Bastidores. Logo após a atriz Fernanda Torres vencer o Globo de Ouro na categoria de melhor atriz em filme de drama por “Ainda Estou Aqui”, além da vibração dos brasileiros pela conquista, a polarização política que domina o debate sobre qualquer tema no país tratou de aparecer novamente.
Sendo a produção baseada na história de um homem perseguido, torturado e morto pela Ditadura Militar (1964-1985) e tendo como protagonista alguém assumidamente progressista e eleitora do atual presidente da República, o já conhecido ringue das redes sociais ganhou novo round.
Além dos usuários, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usou seu perfil para criticar a Lei Rouanet — legislação que estimula e fomenta a produção cultural nacional através de financiamento público. Mesmo sem citar o longa de Walter Salles ou a filha de Fernanda Montenegro, seguidores de Bolsonaro relacionaram o comentário à obra.
O simples fato de críticas e ataques de perfis bolsonaristas ou de extrema-direita ao momento de celebração do cinema brasileiro, por si só, não bastou para virar motivo de deboche de progressistas e eleitores de Lula ou de legendas de esquerda.
“Ainda Estou Aqui” não tem recursos da Lei Rouanet. Por um motivo técnico. A obra não se encaixa nos critérios da legislação. O artigo 3, inciso 2, da Lei 8.313/1991, determina que os recursos dessa legislação devem ser destinados a “obras cinematográficas de curta e média metragem e filmes documentais”.
Desde 2007, a lei não autoriza o financiamento de longas. A produção de Walter Salles tem duração de 2h19m, é um longa-metragem e, portanto, não pôde receber incentivos financeiros via legislação.
“Ainda Estou Aqui” retrata os terrores da Ditadura Militar. O filme narra os momentos de dor e de tensão vividos pela família de Eunice Paiva (Fernanda Torres) durante o regime, após o marido, o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello), ser levado pelos órgãos de repressão. A obra é baseada no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens.
Quem foi Eunice Paiva?
Fernanda Torres venceu o Globo de Ouro na categoria de melhor atriz em filme de drama pela atuação em ‘Ainda estou aqui’, na madrugada de segunda-feira (6).
No longa, Torres interpreta a paulistana, descendente de italianos, Eunice Paiva, um dos símbolos da luta contra a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985).
Eunice esteve sempre ativa numa longa jornada pela busca de desaparecidos políticos perseguidos pelo estado brasileiro.
Ela era casada com o deputado Rubens Paiva, com quem teve cinco filhos, entre eles, o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro ‘Ainda estou aqui’, que embasou o filme.
Na obra, o escritor conta a história da mãe e as dificuldades que ela enfrentou para manter a família após o desaparecimento do marido.
Rubens Paiva foi assassinado em 1971 pela Ditadura Militar.
A morte do deputado, porém, só foi oficializada em 1996, ano em que a família obteve, finalmente, um atestado de óbito, dado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. À época do desaparecimento de Rubens Paiva, Eunice e a filha Eliana, que tinha 15 anos, também foram presas.
Conforme a biografia de Eunice, hospedada no site Memorias da Ditadura, Eunice permaneceu presa por 12 dias e a filha solta 24 horas depois. Ainda de acordo com a biografia, “após ser solta, dedicou-se em encontrar a resposta sobre o paradeiro de Rubens”.
Em janeiro de 1971, Rubens Paiva foi sequestrado, torturado e assassinado nos porões do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) do Rio de Janeiro.
A família morava no Rio quando os militares foram até sua casa e levaram ela, o marido e a filha Eliana ao DOI-CODI, na Rua Barão de Mesquita, nº 425, no bairro da Tijuca. Eunice ingressou na faculdade de direito em 1973 e tornou-se uma advogada renomada.
Eunice Paiva liderou campanhas pela abertura de arquivos sobre vítimas do regime. Com sua militância e crítica ao regime ditatorial, arriscou a própria vida, como mostraram documentos do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) que vieram a público em 2013.
Tanto ela quanto seus filhos foram vigiados por agentes militares de 1971 até 1984. Eunice foi uma das principais forças de pressão que culminou com a promulgação da Lei 9.140/95, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas sem paradeiro conhecido ou corpo encontrado em razão de participação em atividades políticas durante aquele período de trevas.
“Eunice combateu a política indigenista do regime até o fim da ditadura, e tornou-se uma das poucas especialistas em direito indígena do país”, afirma a biografia.
Eunice morreu no dia 13 de dezembro de 2018, aos 89 anos, em São Paulo, depois de 15 anos vivendo com o Alzheimer.