Carnaval: o direito à cidade e as soluções negociadas, por Luiz Sales

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De quem é a cidade? Inusual, a dúvida subjacente emerge nos debates e embates pela utilização do espaço público urbano. Os donos somos todos e, assim, a mediação de direitos vira campo de fricção. Um exemplo recente e recorrente: o Carnaval, que há dez anos começou definitivamente a (re) ocupar as ruas de São Paulo, […]

POR Luiz Sales13/02/2025|5 min de leitura

Carnaval: o direito à cidade e as soluções negociadas, por Luiz Sales

Carnaval de Rua exige cada vez mais coordenação para a boa realização. Foto: Secom/Prefeitura

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De quem é a cidade? Inusual, a dúvida subjacente emerge nos debates e embates pela utilização do espaço público urbano. Os donos somos todos e, assim, a mediação de direitos vira campo de fricção.

Um exemplo recente e recorrente: o Carnaval, que há dez anos começou definitivamente a (re) ocupar as ruas de São Paulo, por iniciativa do então secretário da Cultura, Juca Ferreira.

No final de novembro a Prefeitura de São Paulo publicou o decreto criando a comissão especial para a organização do Carnaval de 2025. Imediatamente começaram os movimentos pró, contra e nem tanto. Nenhuma decisão havia sido tomada ou anunciada, mas já havia contrários em posições antagônicas.

Ninguém ignora o quanto o Carnaval cresceu nos últimos anos em São Paulo, assim como em Belo Horizonte e outras cidades até então pouco afeitas ao tema. Ir para a rua, contudo, é parte de uma história que começou no século 19, transmudou no 20 e floresceu no 21.

Rua e Carnaval se confundem ao logo da história. Foto: Aristodemo Becherini, parte do acervo do Museu da Cidade, 1939
Rua e Carnaval se confundem ao logo da história. Foto: Aristodemo Becherini, parte do acervo do Museu da Cidade, 1939

A diferença é que na capital paulista dos anos 1800, os Zuavos ou os Girondinos brincaram em uma cidade menor que Salvador, Recife ou Porto Alegre à época; em 1914 Dionísio Barbosa colocou na rua o Grupo Carnavalesco Barra Funda em uma São Paulo de pouco mais de 300 mil habitantes.

Grupo Carnavalesco Barra Funda em imagem histórica feita pelo antropólogo Lévi-Strauss. Foto: Acervo do Instituto Moreira Salles
Grupo Carnavalesco Barra Funda em imagem histórica feita pelo antropólogo Lévi-Strauss. Foto: Acervo do Instituto Moreira Salles

Hoje são quase 12 milhões. Esse mini contexto evolutivo é importante para não limitarmos o Carnaval a um evento, entre os milhares que a cidade realiza todos os anos. É muito mais.

Mesmo com um DNA transgressor e expansivo, os próprios brincantes e blocos entendem como sendo fundamental a participação do poder público para que a atividade se desenvolva a contento e com o menor incômodo aos que não gostam da festa.

Sabem também dos riscos intrínsecos em uma multidão reunida. Aquela história de “não põem corda no meu bloco” ou “mete o cotovelo e vai abrindo o caminho”, mesmo estando em obras-primas, hoje fica bem apenas nas músicas.

O uso do espaço público é parte do direito à cidade. Não quer dizer que deveres e respeito possam ser desconsiderados ou deixem de existir.

A cidade que se enxerga tolerante, coleciona exemplos dessa convivência relativamente harmoniosa. A Marcha para Jesus estreou em 1993 usando parte da Avenida Paulista e indo até o centro.

A primeira festa de réveillon na mesma Avenida foi em 1996. Poucos meses depois o local abrigou a Parada GLT, dando início à maior manifestação pela diversidade sexual do mundo. Com o passar do tempo houve necessidade de regulação para evitar os exageros, já que todos queriam usar a Paulista, inclusive para comemorar títulos no futebol.

Mudando de local, todo ano acontecem mais de cem corridas de rua na cidade. A Virada Cultural, que caminha para a vigésima edição, inicialmente ocupou o centro e hoje está espraiada. Organizar, estudar, propor alternativas e negociar consensos não é proibir.

Carnaval de Rua exige cada vez mais coordenação para a boa realização. Foto: Secom/Prefeitura
Carnaval de Rua exige cada vez mais coordenação para a boa realização. Foto: Secom/Prefeitura

É certo que nenhuma ocupação de espaço público reúne tanta gente ou dura três semanas como o Carnaval. A cidade é dada a exageros e por isso é São Paulo, que deglute o conflito entre o occupy e o nimby das celebrações de rua.

Esse modelo mais expansionista do Carnaval tem dez anos. Pouco em uma história evolutiva que transpassa quase dois séculos.

A acelerada ocupação urbana, naturalmente exige empenho e dedicação dos órgãos públicos, assim como compreensão mútua dos que brincam na rua e de quem não aceita “perder sua cidade”.

