Queridos amigos do samba e do Carnaval! O sábado (28) foi quente na Sapucaí com o ensaio técnico de quatro agremiações da Série Ouro.
Vivemos desde sexta-feira com a expectativa de um possível cancelamento dos ensaios do último final de semana. Tudo devido ao cumprimento das exigências do corpo de bombeiros, onde segundo informações, na sexta ao cair da tarde, esse órgão governamental lembrou que precisava fazer uma vistoria mais criteriosa na pista.
Fico aqui me perguntando: não poderiam ter lembrado de fazer essa vistoria no início dessa semana que findou? Porque deixaram justamente para sexta, ao final da tarde? Foi para causar alvoroço e ganhar todos os noticiários com a informação do cancelamento?
Fico lembrando que no Carnaval anterior, um vereador, que não lembro o nome, andou levantando questões com relação a segurança, exatamente às vésperas do Carnaval. Foi outro rebuliço, e virou manchete! Toda segurança é necessária e importante, não tenho dúvidas! Gostaria, apenas, que isso fosse lembrado com tempo e prazo que não estressassem tanto a comunidade do Carnaval. Seria pedir demais?
Voltemos para o que nos interessa, o ensaio técnico de sábado. Tudo começou por volta das 21h, com a primeira escola de samba; a União de Jacarepaguá.
A verde e branco da Zona Oeste está retornando à Série Ouro. Subir nunca é fácil, pois toda escola encara uma estrutura muito maior do que estava acostumada. Falo isso com relação ao tamanho das alegorias, fantasias mais elaboradas e contingente humano. Pelo que vimos, a escola não está intimidada com esse acesso.
Com o enredo: “Manoel Congo, Mariana Crioula – Heróis da liberdade no Vale do Café”, dos carnavalescos Lucas Lopes e Rodrigo Meiners, vai resgatar dois personagens que viveram em Paraíba do Sul, cidade que faz parte da região conhecida como o “Vale do Café”: Manoel Congo e Mariana Crioula. Os dois se rebelaram contra os maus tratos da escravidão e lideraram uma insurreição do povo preto escravizado no lugar.
A escola será a primeira a desfilar no sábado de Carnaval. O destaque deste ensaio foi o bom número de componentes, todos com camisa do enredo. Nota-se a grande vontade de se fazer um bom desfile, principalmente pela organização apresentada. Porém, a harmonia vai ter que trabalhar bastante até o dia do desfile, pois algumas alas passaram sem cantar o samba. Devem ficar atentos, pois foram as primeiras alas da escola e isso causou um certo esfriamento na sua recepção pelo público presente. Quando passaram as alas que deviam ser da comunidade, cantando o samba com vontade, tudo melhorou, inclusive a interação com o público. O samba cresceu e aquela estranheza inicial foi ficando para trás. Lembrando a diretoria e a harmonia da escola, que o ensaio técnico é exatamente para identificar os pontos à serem consertados. Agora, é trabalhar para tudo dar certo no desfile oficial!
Depois, chegou a Acadêmicos de Vigário Geral. A escola trabalha com afinco para consolidar sua posição e permanência na Série Ouro, e assim, no futuro, alçar voos mais altos.
O enredo para 2023, em minha humilde opinião, é quase uma ousadia neste grupo, pois vai falar do universo infantil com o enredo “A Fantástica Fábrica da Alegria”, dos carnavalescos Lino Sales, Marcus do Val e Alexandre Costa. Lembrando dos enredos do último Carnaval, nenhuma escola do Grupo Especial transitou por este universo. Os recursos da Serie Ouro são limitados, o que obriga os carnavalescos a buscarem esculturas nas coirmãs poderosas do grupo de cima, para que possam ser recicladas, transformadas e adequadas a realidade do enredo que vão apresentar. Nesse sentido, o melhor seria caminhar pelo universo afro ou indígena, pois a grande maioria das escolas do Especial trouxe enredos relativos a esta temática. Em outras palavras, vão ter que fazer esculturas partindo do zero, ou dar aquele toque mágico da criatividade para conseguir transformar Orixá em brinquedo.
Quanto ao ensaio técnico, a escola fez uma apresentação leve e cheia de alegria, fora a organização apresentada, muitas alas com fantasias divertidas. O destaque para ala de passistas de Mulher Maravilha e Superman, e o intérprete oficial, Tem-Tem, fantasiado de Batman. Outra boa surpresa foi a presença da Ala das Crianças. Esta ala que anda desaparecida da maioria das escolas de samba se fez presente no desfile da Vigário. O samba é do tipo animado, que ajuda a escola evoluir, mas aconselho aos diretores de harmonia e diretoria a ficarem atentos ao canto, pois foi perceptivo que, em algumas alas, uma metade cantava, e outra mascava chiclete.
Agora chegou aquele momento que o ensaio ficou apoteótico, era a vez de “avermelhar” a Avenida com a Unidos de Padre Miguel, conhecida popularmente no Carnaval como UPM.
Amigos, a chapa esquentou já no início, onde a agremiação mostrava a documentação necessária para dizer a todos que quer fazer parte do Grupo Especial! A bateria de Mestre Dinho acessou o setor 3, e deu um show, com direito a um elemento alegórico, que elevou a rainha de bateria Thalita Zampirolli a uma altura por volta dos quatro metros. O publico foi ao delírio!
Fora isso, já se via ao longe um tripé, que parecia pronto para desfile principal. Ele trazia o símbolo maior da agremiação: o Boi Vermelho. A alegoria tinha iluminação e efeitos especiais que eram acionados por determinadas passagens do samba, pura ostentação! A comissão e frente belamente vestida com indumentárias que lembravam o povo do nordeste e o povo mouro.
