Horário nobre em declínio: ‘Mania de Você’, o futuro rejeitado da Rede Globo

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Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, colaborador do SRzd Televisão. Na véspera do Natal de 2024, a Rede Globo enfrentou uma situação inédita em seus 60 anos de trajetória. Todas as suas novelas ficaram abaixo dos 15 pontos de audiência. “Cabocla” (trama de 2004) iniciou a tarde com 11.2 pontos na medição da Kantar […]

POR Carlos Frederico Pereira da Silva Gama31/12/2024|6 min de leitura

Horário nobre em declínio: ‘Mania de Você’, o futuro rejeitado da Rede Globo

Mania de Você. Reprodução de vídeo

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Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, colaborador do SRzd

Televisão. Na véspera do Natal de 2024, a Rede Globo enfrentou uma situação inédita em seus 60 anos de trajetória. Todas as suas novelas ficaram abaixo dos 15 pontos de audiência. “Cabocla” (trama de 2004) iniciou a tarde com 11.2 pontos na medição da Kantar IBOPE.

A badalada reprise de “Tieta” (clássico de 1989) passou o bastão com 12.2 pontos para a novela das 6 estrelada por Maisa, “Garota do Momento” – que chegou a 13.2 pontos. A subestimada “Volta por Cima” atingiu 14.1 pontos na faixa das 7 horas. Por fim, “Mania de Você” obteve os mesmos 14.1 pontos, reduzindo a audiência do “Jornal Nacional”. A trama de Joao Emanuel Carneiro obteve o duvidoso feito de menor audiência do horário nobre da Vênus Platinada desde 1969 – o que a torna a mais rejeitada trama da emissora.

Essa situação parece inusitada, no mesmo ano em que a Globo obteve seu maior faturamento em uma década. Não se trata, porém, de uma exceção. Outrora o produto audiovisual de exportação por excelência do Brasil, a novela enfrenta atualmente uma queda generalizada na grade da TV aberta. Produções turcas, sul-coreanas e mexicanas invadem a programação, ao lado de versões bíblicas de inspiração norte-americana.

No ocaso das novelas, uma transição geracional coincidiu com a transição tecnológica. A era do streaming e das series engoliu a nova geração de autores que sucedeu a era dos autores clássicos (Dias Gomes, Manoel Carlos, Silvio de Abreu, Gloria Perez etc.). Diante do desafio globalizado (tecnologia e conteúdo que desconsideram fronteiras nacionais), a novela brasileira se hibridizou.

A Globo – atualmente uma empresa de media tech – se preocupa mais em encontrar sinergias entre seus produtos e as tecnologias disponíveis do que investir artesanalmente na confecção de obras primas da teledramaturgia. Essa busca por flexibilidade de conteúdo se articula, por sua vez, com a contenção de gastos que marcou o setor audiovisual após outro fenômeno global, a pandemia da Covid-19.

A busca por versatilidade de conteúdo (novelas que possam transitar simultaneamente por diversas mídias) e o corte de gastos pós-pandêmico levou a uma saída em massa de nomes consagrados da teledramaturgia global, substituídos por novos nomes que não passaram pelas categorias de base da emissora (caso da extinta “Malhação”). Tendo que amadurecer em público, a nova geração de estrelas globais se vê repudiada sob os holofotes de uma audiência cada mais seletiva, envelhecida, ressabiada com novidades. Diante da reação popular, a emissora tenta serializar a presença de nomes consagrados para reter a audiência via reprises. Podemos ver nomes como Betty Faria e Reginaldo Faria em múltiplas faixas da programação. Essa confusão simbólica entre o passado glorioso e um futuro duvidoso joga contra as inovações do presente polarizado. 

Após a pandemia, as novelas da faixa das 9 na Globo foram monopolizadas por novelas rurais – incluindo duas releituras de produções clássicas, “Pantanal” e “Renascer”. Diante de audiências declinantes, a emissora hesitou em investir em narrativas urbanas contemporâneas. A minissérie “Todas as Flores” foi adotada como modelo para o futuro. 