A solução a ser buscada deve comtemplar o planejamento temporal e espacial para São Paulo ter uma festa efêmera e polifônica.

Artigo de autoria de Luiz Sales – Jornalista, especializado em negócios da Comunicação, Planejamento e Gestão de Cidades. Foi responsável pela área de projetos e diretor da SPTuris, tendo atuado para a consecução do empreendimento Fábrica de Samba.

De quem é a cidade? Inusual, a dúvida subjacente emerge nos debates e embates pela utilização do espaço público urbano. Os donos somos todos e, assim, a mediação de direitos vira campo de fricção.

Um exemplo recente e recorrente: o Carnaval, que há dez anos começou definitivamente a (re) ocupar as ruas de São Paulo, por iniciativa do então secretário da Cultura, Juca Ferreira.

No final de novembro a Prefeitura de São Paulo publicou o decreto criando a comissão especial para a organização do Carnaval de 2025. Imediatamente começaram os movimentos pró, contra e nem tanto. Nenhuma decisão havia sido tomada ou anunciada, mas já havia contrários em posições antagônicas.

Ninguém ignora o quanto o Carnaval cresceu nos últimos anos em São Paulo, assim como em Belo Horizonte e outras cidades até então pouco afeitas ao tema. Ir para a rua, contudo, é parte de uma história que começou no século 19, transmudou no 20 e floresceu no 21.

Rua e Carnaval se confundem ao logo da história. Foto: Aristodemo Becherini, parte do acervo do Museu da Cidade, 1939
Rua e Carnaval se confundem ao logo da história. Foto: Aristodemo Becherini, parte do acervo do Museu da Cidade, 1939

A diferença é que na capital paulista dos anos 1800, os Zuavos ou os Girondinos brincaram em uma cidade menor que Salvador, Recife ou Porto Alegre à época; em 1914 Dionísio Barbosa colocou na rua o Grupo Carnavalesco Barra Funda em uma São Paulo de pouco mais de 300 mil habitantes.

Grupo Carnavalesco Barra Funda em imagem histórica feita pelo antropólogo Lévi-Strauss. Foto: Acervo do Instituto Moreira Salles
Grupo Carnavalesco Barra Funda em imagem histórica feita pelo antropólogo Lévi-Strauss. Foto: Acervo do Instituto Moreira Salles

Hoje são quase 12 milhões. Esse mini contexto evolutivo é importante para não limitarmos o Carnaval a um evento, entre os milhares que a cidade realiza todos os anos. É muito mais.

Mesmo com um DNA transgressor e expansivo, os próprios brincantes e blocos entendem como sendo fundamental a participação do poder público para que a atividade se desenvolva a contento e com o menor incômodo aos que não gostam da festa.

Sabem também dos riscos intrínsecos em uma multidão reunida. Aquela história de “não põem corda no meu bloco” ou “mete o cotovelo e vai abrindo o caminho”, mesmo estando em obras-primas, hoje fica bem apenas nas músicas.

O uso do espaço público é parte do direito à cidade. Não quer dizer que deveres e respeito possam ser desconsiderados ou deixem de existir.

A cidade que se enxerga tolerante, coleciona exemplos dessa convivência relativamente harmoniosa. A Marcha para Jesus estreou em 1993 usando parte da Avenida Paulista e indo até o centro.

A primeira festa de réveillon na mesma Avenida foi em 1996. Poucos meses depois o local abrigou a Parada GLT, dando início à maior manifestação pela diversidade sexual do mundo. Com o passar do tempo houve necessidade de regulação para evitar os exageros, já que todos queriam usar a Paulista, inclusive para comemorar títulos no futebol.

Mudando de local, todo ano acontecem mais de cem corridas de rua na cidade. A Virada Cultural, que caminha para a vigésima edição, inicialmente ocupou o centro e hoje está espraiada. Organizar, estudar, propor alternativas e negociar consensos não é proibir.

Carnaval de Rua exige cada vez mais coordenação para a boa realização. Foto: Secom/Prefeitura
Carnaval de Rua exige cada vez mais coordenação para a boa realização. Foto: Secom/Prefeitura

É certo que nenhuma ocupação de espaço público reúne tanta gente ou dura três semanas como o Carnaval. A cidade é dada a exageros e por isso é São Paulo, que deglute o conflito entre o occupy e o nimby das celebrações de rua.

Esse modelo mais expansionista do Carnaval tem dez anos. Pouco em uma história evolutiva que transpassa quase dois séculos.

A acelerada ocupação urbana, naturalmente exige empenho e dedicação dos órgãos públicos, assim como compreensão mútua dos que brincam na rua e de quem não aceita “perder sua cidade”.

A solução a ser buscada deve comtemplar o planejamento temporal e espacial para São Paulo ter uma festa efêmera e polifônica.

Artigo de autoria de Luiz Sales – Jornalista, especializado em negócios da Comunicação, Planejamento e Gestão de Cidades. Foi responsável pela área de projetos e diretor da SPTuris, tendo atuado para a consecução do empreendimento Fábrica de Samba.

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