Provavelmente sabendo da força do que tinha em mãos, a programação do 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro guardou para a última noite da mostra competitiva o que havia de melhor. Prática, aliás, comum em festivais. Assim, o longa mineiro “Arábia”, de João Dumont e Affonso Uchoa, o último a ser exibido, foi consagrado na noite deste domingo (24) o melhor filme do evento. E com méritos.
Ousando quebrar alguns paradigmas de roteiro, o filme começa mostrando o cotidiano de um rapaz simples que, com a ajuda da tia, cuida do irmão mais novo enquanto aguarda o retorno da mãe em viagem. Após 20 minutos de uma trama que encanta e envolve aos poucos, o rapaz em questão encontra o diário de Cristiano (Aristides de Souza), um operário da região, e mergulha na sua leitura. É apenas neste momento que surge o letreiro com o nome do filme, que sinalizará uma total reviravolta no que até então o roteiro supostamente propunha. Saem de cena os personagens inicialmente apresentados e parte-se agora para uma imersão na vida de Cristiano. Moldam-se aos poucos os contornos, matizes, texturas e nuances de um protagonista tão comum quanto real que percorrerá uma trajetória que poderia ser a de milhões de brasileiros. E que por isso mesmo tem sua força potencializada ao bater com tanta veracidade e poesia na tela do cinema. Cristiano é o retrato fiel do homem sem voz, circundado por uma dolorida solidão, e que carrega na própria incomunicabilidade o peso do seu cotidiano.
Belíssimo, poético e reflexivo, “Arábia” não foi concebido para ser um filme de grande público. Mas vamos combinar que, mesmo sem esta pretensão, o seu título também não ajudará nadinha sua futura carreira no cinema. Não que uma obra deva ceder às facilidades comerciais, mas também não precisa se autossabotar.
“Arábia” levou o troféu de Melhor Longa do festival, além das premiações de trilha sonora, montagem e ator para Aristides de Sousa.
Não costumo discutir muito as decisões de júris, não apenas pelo fato do cinema, como arte, estar sempre revestido por altas doses de subjetividade, como também por, a princípio, ser contrário a premiações comparativas nesta área. Mas chama a atenção o fato do delicioso “Café com Canela” ter levado o prêmio de roteiro (exatamente o que, na minha opinião, ele tem de mais fraco, em contraposição à sua ótima direção), ao mesmo tempo em que “Era uma Vez Brasília” ter vencido como Melhor Direção, exatamente o ponto em que seu diretor Adirley Queirós – que tanto já acertou em trabalhos anteriores – ter se equivocado fortemente neste seu longa mais recente.
Enfim, não serão elementos banais como estes que tirarão os méritos desta histórica edição de 50 anos do Festival de Brasília. Um evento que ficou marcado não só pelo cardápio variado e inquietante de filmes que apresentou, como também pelos calorosos debates que a eles se seguiram. Debates que, se por um lado chegaram a assustar destilando cruéis momentos de intolerância e preconceitos, por outro lado provam mais uma vez que esta fervilhante troca de ideias e ideais aliada às ignições e polimentos de arestas e conceitos formam as bases mais importantes do que deve ser um bom e importante festival de cinema.
Torcendo apenas para que esta modinha de chamar tudo de “lugar” (lugar de fala, lugar de pensamento, lugar de ação, lugar de afeto, etc etc etc) passe logo e volte ao seu lugar de esquecimento.
CONFIRA A LISTA COMPLETA DE PREMIAÇÕES
PRÊMIOS OFICIAIS
Troféu Candango – Longa-metragem:
Melhor Filme: Arábia, dirigido por Affonso Uchoa e João Dumans
Melhor Direção: Adirley Queirós por Era uma vez Brasília
Melhor Ator: Aristides de Sousa por Arábia
Melhor Atriz: Valdinéia Soriano por Café com canela
Melhor Ator Coadjuvante: Alexandre Sena por Nó do Diabo
Melhor Atriz Coadjuvante: Jai Baptista por Vazante
Melhor Roteiro: Ary Rosa por Café com canela
Melhor Fotografia: Joana Pimenta por Era uma vez Brasília
Melhor Direção de Arte: Valdy Lopes JN por Vazante.