As novelas da Globo no fim de 2024 demonstram falta de rumo, bem como suas raízes. “Garota do Momento” promove uma cenografia ultra tecnológica da São Paulo de 70 anos atrás sem dar espaço para nostalgias. Um enredo contemporâneo soa apenas anacrônico. Em “Volta por Cima”, uma cena de sexo a três (apresentada em spoilers pela Globo) foi sumariamente limada do ar, apenas para retornar como polemica nas redes sociais. Já o formato de “Mania de Você” – descendente direta de “Todas as Flores” – afastou o público do horário nobre, o que motivou diversas reviravoltas no enredo, (fenômeno que já contaminara a antecessora “Terra e Paixão”), eventualmente criando uma trama fragmentária, experimental, com baixa credibilidade, flopada em tempo real. Outra reprise já foi anunciada pela Vênus Platinada para encobrir o hiato deixado no horário nobre. O retorno de “Vale Tudo”, clássico de 1989, será antecipado em 2025.

A música-tema de “Mania de Você” serve como metáfora para a desconfortável junção de uma fórmula consagrada com nomes contemporâneos de pouca rodagem, inspirada por uma reorganização econômica. O clássico carnal de Rita Lee soou distante e pouco apelativo na versão Trap de Anitta (de fora das músicas mais ouvidas do ano no Spotify).

Ao apresentar um futuro em desacordo com o presente, sem engajar sua audiência, a Rede Globo ousa desafiar um dos pilares de sua trajetória de 60 anos de sucessos. O Plim Plim deixou de ser ouvido nas residências brasileiras, ao passo que o conglomerado de mídia que orbita ao redor da rede de TV se torna mais permeável a tendências globais.

Sobre Carlos Frederico Pereira da Silva Gama: Escritor, poeta, cronista, doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio, fundador do BRICS Policy Center, professor da Shiv Nadar University (Índia), cinéfilo e leitor voraz, fã da Fórmula 1 e da cultura pop, líder das bandas independentes Oblique, EXXC e Still That.

Escreveu para a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, O Dia, Brasil Econômico, Portal R7, Observatório da Imprensa e publicações acadêmicas como Global Governance e E-International Relations. É colunista de música e cinema do blog de cultura pop Cultecléticos.

Publicou quatro livros – “Surrealogos” (2012), “Modernity at Risk: Complex Emergencies, Humanitarianism, Sovereignty” (2012), “Após a Guerra, Estabilidade? Mudanças Institucionais nas Operações de Paz da ONU (1992-2000)” (2016) e “Ensaios Globais: da Primavera Árabe ao Brexit (2011-2020)” (2022).

Rodapé - entretenimento

Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, colaborador do SRzd

Televisão. Na véspera do Natal de 2024, a Rede Globo enfrentou uma situação inédita em seus 60 anos de trajetória. Todas as suas novelas ficaram abaixo dos 15 pontos de audiência. “Cabocla” (trama de 2004) iniciou a tarde com 11.2 pontos na medição da Kantar IBOPE.

A badalada reprise de “Tieta” (clássico de 1989) passou o bastão com 12.2 pontos para a novela das 6 estrelada por Maisa, “Garota do Momento” – que chegou a 13.2 pontos. A subestimada “Volta por Cima” atingiu 14.1 pontos na faixa das 7 horas. Por fim, “Mania de Você” obteve os mesmos 14.1 pontos, reduzindo a audiência do “Jornal Nacional”. A trama de Joao Emanuel Carneiro obteve o duvidoso feito de menor audiência do horário nobre da Vênus Platinada desde 1969 – o que a torna a mais rejeitada trama da emissora.

Essa situação parece inusitada, no mesmo ano em que a Globo obteve seu maior faturamento em uma década. Não se trata, porém, de uma exceção. Outrora o produto audiovisual de exportação por excelência do Brasil, a novela enfrenta atualmente uma queda generalizada na grade da TV aberta. Produções turcas, sul-coreanas e mexicanas invadem a programação, ao lado de versões bíblicas de inspiração norte-americana.

No ocaso das novelas, uma transição geracional coincidiu com a transição tecnológica. A era do streaming e das series engoliu a nova geração de autores que sucedeu a era dos autores clássicos (Dias Gomes, Manoel Carlos, Silvio de Abreu, Gloria Perez etc.). Diante do desafio globalizado (tecnologia e conteúdo que desconsideram fronteiras nacionais), a novela brasileira se hibridizou.

