Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, colaborador do SRzd
Brasil. 2025 representa um quarto de século no século 21. Muita coisa vimos acontecer, apesar de mantermos incômoda sensação de que o século ainda estaria para começar. Nos faz falta um evento definidor, que unifique nossas sensações contra a parede de ansiedade. Outrora tivemos o 11 de Setembro de 2001, e esse passou sem que o percebêramos. A crise financeira de 2008 acendeu em nós alertas, mas a economia global volta a crescer. A pandemia tirou nosso fôlego por um par de anos, e ainda há quem diz que não ocorreu.
Um século fragmentário nos fez perder de vista as muitas diferenças que 25 anos fazem.
Nos 25 anos anteriores, os do século 20, o Brasil deixou de ser uma ditadura militar em meio à estagnação e se tornou uma (ainda) jovem democracia no promissor Sul Global. No período, uma nova Constituição foi levantada pela vontade popular e tivemos três eleições diretas para a Presidência da República – mais do que nos 75 anos precedentes.
O Brasil foi uma pequena peça de uma reorganização política global, que nos levou da disputa entre a União Soviética e os Estados Unidos para uma ordem global multipolar.
O medo de uma catástrofe atômica foi substituído por temores menores, referentes a disputas comerciais, combate ao terrorismo e disputas territoriais de caráter regional. A proliferação de democracias e autoritarismos radicais substituiu o binômio capitalismo-comunismo, sem que perdêssemos o sono nessa passagem de bastão. A globalização tornou nossas vidas mais conectadas por tecnologias e ideologias, mais curta e veloz em interações simultâneas numa escala planetária, mais desigual e complexa por mil diferenças fragmentárias. Passamos boa parte do tempo diante das telas, enquanto os recursos naturais e a biodiversidade eram dramaticamente ceifados por nosso dia-a-dia.
Não nos surpreendamos se não pudermos resumir os últimos 25 anos a uma palavra só.
Entre tendências de integração e fragmentação em rota de colisão, jovens democracias do Sul Global fizeram seus trajetos através do planeta parcialmente globalizado e voraz. O Brasil teve sua melhor chance, há exatos 40 anos. O esgotamento político, econômico e moral da Ditadura mobilizou as energias da sociedade brasileira na direção contrária. Uma ampla aliança se ergueu contra a inércia do continuísmo de generais e tecnocratas. Uma soma de diferenças consideráveis que venceu a Ditadura nas ruas e no Congresso. Um fervoroso clima de união nacional se ergueu, ao redor da figura de Tancredo Neves.
Há 40 anos, o Brasil teve a chance de parar as máquinas e começar novamente, em paz.
25 anos passaram rapidamente, ainda não sabemos resumi-los. A breve história da Nova República de Tancredo durou menos de um ano. Ainda estamos vivendo seus capítulos.
Da vitória no Colégio Eleitoral para a cama do hospital. Brasília ficou pequena para isso. O país parou por meses, percorrendo a agonia do primeiro civil presidente desde 1964. A personalidade modesta que ocupou todos os níveis de poder representativo (incluindo alguns inexistentes hoje em dia, como o Primeiro-Ministro) já não se encontrava a dispor.
Eventualmente, o Brasil choraria chances desperdiçadas, sem mesmo tempo de tentar. Ficou o mito do governo que podia ter sido e que deixou, em seu rastro, apenas transição, sob a batuta do vice José Sarney. Sarney vivia breve transição em sua própria trajetória política. Adepto do regime autoritário recém-chegado ao liberalismo, seus 5 anos viram a Constituição surgir em meio a euforias e frustrações da luta perdida contra a inflação.
O moderado Tancredo foi enterrado em 21 de Abril de 1985, junto à breve união nacional.
Os presidentes eleitos após sua morte jamais conseguiram reunir em torno de si o arco de alianças diversas e contraditórias que marcam as jovens democracias do Sul Global. A polarização na política brasileira não surgiu em 1985, longe disso. Saiu reforçada diante do cortejo de homenagens ao líder que não teve a oportunidade de conduzir o Brasil sob a bandeira da união. A Nova República envelheceu ainda no berço.
Vítimas da polarização, fomos às ruas de tempos em tempos, em busca de um destino. As maiores manifestações da história do Brasil foram no século 21. E delas não falamos. Ao passo que a política se transferiu das ruas para as redes sociais e para os tribunais, seguimos sem saber quem somos em conjunto, diante de sombras de passado e futuro.
Nosso dia-a-dia globalizado tornou polêmicas e problemas de comunicação algo trivial. Já não temos uma linguagem segura para dizer quem fomos durante os últimos 25 anos. Nos restou a memória de tantos acontecimentos, cujo atropelo anseia por resoluções. O mundo líquido de Bauman nos engana com sua simplicidade errônea: todos sabemos o que fazer, só não sabemos mais fazer conjuntamente algo que faça diferença para nós.
Não tendo opção de parar o tempo, nem mesmo com a mais avançada tecnologia, de tempos em tempos nos reencontramos em ausências, em ansiedades que não se dizem. Permanecemos no minuto de silêncio que, há 40 anos, calou o Brasil naquele 21 de Abril.

Sobre Carlos Frederico Pereira da Silva Gama: Escritor, poeta, cronista, doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio, fundador do BRICS Policy Center, professor da Shiv Nadar University (Índia), cinéfilo e leitor voraz, fã da Fórmula 1 e da cultura pop, líder das bandas independentes Oblique, EXXC e Still That.
Escreveu para a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, O Dia, Brasil Econômico, Portal R7, Observatório da Imprensa e publicações acadêmicas como Global Governance e E-International Relations. É colunista de música e cinema do blog de cultura pop Cultecléticos.
Publicou quatro livros – “Surrealogos” (2012), “Modernity at Risk: Complex Emergencies, Humanitarianism, Sovereignty” (2012), “Após a Guerra, Estabilidade? Mudanças Institucionais nas Operações de Paz da ONU (1992-2000)” (2016) e “Ensaios Globais: da Primavera Árabe ao Brexit (2011-2020)” (2022).
