Império, meu eterno campeão!
Na última sexta-feira fui com minha família, como faço todo ano, à nova Intendente Magalhães. Mal acabamos de sentar numa arquibancada, todos usando camisas da nossa escola, uma jovem bem popular, de copo de cerveja na mão, se dirigiu a nós: “Parabéns, sua escola foi a campeã desse carnaval. Mesmo abrindo o desfile, mesmo tendo subido este ano, fez um desfile espetacular!” Era apenas o resumo do que eu ouviria ao longo da noite: elogios calorosos, sinceros, emocionados ao desfile do Império Serrano.
Isso é, de verdade, o que me dá alegria: saber que minha escola se saiu bem, que não teve erros, que agradou ao público e prestou a Arlindo Cruz uma justa e linda homenagem. Há uns poucos anos, quando a escola foi igualmente rebaixada, minha tristeza foi enorme e aqui vim publicamente lamentar e apontar os problemas daquele desfile.
Hoje, ao contrário, é com orgulho que falo deste carnaval: o Império Serrano esteve soberano, alegre, correto, belo, organizado. E foi rebaixado. Tenho para isso uma explicação, mas que interesse teria a minha opinião neste caso? Melhor é ouvir a opinião de quem realmente interessa. Graças ao excelente trabalho da Rádio Arquibancada e do repórter Marcos Lodi, foi possível saber a explicação do presidente da Liga Independente das Escolas de Samba, responsável pela escolha do corpo de julgadores do desfile, para o rebaixamento do Império Serrano. Disse o sr. Jorge Perlingeiro, no ar, que a culpa é da falta de estrutura da Liga-RJ. Segundo ele, por falta de estrutura, o Império subiu e não conseguiu se manter no grupo.
É uma opinião a ser levada em conta, vinda de alguém que preside a entidade representativa das agremiações da elite do carnaval. Dela se pode inferir que a excelente estrutura proporcionada pela Liesa garante a suas afiliadas algo bem melhor do que o Império Serrano foi capaz de apresentar este ano. Prezo muito a opinião de Jorge Perlingeiro, mas, desculpe a sinceridade, não foi o que se viu na Sapucaí este ano: o Império Serrano, vindo da estrutura, segundo ele, precária da Série Ouro, não teve carros desgovernados ameaçando a integridade das grades das frisas nem deixou buracos gigantescos em sua evolução, como fez a Portela, décima colocada; não desfilou da concentração à dispersão com escultura quebrada em carro alegórico, um Farol da Barra adernado como a Torre de Pisa, como se viu na Unidos da Tijuca, nona escola na classificação final; e seus componentes de maior visibilidade não perderam elementos de suas fantasias em frente à cabine de julgadores, como ocorreu à porta-bandeira da Portela.
Por isso, senhor Presidente, antes de apontar problemas que não existiram, citando nominalmente o Império Serrano como exemplo de falta de estrutura, sem o menor respeito por uma escola fundadora dessa Liga que hoje o senhor preside, peço que volte seus olhos para suas afiliadas e pense o que pode fazer para que no próximo carnaval não cometam erros grosseiros que comprometem a grandiosidade do “espetáculo”, que é como costumam chamar o carnaval das escolas de samba.
Antes de dar voz a suas pretensões expansionistas, prove que é capaz de garantir um mínimo de lisura e coerência ao julgamento, escolhendo, por exemplo, uma comissão julgadora com mais representatividade popular. Menos doutores, menos bailarinos clássicos, menos estilistas de moda da elite e mais gente capaz de entender, por exemplo, que a coreografia mata a espontaneidade da dança do samba. Não sei se o senhor percebeu, mas o mundo está mudando, felizmente. A sociedade não suporta mais estruturas baseadas em privilégios, totalmente descoladas da sociedade, sem representatividade, sem lisura.
A Liesa está tentando se modernizar, mas ainda está muito distante do contexto social do momento e ninguém aguenta mais isso. As justificativas apresentadas pelos julgadores seriam ridículas se não fossem um caso de polícia. Até para manipular o resultado é preciso um mínimo de elegância e inteligência. Está faltando isso, está faltando tanta coisa, e o senhor se preocupa em disputar poder com outra entidade?! Quer estrutura, quer lisura, quer transparência nos grupos de acesso? Dê o exemplo. Antes de mais nada, dê o exemplo.
E não pense que o que disse acima é choro de perdedor. Não me considero derrotada. Se minha escola tivesse desfilado com pés de chumbo, matando de tédio a plateia, como a Mocidade Independente, décima primeira colocada, me sentiria triste. Se minha escola tivesse dado um show de incompetência e falta de gestão, estaria arrasada. Mas não foi o caso.
Como já disse acima, estou feliz e orgulhosa da beleza do trabalho apresentado pelo carnavalesco Alex de Souza, do show da bateria de mestre Vitinho, do empenho de cada componente. Só que jamais ouvirei calada uma declaração tão absurda e ofensiva, vinda logo de quem? Do presidente da Liesa, que, se fosse mais esperto, “passaria pano” (para usar uma expressão da moda) na vergonheira das notas e justificativas, que se repete todo ano, sem que nenhuma providência seja tomada.
Em vez disso, não podendo apontar objetivamente os supostos erros da rebaixada, porque não os achou, se sente no direito de falar vagamente em “falta de estrutura”. Seria muito pedir que cite exemplos do que afirmou? Se tiver dificuldade, sugiro que peça ajuda à sra. Regina Oliva, dona de uma inesgotável imaginação quando se trata de prejudicar o Império Serrano. Como nos revelou o excelente trabalho de investigação jornalística do portal CN1 Brasil, desde 2006, ano do enredo “Império do Divino”, ela se dedica a isso com muito sucesso. Com 18 anos de experiência, poderá ajudá-lo até de graça.
Rachel Valença tem formação em Letras, com graduação na Universidade de Brasília e mestrado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense, com dissertação intitulada Palavras de Purpurina, sobre a retórica do samba-enredo. Formou-se também em Jornalismo pela Faculdade Hélio Alonso.
Publicou vários livros sobre Carnaval e participa ativamente do Carnaval carioca, tendo sido por oito anos membro do Conselho do Carnaval da Cidade do Rio de Janeiro. Integrou a equipe de elaboração do dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: partido-alto, samba de terreiro, samba de enredo, para registro, junto ao IPHAN, do samba do Rio de Janeiro como patrimônio cultural imaterial, em 2007. É colunista do SRzd desde 2011. A partir de 2014 passou a fazer parte do júri do prêmio Estandarte de Ouro, do jornal O Globo.
Crédito das fotos: portal SRzd
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