*, acerca de possíveis faltas disciplinares relativas à influência de terceiros em decisões proferidas nos termos de colaboração premiada homologados pelo magistrado, além de negociações de penas, orientações a advogados, ajuste de estratégias com o Ministério Público ou benefício às partes em decisões.

O que está em pauta?

Para compreender o caso, partimos do entendimento comum de que o magistrado deve ser equidistante das partes, para garantir o exercício dos valores que levam a população a confiar no Poder Judiciário e nos princípios que norteiam a democracia.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigo 10), nesse sentido, exige que os estados membros da ONU garantam um julgamento justo, igualitário, público e realizado por um tribunal independente e imparcial, que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal. O requisito é replicado em diversos documentos posteriores e, mais recentemente, foi incluído na Constituição Federal de 1988 (Artigo 5º, XXXVII e LIII) e nos Princípios de Bangalore e Conduta Judicial, da ONU (2002). Ainda assim, o leitor pode se questionar se é possível, na prática, que magistrados sejam realmente imparciais em suas demandas, sobretudo em um cenário polarizado, em que não raramente posições e orientações políticas são explicitadas de forma tão contundente.

Por óbvio que todos, por natureza, temos posições políticas, religiosas e ideologias que afetam e muitas vezes conduzem, nossa vida pessoal, diretrizes e valores de nossas famílias e círculos sociais. Seria, de fato, insustentável pretender garantir que um cidadão, por investido em uma função pública, deixe de ter uma certa compreensão do mundo ou observe a realidade por seu próprio prisma.

No entanto, quando se fala em imparcialidade do magistrado, não se trata de seus entendimentos pessoais – ao contrário do que o leitor leigo possa imaginar -, mas à atuação do juiz de maneira distante das partes, de forma a garantir o devido processo legal – e isto é dizer, permitir-lhes que igualitariamente exerçam o papel próprio dentro de uma relação processual, sem substituições ou compartilhamentos.

Por esse motivo a comum confusão: não se exige do cidadão investido nos poderes da magistratura que aja com neutralidade, mas com o dever de se mostrar imparcial, de maneira a manter-se afastado das funções de acusador ou defensor, que não lhe competem. Que não instrumentalize o Poder Judiciário para garantir interesses pessoais de qualquer natureza ou atue para que sobrevenha o resultado que lhe convém. O poder que é investido ao magistrado deve ser exercido de forma rigorosa, a fazer valer a confiança que lhes é depositada pela sociedade, com eficácia máxima de seu comprometimento e garantia aos direitos fundamentais dos envolvidos.

É bom relembrar que, independentemente do caso que esteja em pauta, a análise de um fato por um juiz parcial não afeta apenas as partes diretamente envolvidas, mas corrompe os princípios do Poder Judiciário e a própria democracia, cujos pilares vem sendo alvos de ataques contundentes nos últimos meses.

Por essas razões, a natureza desses princípios está, inclusive, incutida no Código de Ética da Magistratura, a garantir que o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, mantendo uma distância equivalente das partes e evitando qualquer tipo de comportamento que possa refletir em favoritismo, predisposição ou preconceito.

Entendido o pano de fundo que estimula o pensamento crítico do leitor, é de se considerar que, caso confirmadas as acusações que recaem sobre Marcelo Bretas, deve se fazer valer a aplicação das punições previstas nas normas vigentes para que se reafirme o exercício das garantias, não apenas daqueles que foram submetidos aos seus julgamentos, mas de todos os cidadãos, e se reafirme o exercício da democracia.

*Autos sigilosos.
*Sobre o assunto, caso seja de interesse do leitor, vide a teoria da dissonância cognitiva, explicada com habilidade pelo jurista Aury Lopes Jr. (Direito Processual Pena, 2018).

Bruna Fernanda Reis. Foto: Fábio Torres
Bruna Fernanda Reis. Foto: Fábio Torres

Bruna Fernanda Reis – Advogada e Consultora. Sócia em Fernanda Reis Advogados. Pós-graduada em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista Market Surveillance pelo Insper, em Criptoeconomia pela Blockchain Academy e em Análise de dados pela Tera. fernandareisadvogados.com


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