A Globo – atualmente uma empresa de media tech – se preocupa mais em encontrar sinergias entre seus produtos e as tecnologias disponíveis do que investir artesanalmente na confecção de obras primas da teledramaturgia. Essa busca por flexibilidade de conteúdo se articula, por sua vez, com a contenção de gastos que marcou o setor audiovisual após outro fenômeno global, a pandemia da Covid-19.

A busca por versatilidade de conteúdo (novelas que possam transitar simultaneamente por diversas mídias) e o corte de gastos pós-pandêmico levou a uma saída em massa de nomes consagrados da teledramaturgia global, substituídos por novos nomes que não passaram pelas categorias de base da emissora (caso da extinta “Malhação”). Tendo que amadurecer em público, a nova geração de estrelas globais se vê repudiada sob os holofotes de uma audiência cada mais seletiva, envelhecida, ressabiada com novidades. Diante da reação popular, a emissora tenta serializar a presença de nomes consagrados para reter a audiência via reprises. Podemos ver nomes como Betty Faria e Reginaldo Faria em múltiplas faixas da programação. Essa confusão simbólica entre o passado glorioso e um futuro duvidoso joga contra as inovações do presente polarizado. 

Após a pandemia, as novelas da faixa das 9 na Globo foram monopolizadas por novelas rurais – incluindo duas releituras de produções clássicas, “Pantanal” e “Renascer”. Diante de audiências declinantes, a emissora hesitou em investir em narrativas urbanas contemporâneas. A minissérie “Todas as Flores” foi adotada como modelo para o futuro. 

As novelas da Globo no fim de 2024 demonstram falta de rumo, bem como suas raízes. “Garota do Momento” promove uma cenografia ultra tecnológica da São Paulo de 70 anos atrás sem dar espaço para nostalgias. Um enredo contemporâneo soa apenas anacrônico. Em “Volta por Cima”, uma cena de sexo a três (apresentada em spoilers pela Globo) foi sumariamente limada do ar, apenas para retornar como polemica nas redes sociais. Já o formato de “Mania de Você” – descendente direta de “Todas as Flores” – afastou o público do horário nobre, o que motivou diversas reviravoltas no enredo, (fenômeno que já contaminara a antecessora “Terra e Paixão”), eventualmente criando uma trama fragmentária, experimental, com baixa credibilidade, flopada em tempo real. Outra reprise já foi anunciada pela Vênus Platinada para encobrir o hiato deixado no horário nobre. O retorno de “Vale Tudo”, clássico de 1989, será antecipado em 2025.

A música-tema de “Mania de Você” serve como metáfora para a desconfortável junção de uma fórmula consagrada com nomes contemporâneos de pouca rodagem, inspirada por uma reorganização econômica. O clássico carnal de Rita Lee soou distante e pouco apelativo na versão Trap de Anitta (de fora das músicas mais ouvidas do ano no Spotify).

Ao apresentar um futuro em desacordo com o presente, sem engajar sua audiência, a Rede Globo ousa desafiar um dos pilares de sua trajetória de 60 anos de sucessos. O Plim Plim deixou de ser ouvido nas residências brasileiras, ao passo que o conglomerado de mídia que orbita ao redor da rede de TV se torna mais permeável a tendências globais.

Sobre Carlos Frederico Pereira da Silva Gama: Escritor, poeta, cronista, doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio, fundador do BRICS Policy Center, professor da Shiv Nadar University (Índia), cinéfilo e leitor voraz, fã da Fórmula 1 e da cultura pop, líder das bandas independentes Oblique, EXXC e Still That.

Escreveu para a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, O Dia, Brasil Econômico, Portal R7, Observatório da Imprensa e publicações acadêmicas como Global Governance e E-International Relations. É colunista de música e cinema do blog de cultura pop Cultecléticos.

Publicou quatro livros – “Surrealogos” (2012), “Modernity at Risk: Complex Emergencies, Humanitarianism, Sovereignty” (2012), “Após a Guerra, Estabilidade? Mudanças Institucionais nas Operações de Paz da ONU (1992-2000)” (2016) e “Ensaios Globais: da Primavera Árabe ao Brexit (2011-2020)” (2022).

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