Rio. Em poucos dias, o palco maior do Carnaval brasileiro vive mais um capítulo de sua já longa história.
O sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, que completou quatro décadas de vida, recebe mais uma vez o maior espetáculo da Terra a céu aberto; o desfile das escolas de samba.
A Passarela Professor Darcy Ribeiro começou a ser construída em 1983 e foi inaugurada no ano seguinte.
Em 2024, chegou aos 40 anos recebendo a diversidade da criação, a genialidade artística e musical de tantas mentes brilhantes e os traços tão importantes para a cultura popular do país.
Utopia de Darcy e o embate de Brizola, o ‘Odorico’ para os Marinho
A passarela do samba foi uma ideia do antropólogo, educador e político Darcy Ribeiro. Inaugurada em 1984 durante o governo de Leonel Brizola (1983-1987), de quem Ribeiro foi vice na ocasião, a estrutura foi rebatizada com o nome de seu idealizador em 1987 e ficou popularmente conhecida como sambódromo, que significa “lugar para correr”.
A Marquês de Sapucaí figura na lista das muitas ideias visionárias que Darcy concretizou ao longo de uma diversa e produtiva vida, como a Universidade de Brasília (1962), os famosos CIEPs, os Centros Integrados de Educação Pública (1983) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (1993), além de ampla produção literária nos campos da antropologia, da etnologia e da educação.
Visto como um produto da utopia, Ribeiro deixou um potente legado.
Muitos deles estão reunidos em Os futuros de Darcy Ribeiro de Andrés Kozel e Fabricio Pereira da Silva. Publicado pela Elefante no ano de seu centenário, em 2022, o livro traz uma criteriosa seleção de textos que formam um panorama de suas visões de futuro do Brasil e das sociedades.
“O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso autossustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma”, escreveu.
Darcy nasceu em Montes Claros e destacou-se como um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros. Na política, foi ministro da Educação (1962-1963) e chefe da Casa Civil (1963-1964) durante o governo de João Goulart, derrubado pelo Golpe Militar de 1964. No exílio, desde o Golpe até o retorno em 1976, trabalhou como professor universitário na América Latina. Com a chamada abertura, exerceu os cargos de vice-governador do Rio e senador da República (1991-1997).
E como deixar de fora da biografia de Darcy a história da folia carioca?
Ainda que não fosse ele o idealizador da Passarela do Samba, suas percepções sobre o povo brasileiro também passam pela manifestação genuína da cultura popular que se mostra ao mundo ali, uma vez ao ano.
E a construção do sambódromo, em si, também foi um fato político. Até então, a logística do “monta e desmonta” das arquibancadas todos os anos era um foco de corrupção e superfaturamento.
O preço anual era praticamente equivalente ao preço da construção do sambódromo definitivo. A decisão do então governador, mexeu com interesses poderosos.
Um deles, vinha das Organizações Globo, opositora histórica do governador. A emissora da família Marinho se colocou contra a construção da Passarela.
No jornal impresso O Globo, uma charge comparava Brizola a Odorico Paraguaçu, personagem da obra de Dias Gomes; um político corrupto e fanfarrão que construiu um cemitério em uma cidade em que não morria ninguém.

Charge de O Globo comparando Brizola a Odorico Paraguaçu — Foto: Acervo Digital O Globo
A Rede Globo, que transmitia os desfiles até então, se recusou a cobrir a festa e a TV Manchete fez a transmissão do evento. Com a cobertura dos desfiles, a Manchete ganhou da Globo em audiência, algo inédito para aquele momento e, no ano seguinte, a emissora de Roberto Marinho voltou a transmitir o Carnaval. E permanece até hoje.
O maior sucesso, porém, veio depois da festa: crianças estudando em salas de aula no CIEP do sambódromo. Esse era o principal objetivo do projeto de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro e, claro, Oscar Niemeyer, o arquiteto da obra.
Passados tantos anos, o descaso do poder público com a educação segue apoteótico. Hoje, o CIEP do sambódromo já não funciona, e o local é utilizado apenas para creches.
A falta de visão estratégica dos que organizam a festa, aliada à ausência de sensibilidade social por parte dos governantes, tem tem excluído solenemente este equipamento tão importante e representativo para o Rio. Usado ao longo do ano todo, poderia fomentar e impulsionar não só o campo da edução e da cultura, mas gerar riqueza e divisas para cidade.