Melhor Trilha Sonora: Francisco Cesar e Cristopher Mack por Arábia
Melhor Som: Guile Martins, Daniel Turini e Fernando Henna por Era uma vez Brasília
Melhor Montagem: Luiz Pretti e Rodrigo Lima por Arábia
Prêmio Especial do Júri: Melhor Ator Social para Emelyn Fischer, por Música para quando as Luzes se apagam
Júri Popular ( Prêmio Petrobras de Cinema) longa-metragem: Café com canela, dirigido por Ary Rosa e Glenda Nicácio
PRÊMIOS OFICIAIS – Troféu Candango – Curta-metragem:
Melhor Filme: Tentei, dirigido por Laís Melo
Melhor Direção: Irmãos Carvalho por Chico
Melhor Ator: Marcus Curvelo por Mamata
Melhor Atriz: Patricia Saravy por Tentei
Melhor Roteiro: Ananda Radhika por Peripatético
Melhor Fotografia: Renata Corrêa por Tentei
Melhor Direção de Arte: Pedro Franz e Rafael Coutinho por Torre
Melhor Trilha Sonora: Marlon Trindade por Nada
Melhor Som: Gustavo Andrade por Chico
Melhor Montagem: Amanda Devulsky e Marcus Curvelo por Mamata
Prêmio especial: Peripatético, dirigido por Jéssica Queiroz
Júri Popular – Curta-metragem: Carneiro de ouro, dirigido por Dácia Ibiapina
OUTROS PRÊMIOS
Prêmio Canal Brasil: Chico, dirigido por Irmãos Carvalho
Prêmio Abraccine
Melhor filme de longa-metragem: Arábia, dirigido por Affonso Uchoa e João Dumans
Melhor filme de curta-metragem: Mamata, dirigido por Marcus Curvelo
Prêmio Saruê: Afronte, direção de Marcus Azevedo e Bruno Victor
Prêmio Marco Antônio Guimarães: Construindo pontes, dirigido por Heloísa Passos
Prêmio CiaRio/Naymar
Para o melhor curta pelo Júri Popular: Carneiro de ouro, dirigido por Dácia Ibiapina
MOSTRA BRASÍLIA – 22º Troféu Câmara Legislativa do Distrito Federal
Prêmios do Júri Oficial:
Melhor longa-metragem (R$ 100 mil):
O fantástico Patinho Feio, dirigido por Denilson Félix
Melhor curta-metragem (R$ 30 mil):
UrSortudo, dirigido por Januário Jr.
Tekoha – Som da Terra, dirigido por Rodrigo Arajeju e Valdelice Veron
Melhor direção (R$ 12 mil): Dácia Ibiapina, por Carneiro de ouro
Melhor ator (R$ 6 mil): Elder de Paula, por UrSortudo
Melhor atriz (R$ 6 mil): Rafaela Machado, por Menina de barro
Melhor roteiro (R$ 6 mil): Januário Jr., por UrSortudo
Melhor fotografia (R$ 6 mil): Gustavo Serrate, por A margem do universo
Melhor montagem (R$ 6 mil): Lucas Araque, por Afronte
Melhor direção de arte (R$ 6 mil): Bianca Novais, Flora Egécia e Pato Sardá, por O Menino Leão e a Menina Coruja
Melhor edição de som (R$ 6 mil): Maurício Fonteles, por Tekoha – Som da Terra
Melhor trilha sonora (R$ 6 mil): Ramiro Galas, por O vídeo de 6 faces
Prêmios do Júri Popular
Melhor longa-metragem (R$ 40 mil): Menina de barro, dirigido por Vinícius Machado
Melhor curta-metragem (R$ 10 mil): O Menino Leão e a Menina Coruja, dirigido por Renan Montenegro
Prêmio Petrobras de Cinema – Para o melhor longa-metragem pelo Júri Popular da Mostra Brasília:
Menina de barro, dirigido por Vinícius Machado
Prêmio Plug.in
Para o melhor longa-metragem escolhido pelo Júri Popular da Mostra Brasília:
Menina de barro, dirigido por Vinícius Machado
Prêmio ABCV – Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo
Marco Curi, Manfredo Caldas e Gerlado Moraes
Prêmio CiaRIO
– Melhor longa-metragem escolhido pelo Júri Popular da Mostra Brasília:
Menina de barro, dirigido por Vinícius Machado
– Melhor curta-metragem escolhido pelo Júri Popular da Mostra Brasília:
O Menino Leão e a Menina Coruja, dirigido por Renan Montenegro
FESTUNIBRASÍLA – 1º FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE CINEMA DE BRASÍLIA
Melhor Filme: O arco do medo, dirigido por Juan Rodrigues (Universidade Federal do Recôncavo Baiano)
Melhor Direção: Fervendo, dirigido por Camila Gregório (Universidade Federal do Recôncavo Baiano)
Júri Popular: O Homem que não cabia em Brasília, dirigido por Gustavo Menezes (UnB)
Menção Honrosa – Método de construção criativa: Afronte, dirigido por Bruno Victor e Marcus Azevedo (UnB)
Menção honrosa – Fotografia: Gabriela Akashi, por Serenata (USP)
Menção Honrosa – Filme de animação: Mira, dirigido por Janaína da Veiga (Unespar)