Democracia e coletividade! Salve o compositor popular; um olhar sobre as disputas de samba

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Muita gente acha que preparar a festa é mais divertido do que participar dela. Vejo que sou dessas quando penso nas disputas de samba-enredo. A temporada de escolha dos hinos oficiais das escolas de samba começou no último fim de semana, dando na gente aquela maravilhosa sensação de que não falta tanto tempo assim para cair na […]

POR Inês Valença30/08/2022|4 min de leitura

Democracia e coletividade! Salve o compositor popular; um olhar sobre as disputas de samba

Disputas de samba de Tijuca, Portela e Grande Rio. Foto: Divulgação/Eliane Pinheiro/Divulgação

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Muita gente acha que preparar a festa é mais divertido do que participar dela. Vejo que sou dessas quando penso nas disputas de samba-enredo. A temporada de escolha dos hinos oficiais das escolas de samba começou no último fim de semana, dando na gente aquela maravilhosa sensação de que não falta tanto tempo assim para cair na folia.

Sempre adorei acompanhar as disputas. Por vezes, penso que gosto mais delas do que do desfile em si. Desde criança, me emocionava ver as parcerias de compositores apresentarem suas obras para quadras nem sempre cheias, às vezes em um sábado frio e chuvoso de agosto, para uma plateia diminuta de meia dúzia de gatos pingados e um cão vira-latas.

Muitos engrossam a audiência com suas torcidas organizadas. Estão ali os parentes mais próximos, amigos e vizinhos, brandindo bandeiras de papel crepom que às vezes são reaproveitadas de um ano para outro. O sonho de vencer a disputa pode levar esses artistas anônimos a investir o que não têm nas eliminatórias.

Alguns se apresentam sozinhos. São os raros sambas de um compositor só. Sem os recursos das grandes parcerias, muitas vezes “defendem” o próprio samba, já que a grana é curta para contratar um intérprete profissional. Penso em Davi e Golias quando vejo esses compositores anônimos concorrendo com as grandes parcerias, que hoje chamamos de escritórios do samba.

Mas a festa é democrática e tem lugar para todos. Também cabem nela compositores consagrados fora do gênero samba-enredo, que em um incrível exercício de humildade entram na disputa em pé de igualdade com a massa de poetas anônimos. Nas noites de cortes de samba, eles são todos iguais: tanto faz ser Martinho da Vila, Elzinho Soquete, Pretinho da Serrinha, Bira do Etanol, André Diniz ou Arlindo Cruz. A gente quer mesmo que vença o melhor.

Na nossa escola ou na coirmã, sambista que se preza torce para que a safra seja boa. E é por essas e outras que as disputas de samba-enredo nos falam muito sobre democracia e coletividade. Nem sempre o nosso samba favorito vence, mas, uma vez escolhido, ele deixa de ser um rival e passa a ser também o nosso samba, o samba de toda a escola, aquele que vamos cantar e defender com unhas e dentes no dia do desfile.

Que as eliminatórias de 2022 consagrem grandes sambas e nos tragam uma boa colheita para o próximo Carnaval. O samba ainda é a alma dos desfiles e das suas agremiações. São pontos importantes que as escolas conquistam sem a necessidade de grandes investimentos financeiros. Um samba-enredo começa a ser grande quando é escolhido pelo chão de sua escola, mas ele não acaba na Quarta-Feira de Cinzas. É a partir dela que se torna eterno.

Inês Valença é jornalista formada pela UFRJ, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em Comunicação e Cultura pela mesma instituição.

Sua dissertação de mestrado, O espetáculo da tradição: Um estudo sobre as escolas de samba e a indústria cultural, investiga as mudanças que a transmissão televisiva trouxe à estrutura dos desfiles. Ela estreia em 2022 como colunista do portal SRzd.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

Muita gente acha que preparar a festa é mais divertido do que participar dela. Vejo que sou dessas quando penso nas disputas de samba-enredo. A temporada de escolha dos hinos oficiais das escolas de samba começou no último fim de semana, dando na gente aquela maravilhosa sensação de que não falta tanto tempo assim para cair na folia.

Sempre adorei acompanhar as disputas. Por vezes, penso que gosto mais delas do que do desfile em si. Desde criança, me emocionava ver as parcerias de compositores apresentarem suas obras para quadras nem sempre cheias, às vezes em um sábado frio e chuvoso de agosto, para uma plateia diminuta de meia dúzia de gatos pingados e um cão vira-latas.

Muitos engrossam a audiência com suas torcidas organizadas. Estão ali os parentes mais próximos, amigos e vizinhos, brandindo bandeiras de papel crepom que às vezes são reaproveitadas de um ano para outro. O sonho de vencer a disputa pode levar esses artistas anônimos a investir o que não têm nas eliminatórias.

Alguns se apresentam sozinhos. São os raros sambas de um compositor só. Sem os recursos das grandes parcerias, muitas vezes “defendem” o próprio samba, já que a grana é curta para contratar um intérprete profissional. Penso em Davi e Golias quando vejo esses compositores anônimos concorrendo com as grandes parcerias, que hoje chamamos de escritórios do samba.

Mas a festa é democrática e tem lugar para todos. Também cabem nela compositores consagrados fora do gênero samba-enredo, que em um incrível exercício de humildade entram na disputa em pé de igualdade com a massa de poetas anônimos. Nas noites de cortes de samba, eles são todos iguais: tanto faz ser Martinho da Vila, Elzinho Soquete, Pretinho da Serrinha, Bira do Etanol, André Diniz ou Arlindo Cruz. A gente quer mesmo que vença o melhor.

Na nossa escola ou na coirmã, sambista que se preza torce para que a safra seja boa. E é por essas e outras que as disputas de samba-enredo nos falam muito sobre democracia e coletividade. Nem sempre o nosso samba favorito vence, mas, uma vez escolhido, ele deixa de ser um rival e passa a ser também o nosso samba, o samba de toda a escola, aquele que vamos cantar e defender com unhas e dentes no dia do desfile.

Que as eliminatórias de 2022 consagrem grandes sambas e nos tragam uma boa colheita para o próximo Carnaval. O samba ainda é a alma dos desfiles e das suas agremiações. São pontos importantes que as escolas conquistam sem a necessidade de grandes investimentos financeiros. Um samba-enredo começa a ser grande quando é escolhido pelo chão de sua escola, mas ele não acaba na Quarta-Feira de Cinzas. É a partir dela que se torna eterno.

Inês Valença é jornalista formada pela UFRJ, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em Comunicação e Cultura pela mesma instituição.

Sua dissertação de mestrado, O espetáculo da tradição: Um estudo sobre as escolas de samba e a indústria cultural, investiga as mudanças que a transmissão televisiva trouxe à estrutura dos desfiles. Ela estreia em 2022 como colunista do portal SRzd.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

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