Por Ana Carolina Garcia, crítica de cinema do SRzd Populares entre os leitores de quadrinhos, os personagens Marvel têm trajetórias distintas na tela grande, conquistando tanto a simpatia quanto a antipatia do público e/ou da crítica especializada – no caso da antipatia, fiascos de bilheteria obrigaram os detentores dos direitos de adaptação a colocá-los no […]
POR Ana Carolina Garcia24/07/2024|6 min de leitura
Por Ana Carolina Garcia, crítica de cinema do SRzd
Populares entre os leitores de quadrinhos, os personagens Marvel têm trajetórias distintas na tela grande, conquistando tanto a simpatia quanto a antipatia do público e/ou da crítica especializada – no caso da antipatia, fiascos de bilheteria obrigaram os detentores dos direitos de adaptação a colocá-los no limbo da indústria cinematográfica, independentemente do estúdio por trás do longa-metragem. Há 15 anos, a The Walt Disney Company, sob a liderança de Bob Iger, deu um passo ousado e adquiriu a Marvel por cerca de US$ 4 bilhões, levando para o Mundo Mágico, criado pelos irmãos Walt e Roy Disney em 1923, super-heróis que passeavam com naturalidade entre o politicamente correto e o incorreto em inúmeras aventuras que, com o tempo, se tornaram interligadas, instituindo o Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), uma das mais importantes fontes de renda do cinema contemporâneo. Mas a aquisição não colocou sob a proteção do Mickey os X-Men nem o tagarela Deadpool, o que só aconteceu em 2019, quando Iger anunciou a compra da 20th Century Fox.
Para os fãs habituados com os longas protagonizados pelos mutantes liderados pelo Professor Xavier (Patrick Stewart), imaginar tais personagens ao lado do Mickey era difícil. Afinal, os filmes da franquia “X-Men” (X-Men – iniciada em 2000, EUA) apresentam violência gráfica que não condiz com o ideal de perfeição defendido pelo Mundo Mágico. E imaginar Deadpool caminhando pelos parques da Disney, então… Com o foco no multiverso, a Marvel foi com muita sede ao pote e, nos últimos anos, não ofereceu ao espectador experiências cinematográficas realmente interessantes nem completas, como o sucesso absoluto “Vingadores: Ultimato” (Avengers: Endgame – 2019, EUA), dos irmãos Anthony e Joe Russo – fenômeno que todos os executivos do estúdio sabem ser dificílimo de superar. Obviamente, a Disney / Marvel, assim como toda a indústria hollywoodiana, enfrentou momentos conturbados, sobretudo no ápice da pandemia de Covid-19, quando todas as atividades foram paralisadas. E quando a pandemia foi decretada, a Disney ainda se familiarizava com o catálogo da Fox sem saber como inserir os personagens da Marvel que migraram para o seu quintal. Um deles, justamente o polêmico Wade Wilson / Deadpool (Ryan Reynolds), bastante popular, também, nas salas de cinema.
O futuro de Deadpool na Casa do Mickey era incerto, enquanto o de Logan / Wolverine (Hugh Jackman) não existia. Afinal, o mutante havia feito a passagem para outro plano no aclamado “Logan” (Logan – 2017, EUA), dirigido por James Mangold e ovacionado no Festival de Berlim. Contudo, o cinema possui meios de ressuscitar personagens queridos pelo público, bem como estabelecer laços de amizade e respeito improváveis num primeiro momento. E é exatamente isso que mostra “Deadpool & Wolverine” (Deadpool & Wolverine – 2024, EUA), a principal estreia do circuito exibido na próxima quinta-feira (25).
Dirigido por Shawn Levy, “Deadpool & Wolverine” começa mostrando Deadpool ansioso por encontrar Wolverine com vida, enfrentando um grupo que tem como missão levá-lo para o quartel da Autoridade de Variação Temporal (TVA), onde recebe a proposta de mudar seu próprio universo. Para tanto, precisa de Wolverine. Juntos, “desembarcam” no Vazio, local que guarda perigos e surpresas, dominado por Cassandra Nova (Emma Corrin).
Referenciando diversas produções e personagens, inclusive da concorrência, entre elas, a franquia “Mad Max” (Mad Max – iniciada em 1979, Austrália), da Warner Bros., “Deadpool & Wolverine” chama a atenção pela maneira com a qual costura tais referências em sua trama, que tem como guias redenção e superação por meio do acerto de contas com os traumas do passado dos protagonistas. Essa “costura” é feita com maestria, equilibrando a densidade de Logan com o humor, muitas vezes vulgar, de Wade, que se apresenta como o “Jesus da Marvel”.
