Corte para uma breve viagem no tempo. Dia 1 de março, sexta-feira de carnaval deste ano. Chego ao Sambódromo para começar minha maratona de trabalho nos quatro dias de cobertura dos desfiles oficiais das escolas de samba do Rio. Falta-me a credencial de acesso. Envio uma mensagem à redação do SRzd, avisando que cheguei e […]
POR Hélio Rainho04/04/2019|5 min de leitura
Hélio Rainho com Vera Rezende – Foto: Jeanine Gall
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Corte para uma breve viagem no tempo.
Dia 1 de março, sexta-feira de carnaval deste ano.
Chego ao Sambódromo para começar minha maratona de trabalho nos quatro dias de cobertura dos desfiles oficiais das escolas de samba do Rio.
Falta-me a credencial de acesso.
Envio uma mensagem à redação do SRzd, avisando que cheguei e que estou do lado de fora, aguardando que alguém me leve o documento.
Fico aguardando. Converso com amigos sambistas na fila de entrada para a plateia. De repente, matizado no fundo azul da camisa nas cores da empresa e em uma calça de fundo branco multicolorida em estampa de confetes, entra em cena um sorriso largo, amável, afável, carinhoso, terno, inconfundível.
É ela: VeraRezende, trazendo minha credencial com a alegria incontida de uma mãe que traz um convite para um filho menino entrar em um circo.
– Querido! Agoravocêpodeir aonde você quiser!
Esta cena se repetiu por oito anos.
Mas, agora, não se repetirá mais.
Na noite de anteontem, essa servidora do amor, da generosidade, do afago e do carinho nos deixou e caminhou para desfilar em outra avenida.
Na noite de anteontem, perdemos alma e coração, presença e cuidado, o berço que nos embalava naquelas noites de trabalho intensivo e conversas intermináveis.
O anjo feliz que sorria para nos contagiar com tamanha alegria e paz. Éramos nós – cada um a seu modo – todos inflamados e inspirados pelo amor que ela nos dedicava.
Talvez estas palavras possam soar como a velha recorrência dos elogios póstumos que tradicionalmente se dispensam aos que partem.
Não são! Acreditem!
Faça-se justiça: Verinha foi um anjo de luz entre nós!
O que mais você puder ler e ouvir por aí sobre generosidade, proteção, zelo, estima será sinonímia e insígnia de uma das pessoas mais doces que já conheci nesta vida.
Tinha por mim uma afeição deveras especial. Ela conhecia meus caprichos, minhas exigências, meu lado “chato”. Sim, porque a convivência em tantos anos deixa a gente tão à vontade que a gente se solta, se mostra. E ela era uma cuidadora em tudo. Verinha reservava meu lanche nas madrugadas, providenciava o melhor “cantinho” pra eu escrever minhas resenhas dos desfiles, ajeitava meu lenço e minha gravata nas gravações das análises de enredo, trocava minhas camisas de trabalho quando achava que estavam molhadas de chuva, preparava o cantinho na redação pra eu colocar minha fantasia nos dias em que eu desfilava.
– Hélio, eujáprepareitudodireitinhoporqueeuseiquevocêreclama – dizia, como uma mãe. Depois me enchia de elogios, abraçava, beijava.
Deus…
Agora não tenho mais isso!
Deus…
Agora não terei mais esse cuidado, esse sorriso, esse olhar, essas palavras.
No carnaval de 2016, Vera fez algo que me marcou profundamente. Ela havia prometido que “desfilaria” comigo, me acompanhando como padrinho dos passistas do Império, à beira da avenida. Carregou água, uma bebida isotônica. Ela percorreu toda a avenida à margem do desfile, paralela à minha passagem. Eu olhava para o lado e ela estava ali, me aplaudindo. Findo o desfile, ela me fez uma confissão:
– Helinho, foi emocionante! Eu me devia algo assim! Mas quero te confessar: ano que vem eu não vou fazer de novo, porque é muito cansativo e eu não aguento! Foi primeira e única vez. Mas eu me devia isso! E tinha que ser com você!
Hélio Rainho com Vera Rezende – Acervo
De quem seria a indelicadeza de recolher aqueles a quem tanto amamos?
Da morte?
Da vida?
Por que ainda não aceitamos uma dor que tantas vezes se repete, e que todos nós sabemos que não é nunca a última, porque já dizia o velho Rosa que “viver é um descuido prosseguido”?
Vera, Verinha querida…
Eu não tenho mais palavras!
Sabe, Verinha… tá doendo tanto, ainda – e foi tão rápido, tão repentino! – que me fogem as palavras, assim.
Lembrando das várias vezes em que eu esqueci alguma coisa na redação e era sempre você quem achava. Óculos, chave, parte da fantasia.
– Helinho, vocêesqueceuaqui…maseuguardeipravocê!
Não é do meu feitio esquecer coisas. Só acontecia lá. E eu entendo que tudo aquilo foi pra eu perceber que tinha uma guardiã de verdade. Este ano você guardou um anel que esqueci na avenida.
Pois é. Hoje, eu sinto a dor e a tristeza de ter perdido você.
Mas, pra dizer a verdade…quem te conheceu nunca te perde.
Somente te acha!
Assim como você achava e guardava as coisas que eu esquecia, eu vou guardar dentro de mim – no peito, na alma – a lembrança de cada gesto de carinho, amizade, cuidado seu comigo.
Sabe aquela linda amizade, aquela cumplicidade, aquele eterno carinho?
