Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, colaborador do SRzd
Em 26 de Julho de 2024, a capital da França se torna a capital mundial do esporte. Paris receberá a 33ª edição dos Jogos Olímpicos de verão em sua versão contemporânea.
Após a Guerra Fria, as Olimpíadas tiveram um salto de popularidade global, através da comunicação via satélite. As disputas esportivas serão assistidas nas telas por bilhões de telespectadores. No Brasil, a Rede Globo e o SPORTV prometem transmitir a maioria das disputas (na TV a cabo, os assinantes terão 48 canais exclusivos à disposição).
A França receberá milhões de turistas para ver as disputas in loco. Em 2024, porém, a disputa olímpica ocorre num contexto diferente. A capital francesa já recebe milhões de turistas anualmente – é a cidade turística mais visitada do mundo. A chegada da Olimpíada não se resumirá, portanto, a mais uma chance de promover a “Cidade Luz”.
Por outro lado, os organizadores definiram os jogos de Paris como “compactos”. A olimpíada buscará uma integração sem precedentes com o espaço urbano. Ao invés da construção de instalações esportivas especificamente destinadas para o evento, Paris distribuiu as atividades esportivas em todas as partes da região metropolitana e buscará realizar o evento nos marcos de sua malha urbana – incluindo o famoso rio Sena.
O legado dos jogos olímpicos parisienses se traduz menos em termos de instalações, investimentos e conquistas esportivas. Se vê mais associado a uma carga simbólica, atualizando a importância da França dos séculos anteriores para um mundo globalizado. As Olimpíadas do século 21 ocorreram em antigas capitais imperiais (Atenas, Londres, Beijing, Rio de Janeiro, Tóquio). Em tempos de paz relativa e globalização, a festa máxima do esporte se fundiu com o imaginário das nações, substituindo armas por medalhas.
Por outro lado, a ocupação olímpica de Paris trouxe transtorno extra para os turistas, já que diversas atrações e monumentos estão fechados ao público, transformados em instalações esportivas ou arquibancadas – como o Jardin des Tuilleries e da Place de la Concorde. A malha de transportes também foi afetada, com o fechamento de estações de metrô e a abertura de novas ligações entre o Aeroporto de Orly e o centro de Paris. A realização dos jogos no espaço urbano trouxe à tona movimentos de resistência local à chegada de turistas e migrantes – mobilizados pela retórica da extrema direita política.
Os jogos de 2024 serão realizados um século após a edição de 1924 – também sediados em Paris. Na época, a França se recuperava da Primeira Guerra Mundial e a cidade vivia os anos de euforia da Belle Époque. No século 21, a primeira olimpíada realizada após a pandemia da Covid-19 encontrou a França convulsionada pela polarização política. A vitória da frente republicana sobre a extrema-direita nas eleições legislativas foi obtida aos 45 minutos do segundo tempo.
Os jogos de 2024 diferem de edições anteriores – nos quais emergentes como Coreia do Sul, Espanha, China e Brasil utilizaram as competições esportivas para se mostrar ao mundo. Além de oferecer o retorno à grandeza da França para narrativas nacionalistas, sediar os jogos olímpicos aumenta as chances da capital da moda competir como uma cidade global diante de metrópoles emergentes como Shanghai, Mumbai e Dubai.
A tentativa de reviver as glórias da civilização francesa ocorre no contexto de uma diminuição do perfil global do país, enfrentando os desafios da integração europeia em meio a complexidades domésticas. As festas de 2024 serão vigiadas por um enorme esquema de segurança, que frustrou tentativas de atos terroristas na véspera dos jogos. A chama olímpica retorna a Paris, portanto, num mundo mais complicado que o de 1924.
Sobre Carlos Frederico Pereira da Silva Gama: Escritor, poeta, cronista, doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio, fundador do BRICS Policy Center, professor da Shiv Nadar University (Índia), cinéfilo e leitor voraz, fã da Fórmula 1 e da cultura pop, líder das bandas independentes Oblique, EXXC e Still That.
Escreveu para a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, O Dia, Brasil Econômico, Portal R7, Observatório da Imprensa e publicações acadêmicas como Global Governance e E-International Relations. É colunista de música e cinema do blog de cultura pop Cultecléticos.
Publicou quatro livros – “Surrealogos” (2012), “Modernity at Risk: Complex Emergencies, Humanitarianism, Sovereignty” (2012), “Após a Guerra, Estabilidade? Mudanças Institucionais nas Operações de Paz da ONU (1992-2000)” (2016) e “Ensaios Globais: da Primavera Árabe ao Brexit (2011-2020)” (2022).