Estão sendo anunciadas pela Prefeitura do Rio mudanças na infraestrutura do carnaval da Intendente Magalhães. Epa! A própria frase que acabei de enunciar já precisa ser alterada: o desfile das escolas de samba nem será mais na Avenida Intendente Magalhães. Mudou de endereço e parece que pra melhor.
Todas as alterações propostas serão muito bem-vindas, porque as escolas de samba que lá se apresentam estão há muito tempo clamando por melhores condições de desfile. Clamando por respeito.
Escolas de samba continuam sendo, um século depois de seu surgimento, núcleos de convivência e de resistência cultural. E as que desfilam fora da Sapucaí são exemplos vivos e belos dessa resistência. Mais frágeis financeiramente, porque não têm mecanismos de sobrevivência semelhantes às do Grupo Especial, deviam merecer ainda mais atenção do poder público, em especial dos responsáveis pela nossa cultura.
Dito isso, a intervenção nas condições de desfile desses grupos é motivo de comemoração. Mas é preciso muito cuidado para não errar a mão e trazer para o novo espaço falhas e problemas que, no Sambódromo da Sapucaí, terminaram por afastar o público. E a conexão com o povão é o ingrediente indispensável para o sucesso dessa manifestação cultural que alguns chamam de espetáculo.
Na Intendente, apesar da precariedade das condições enfrentadas pelas escolas, havia algo fundamental: liberdade. O público entra e sai quando quer, há arquibancadas gratuitas para todos, há crianças brincando, há vida e vibração. Camarote e praça de alimentação são palavras que me provocam calafrios. Na antiga Intendente, a oferta de alimentação estava em toda parte, acessível em todos os sentidos. Esse “tudo junto misturado” não pode se perder a pretexto de melhorar.
Aperfeiçoar o som, a organização do desfile, as condições de trabalho dos profissionais de comunicação e sobretudo a lisura e a seriedade do julgamento é, de fato, fundamental. O restante – a alegria, a espontaneidade, o “fervo” da rua – deixem com a gente.
Rachel Valença tem formação em Letras, com graduação na Universidade de Brasília e mestrado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense, com dissertação intitulada Palavras de Purpurina, sobre a retórica do samba-enredo. Formou-se também em Jornalismo pela Faculdade Hélio Alonso.
Publicou vários livros sobre Carnaval e participa ativamente do Carnaval carioca, tendo sido por oito anos membro do Conselho do Carnaval da Cidade do Rio de Janeiro. Integrou a equipe de elaboração do dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: partido-alto, samba de terreiro, samba de enredo, para registro, junto ao IPHAN, do samba do Rio de Janeiro como patrimônio cultural imaterial, em 2007. É colunista do SRzd desde 2011. A partir de 2014 passou a fazer parte do júri do prêmio Estandarte de Ouro, do jornal O Globo.
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