Sabe aquele precioso sorriso, aquele zelo, aquele cuidado de mãe?
Sabe aquela palavra de incentivo, aquela compaixão e aquela presença amorosa que só você tinha?
É minha vez de dizer:
– Verinha, você esqueceu aqui…mas eu guardei de você!
Corte para uma breve viagem no tempo.
Dia 1 de março, sexta-feira de carnaval deste ano.
Chego ao Sambódromo para começar minha maratona de trabalho nos quatro dias de cobertura dos desfiles oficiais das escolas de samba do Rio.
Falta-me a credencial de acesso.
Envio uma mensagem à redação do SRzd, avisando que cheguei e que estou do lado de fora, aguardando que alguém me leve o documento.
Fico aguardando. Converso com amigos sambistas na fila de entrada para a plateia. De repente, matizado no fundo azul da camisa nas cores da empresa e em uma calça de fundo branco multicolorida em estampa de confetes, entra em cena um sorriso largo, amável, afável, carinhoso, terno, inconfundível.
É ela: VeraRezende, trazendo minha credencial com a alegria incontida de uma mãe que traz um convite para um filho menino entrar em um circo.
– Querido! Agoravocêpodeir aonde você quiser!
Esta cena se repetiu por oito anos.
Mas, agora, não se repetirá mais.
Na noite de anteontem, essa servidora do amor, da generosidade, do afago e do carinho nos deixou e caminhou para desfilar em outra avenida.
Na noite de anteontem, perdemos alma e coração, presença e cuidado, o berço que nos embalava naquelas noites de trabalho intensivo e conversas intermináveis.
O anjo feliz que sorria para nos contagiar com tamanha alegria e paz. Éramos nós – cada um a seu modo – todos inflamados e inspirados pelo amor que ela nos dedicava.
Talvez estas palavras possam soar como a velha recorrência dos elogios póstumos que tradicionalmente se dispensam aos que partem.
Não são! Acreditem!
Faça-se justiça: Verinha foi um anjo de luz entre nós!
O que mais você puder ler e ouvir por aí sobre generosidade, proteção, zelo, estima será sinonímia e insígnia de uma das pessoas mais doces que já conheci nesta vida.
Tinha por mim uma afeição deveras especial. Ela conhecia meus caprichos, minhas exigências, meu lado “chato”. Sim, porque a convivência em tantos anos deixa a gente tão à vontade que a gente se solta, se mostra. E ela era uma cuidadora em tudo. Verinha reservava meu lanche nas madrugadas, providenciava o melhor “cantinho” pra eu escrever minhas resenhas dos desfiles, ajeitava meu lenço e minha gravata nas gravações das análises de enredo, trocava minhas camisas de trabalho quando achava que estavam molhadas de chuva, preparava o cantinho na redação pra eu colocar minha fantasia nos dias em que eu desfilava.
– Hélio, eujáprepareitudodireitinhoporqueeuseiquevocêreclama – dizia, como uma mãe. Depois me enchia de elogios, abraçava, beijava.
Deus…
Agora não tenho mais isso!
Deus…
Agora não terei mais esse cuidado, esse sorriso, esse olhar, essas palavras.
No carnaval de 2016, Vera fez algo que me marcou profundamente. Ela havia prometido que “desfilaria” comigo, me acompanhando como padrinho dos passistas do Império, à beira da avenida. Carregou água, uma bebida isotônica. Ela percorreu toda a avenida à margem do desfile, paralela à minha passagem. Eu olhava para o lado e ela estava ali, me aplaudindo. Findo o desfile, ela me fez uma confissão:
– Helinho, foi emocionante! Eu me devia algo assim! Mas quero te confessar: ano que vem eu não vou fazer de novo, porque é muito cansativo e eu não aguento! Foi primeira e única vez. Mas eu me devia isso! E tinha que ser com você!
Hélio Rainho com Vera Rezende – Acervo
De quem seria a indelicadeza de recolher aqueles a quem tanto amamos?
Da morte?
Da vida?
Por que ainda não aceitamos uma dor que tantas vezes se repete, e que todos nós sabemos que não é nunca a última, porque já dizia o velho Rosa que “viver é um descuido prosseguido”?
Vera, Verinha querida…
Eu não tenho mais palavras!
Sabe, Verinha… tá doendo tanto, ainda – e foi tão rápido, tão repentino! – que me fogem as palavras, assim.
Lembrando das várias vezes em que eu esqueci alguma coisa na redação e era sempre você quem achava. Óculos, chave, parte da fantasia.
– Helinho, vocêesqueceuaqui…maseuguardeipravocê!
Não é do meu feitio esquecer coisas. Só acontecia lá. E eu entendo que tudo aquilo foi pra eu perceber que tinha uma guardiã de verdade. Este ano você guardou um anel que esqueci na avenida.
Pois é. Hoje, eu sinto a dor e a tristeza de ter perdido você.
Mas, pra dizer a verdade…quem te conheceu nunca te perde.
Somente te acha!
Assim como você achava e guardava as coisas que eu esquecia, eu vou guardar dentro de mim – no peito, na alma – a lembrança de cada gesto de carinho, amizade, cuidado seu comigo.
Sabe aquela linda amizade, aquela cumplicidade, aquele eterno carinho?
Sabe aquele precioso sorriso, aquele zelo, aquele cuidado de mãe?
Sabe aquela palavra de incentivo, aquela compaixão e aquela presença amorosa que só você tinha?
É minha vez de dizer:
– Verinha, você esqueceu aqui…mas eu guardei de você!