Por Gabriel Mello
No dia internacional do orgulho LGBTQIA+, o tema desta coluna de samba e carnaval prestará homenagem a uma grande – e pouco lembrada – figura de nossa festa. Trata-se da belíssima e esfuziante atriz, dançarina e performer, ELOÍNA DOS LEOPARDOS – a Primeira Rainha de Bateria do Carnaval do Rio de Janeiro.
A Divina Diva das noites cariocas nasceu no Catumbi, bairro localizado na região central da cidade, que é, de fato histórico e direito adquirido, um dos berços da boemia carioca. Coincidências a parte, ou não, a vocação para o espetáculo, para o abrir das cortinas, sempre acompanhou a estrela. Batizada sob o nome Edson (derivado do inglês arcaico Eadwig, que significa próspero na batalha), ela desabrocharia na adolescência como a adorada Eloína, nome que herdou de uma das grandes vedetes para quem trabalhou no Teatro Carlos Gomes.
Cercada pelo glamour das apresentações das grandes performers da época e totalmente envolvida pelos brilhos e paetês que já a fascinavam desde a infância, não demorou para que fosse notada por grandes produtores, como Carlos Machado, e despontasse nas noites cariocas como um dos grandes nomes do entertainment, levando plateias ao delírio com exibições esfuziantes, muitas delas inspiradas na cantora Elza Soares.
Tendo ao longos dos anos personalidades como Liza Minelli e Madona em sua plateia, a dona de um dos mais belos pares de pernas que esta cidade já viu – como bem disse o prefeito Marcos Tamoio – teve como ápice de suas aventuranças um debute que transformaria para sempre a folia da cidade maravilhosa. Pouco depois de voltar de Hong Kong, onde colocara os seios que ostenta com orgulho hoje em dia, ela recebeu o convite de Joãosinho 30 (que estreava como carnavalesco da Beija-Flor de Nilópolis), para desfilar a frente dos ritmistas como a Rainha de sua Bateria.
Um escândalo para época, a presença de uma transexual numa posição de tamanho destaque num desfile de Escola de Samba acabou gerando furor! A beleza inegável da atriz e sua elegância a frente dos batuqueiros, estamparam as capas de diversos jornais, coroadas pelo inédito título da Escola da Baixada. O feito de Eloína, como um passo inicial, o romper de um casulo, abriu um novo cenário para a festa, um verdadeiro caminho de oportunidade para tantas outras estrelas da folia.
Uma efeméride tardia, pelo ocaso de nossos valores, pelo preconceito mordaz e robusto que sempre serviu de máscara para que esta nossa Roma Pagã tropical se “travestisse” de paraíso bizantino.
Vale lembrar, destro desta mesma seara, que em 1967, em plena ditadura militar, a performer e carnavalesca Ari Reis, também transexual, fora vaiada pelo povão da avenida enquanto sambava a frente da ala de passistas da Imperatriz Leopoldinense, cujo enredo exaltava vida e obra do escritor Olavo Bilac. Convidada pelo então presidente da verde-e-branca de Ramos para que viesse mostrando seu charme e gingado na frente do grupo de cabrochas, acabara sendo protagonista de linchamento sebastiano, recebendo as flechas que ecoavam daquelas vozes intolerantes contra o seu corpo e seu samba.
Numa observação rápida desta timeline, vemos a distância espaço-tempo que precisou ser percorrida para que Ari Reis e a Imperatriz tivessem a redenção de seu avant-garden, de seu ato de coragem, de inclusão, através da explosão fulminante de Eloína durante o cortejo dos jogos proibidos, surgido da mente transgressora e ousada do Mago João.
Mais do que inaugurar o posto – que se tornaria badalado na imprensa e disputado por celebridades de alto quilate – a pioneira dentre as monarcas do ritmo bordou com muito talento, samba no pé e carisma, o arco-íris para uma infinidade de sonhos – meus e de tantos LGBTQIA+ do universo do Carnaval.
Eloína – ou Heroína, como gosto de chamá-la – carrega consigo uma daquelas magníficas e tão pouco contadas histórias de nossa festa, muito, talvez, por conta do machismo que ainda insiste em se rebelar como alegoria incendiária dos planaltos e coxias – e até de nossas veredas, disfarçado de “coisa tradicional”.
Por essas e por tantas outras coisas que infelizmente vivenciamos no país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo, deixo registrada através desta edição da coluna a reverência a epopeia desta percussora de nossa tão sonhada revolução.
*Este texto contou com a colaboração do pesquisador Gustavo Lourenço.
Sobre o autor
Gabriel Mello é diretor de Carnaval da Vai-Vai e compositor da Imperatriz Leopoldinense. Ele integrou a comissão de Carnaval da Beija-Flor em 2016-2017.