O enredo da UPM vai falar da influência dos Mouros na cultura nordestina. Mouro era o nome dado pelos cristãos às pessoas de pele escura e de religião muçulmana que habitaram a Península Ibérica, do século VIII ao XV. Foram 800 anos de ocupação da região onde fica Portugal, então, o que mais temos é influência moura. O enredo tem como título “Baião de Mouros”, e tem como carnavalescos Edson Pereira e Wagner Gonçalves. Afirmo ser um achado esse enredo para UPM, que teve um contratempo com o enredo que queriam trazer para 2023, obrigando a buscarem outro tema. O “Universo” foi muito generoso com a escola, pois trouxe um assunto, em minha opinião, muito melhor para o desfile.
Novos ares trazem bom samba, nova vitalidade e uma riqueza visual renovadora. E isso que foi visto neste sábado. Um ensaio técnico com tantos destaques que fica difícil aqui enumerá-los. Destaco a roupa e a apresentação do primeiro casal. A ala de passista era um luxo, todas as alas tinham adereços confeccionados relativos a temática, fora estarem todos com camisas uniformizadas.
E o samba-enredo? Ah, esse foi um espetáculo à parte! Permitiu a comunidade da Vila Vintém, Padre Miguel e Bangu soltarem sua energia a plenos pulmões na passarela, que astral maravilhoso! O samba tem aquele refrão que faz o componente bater no peito com maior orgulho, pois exalta a sua importância e pede respeito à sua comunidade. O refrão diz assim:
“Ê, Boi Vermelho!
Chegou pra guerrear
Meu Boi Vermelho, a vitória vem de Alá
A nossa escola não deve nada a ninguém
Respeita o povo da Vila Vintém”
O espetáculo não tinha terminado, pois a escola que encerraria o sábado era a Porto da Pedra! Amigos, sou suspeito em falar dessa escola, pois AMO essa comunidade e tenho uma afinidade muito grande com sua diretoria e seu presidente, Fábio Montibelo. Vou ter que me conter para a emoção não superar a razão, que começou logo quando o intérprete Nego entoou o samba de esquenta; “Bota pra ferver”.
“Meu samba é por você que eu me embalo
O tigre é de São Gonçalo
Vermelho e branco até morrer”
Digo a todos que um arrepio correu o corpo. Afinal, foram seis carnavais sendo carnavalesco da escola, fica impossível não se emocionar. Voltemos a apresentação do “Tigre”, que também, chegou chegando na Avenida. Nada de se intimidar com o ensaio anterior, da UPM.
A comissão de frente chegou pronta para o desfile oficial, toda fantasiada com a temática dos espíritos da floresta Amazônica. Mandavam um belo recado ao público presente, sobre a preservação desse patrimônio verde que é a nossa Amazônia. A bateria de Mestre Pablo foi outro ponto alto. Havia um momento que sentíamos os tambores da floresta na Avenida.
E se o negócio é ostentar, a Porto da Pedra trouxe telões de LED, em caminhões nas posições das alegorias. Nessas carretas tinham fogos e efeitos que eram acionados também conforme o andamento do samba. A Porto da Pedra não veio para brincadeira. Quando o intérprete Nego começou a cantar o samba para 2023, aí começou o show do seu maior patrimônio: a comunidade.
Que canto foi aquele, Porto da Pedra? Todos estão imbuídos de levar o Tigre de volta ao Grupo Especial. Ninguém poupou energia, parecia um coral! O samba ajudou muito, pois realmente é muito bom, funcionou de forma espetacular. O samba tem aquelas famosas palavras que fazem a comunidade ferver, e ela ferveu. Destaque para o refrão:
“Warrãna-rarae, Warrãna-rarae
Mari-nawa-kenadêe
Ecoam tambores na floresta
Porto da Pedra, é nossa hora de vencer”
Destaco a organização das alas que traziam camisas diferenciadas para cada grupo, adereços de cabeça, assim como, todos com rostos pintados na temática indígena. O enredo do Porto da Pedra é um dos mais interessantes do grupo, tem como título “A invenção da Amazônia: Um delírio do imaginário de Júlio Verne”, do carnavalesco Mauro Quintaes.
Confesso, estou muito curioso em ver como será o delírio criativo do carnavalesco Mauro, na tradução plástica deste enredo. Misturar o pai da ficção científica, Júlio Verne, com a temática da Floresta Amazônica, é algo que faz associar às loucuras maravilhosas do saudoso Fernando Pinto. Vamos aguardar! Segura o Tigre!
Jaime Cezário é arquiteto urbanista, carnavalesco, professor e pesquisador de Carnaval.
Começou sua carreira como carnavalesco no ano de 1993, no Engenho da Rainha. Atuou em diversas escolas de samba do Rio de Janeiro, entre elas, a Estação Primeira de Mangueira, São Clemente, Caprichosos de Pilares, Paraíso do Tuiuti, Acadêmicos do Cubango, Leão de Nova Iguaçu e Unidos do Porto da Pedra. Fora do Rio, foi carnavalesco da Rouxinóis, da cidade de Uruguaiana, e União da Ilha da Magia, de Florianópolis.
Em 2007 e 2008 elaborou o trabalho de pesquisa que permitiu a declaração das escolas de samba que desfilam na cidade do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural Carioca, junto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do IRPH, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.
Em 2013, a fantasia da ala das baianas – criada por Jaime para o Carnaval de 2012 para a Acadêmicos do Cubango –, entrou para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Iowa, no EUA.
Essa fantasia está exposta no setor dedicado as festas folclóricas da América Latina e representa o Carnaval das escolas de samba do Brasil. Esse feito fez de Jaime o primeiro carnavalesco a ter uma obra exposta em acervo permanente num museu internacional.
Crédito das fotos: divulgação
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd
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