Com todas as piadas e referências funcionando em sua plenitude, “Deadpool & Wolverine” mantém o ritmo narrativo da primeira à última cena, respeitando a essência de cada um dos protagonistas, estabelecendo-os na Casa do Mickey e, também, abrindo novas portas para outros personagens que, há tempos, habitam o limbo da Marvel. Isso é apresentado ao espectador por meio do jogo cênico impecável instituído por todo o elenco, não apenas por Reynolds e Jackman, que, não há como negar, se completam na tela. A dinâmica dos dois atores é o maior alicerce deste longa-metragem, que conta, ainda, com uma trilha sonora inserida com esmero pela montagem de Shane Reid e Dean Zimmerman, dando grande destaque ao hit de Madonna, “Like a Prayer”.
Tecnicamente impecável, “Deadpool & Wolverine” brinca a todo momento com a questão da compra da Fox pela Disney, que amargou fracassos no multiverso do UCM, algo citado no decorrer do longa que surge como salvador em potencial do filão Marvel, tornando-se o alívio dos executivos da Casa do Mickey, que, aparentemente, tiveram suas preces atendidas num momento delicado de reestruturação e recuperação, inclusive financeira, que chegou a ofuscar a comemoração do centenário no ano passado. Citando rapidamente a Rainha Madonna, “A vida é um mistério / Todos devem encará-la sozinhos / Ouço você chamar o meu nome / E parece que estou em casa”. E Mickey chamou Deadpool e Wolverine, colocando-os sob a sua proteção e mostrando que não mais precisam encarar as adversidades sozinhos, pois, juntos, superaram o passado e encontraram um novo significado para suas vidas, bastante à vontade na nova casa, a The Walt Disney Company.
+ assista ao trailer oficial legendado:
Sobre Ana Carolina Garcia: Formada em Comunicação Social e pós-graduada em Jornalismo Cultural, Ana Carolina Garcia é autora dos livros “A Fantástica Fábrica de Filmes – Como Hollywood se tornou a capital mundial do cinema” (2011), “Cinema no século XXI – Modelo tradicional na Era do Streaming” (2021) e “100 anos do Império Disney: Da Avenida Kingswell à conquista do universo” (2023). É vice-presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) desde 2021.
Por Ana Carolina Garcia, crítica de cinema do SRzd
Populares entre os leitores de quadrinhos, os personagens Marvel têm trajetórias distintas na tela grande, conquistando tanto a simpatia quanto a antipatia do público e/ou da crítica especializada – no caso da antipatia, fiascos de bilheteria obrigaram os detentores dos direitos de adaptação a colocá-los no limbo da indústria cinematográfica, independentemente do estúdio por trás do longa-metragem. Há 15 anos, a The Walt Disney Company, sob a liderança de Bob Iger, deu um passo ousado e adquiriu a Marvel por cerca de US$ 4 bilhões, levando para o Mundo Mágico, criado pelos irmãos Walt e Roy Disney em 1923, super-heróis que passeavam com naturalidade entre o politicamente correto e o incorreto em inúmeras aventuras que, com o tempo, se tornaram interligadas, instituindo o Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), uma das mais importantes fontes de renda do cinema contemporâneo. Mas a aquisição não colocou sob a proteção do Mickey os X-Men nem o tagarela Deadpool, o que só aconteceu em 2019, quando Iger anunciou a compra da 20th Century Fox.
Para os fãs habituados com os longas protagonizados pelos mutantes liderados pelo Professor Xavier (Patrick Stewart), imaginar tais personagens ao lado do Mickey era difícil. Afinal, os filmes da franquia “X-Men” (X-Men – iniciada em 2000, EUA) apresentam violência gráfica que não condiz com o ideal de perfeição defendido pelo Mundo Mágico. E imaginar Deadpool caminhando pelos parques da Disney, então… Com o foco no multiverso, a Marvel foi com muita sede ao pote e, nos últimos anos, não ofereceu ao espectador experiências cinematográficas realmente interessantes nem completas, como o sucesso absoluto “Vingadores: Ultimato” (Avengers: Endgame – 2019, EUA), dos irmãos Anthony e Joe Russo – fenômeno que todos os executivos do estúdio sabem ser dificílimo de superar. Obviamente, a Disney / Marvel, assim como toda a indústria hollywoodiana, enfrentou momentos conturbados, sobretudo no ápice da pandemia de Covid-19, quando todas as atividades foram paralisadas. E quando a pandemia foi decretada, a Disney ainda se familiarizava com o catálogo da Fox sem saber como inserir os personagens da Marvel que migraram para o seu quintal. Um deles, justamente o polêmico Wade Wilson / Deadpool (Ryan Reynolds), bastante popular, também, nas salas de cinema.
O futuro de Deadpool na Casa do Mickey era incerto, enquanto o de Logan / Wolverine (Hugh Jackman) não existia. Afinal, o mutante havia feito a passagem para outro plano no aclamado “Logan” (Logan – 2017, EUA), dirigido por James Mangold e ovacionado no Festival de Berlim. Contudo, o cinema possui meios de ressuscitar personagens queridos pelo público, bem como estabelecer laços de amizade e respeito improváveis num primeiro momento. E é exatamente isso que mostra “Deadpool & Wolverine” (Deadpool & Wolverine – 2024, EUA), a principal estreia do circuito exibido na próxima quinta-feira (25).
Dirigido por Shawn Levy, “Deadpool & Wolverine” começa mostrando Deadpool ansioso por encontrar Wolverine com vida, enfrentando um grupo que tem como missão levá-lo para o quartel da Autoridade de Variação Temporal (TVA), onde recebe a proposta de mudar seu próprio universo. Para tanto, precisa de Wolverine. Juntos, “desembarcam” no Vazio, local que guarda perigos e surpresas, dominado por Cassandra Nova (Emma Corrin).
Referenciando diversas produções e personagens, inclusive da concorrência, entre elas, a franquia “Mad Max” (Mad Max – iniciada em 1979, Austrália), da Warner Bros., “Deadpool & Wolverine” chama a atenção pela maneira com a qual costura tais referências em sua trama, que tem como guias redenção e superação por meio do acerto de contas com os traumas do passado dos protagonistas. Essa “costura” é feita com maestria, equilibrando a densidade de Logan com o humor, muitas vezes vulgar, de Wade, que se apresenta como o “Jesus da Marvel”.
Com todas as piadas e referências funcionando em sua plenitude, “Deadpool & Wolverine” mantém o ritmo narrativo da primeira à última cena, respeitando a essência de cada um dos protagonistas, estabelecendo-os na Casa do Mickey e, também, abrindo novas portas para outros personagens que, há tempos, habitam o limbo da Marvel. Isso é apresentado ao espectador por meio do jogo cênico impecável instituído por todo o elenco, não apenas por Reynolds e Jackman, que, não há como negar, se completam na tela. A dinâmica dos dois atores é o maior alicerce deste longa-metragem, que conta, ainda, com uma trilha sonora inserida com esmero pela montagem de Shane Reid e Dean Zimmerman, dando grande destaque ao hit de Madonna, “Like a Prayer”.
Tecnicamente impecável, “Deadpool & Wolverine” brinca a todo momento com a questão da compra da Fox pela Disney, que amargou fracassos no multiverso do UCM, algo citado no decorrer do longa que surge como salvador em potencial do filão Marvel, tornando-se o alívio dos executivos da Casa do Mickey, que, aparentemente, tiveram suas preces atendidas num momento delicado de reestruturação e recuperação, inclusive financeira, que chegou a ofuscar a comemoração do centenário no ano passado. Citando rapidamente a Rainha Madonna, “A vida é um mistério / Todos devem encará-la sozinhos / Ouço você chamar o meu nome / E parece que estou em casa”. E Mickey chamou Deadpool e Wolverine, colocando-os sob a sua proteção e mostrando que não mais precisam encarar as adversidades sozinhos, pois, juntos, superaram o passado e encontraram um novo significado para suas vidas, bastante à vontade na nova casa, a The Walt Disney Company.
+ assista ao trailer oficial legendado:
Sobre Ana Carolina Garcia: Formada em Comunicação Social e pós-graduada em Jornalismo Cultural, Ana Carolina Garcia é autora dos livros “A Fantástica Fábrica de Filmes – Como Hollywood se tornou a capital mundial do cinema” (2011), “Cinema no século XXI – Modelo tradicional na Era do Streaming” (2021) e “100 anos do Império Disney: Da Avenida Kingswell à conquista do universo” (2023). É vice-presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) desde 2021.