ARTIGO: Porque o discurso de Lula “pega” as classes populares

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O presidente se esgoela brandindo sua origem humilde como escudo e como estrela â?? como se ele tivesse sido “ungido pela origem”, não diferente dos reis de antigamente (e de ainda hoje, em alguns lugares).

POR Redação SRzd18/08/2006|4 min de leitura

ARTIGO: Porque o discurso de Lula “pega” as classes populares
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O discurso de Lula diante da crise atual é pateticamente populista: o presidente se esgoela brandindo sua origem humilde como escudo e como estrela ‘ como se ele tivesse sido “ungido pela origem”, não diferente dos reis de antigamente (e de ainda hoje, em alguns lugares).

Se isto está tão evidente, porque será que cola, e tanta gente aceita que “o PT acabou mas Lula não”?

A explicação mais usual (e mais fácil, acho) consiste em falar do “despreparo” e da “falta de informação” da população mais pobre. Falta de escola, falta de leitura (o que fica até engraçado, vindo de uma elite que deve ser a que menos lê no mundo, ou perto disso…), falta de sofisticação para compreender o “momento político”.

Isso me parece uma explicação requentada: uma velha explicação das classes mais abastadas, e aí se inclui a “intelligentzia” brasileira ‘ uma casta à parte, que, como Figueiredo, não gosta do cheiro do povo (mesmo se não o admite com facilidade e usa amiúde o povo – distante e inodoro, bem entendido – em seus discursos inflamados).

A explicação pertinente, a meu ver, está na história de nossa ainda recente e incompletíssima república. Jamais, nesse país, tiveram as classes populares acesso de fato aos benefícios espalhados pelos ideais da revolução francesa ‘ particularmente à escola universal, laica e gratuita, que durante décadas construiu na França um sentido de pertencimento que resiste aos ataques cada vez mais indecentes da prática neoliberal.

Atenção: quando falo de falta de acesso à escola, não estou dando razão aos que imputam “falta educação” às nossas classes populares: ao contrário, tendo a achá-las educadíssimas (comparando, mais uma vez, com os rudes franceses, ou com os ríspidos alemães, por exemplo. Diferentes culturas, diferentes educações. Eu gosto mais da nossa, se me permitem).

Não. Estou querendo chamar a atenção para o fato de que aqui nunca existiu acesso universal ao bem público que é o ensino, e para a revolução que isso pode trazer em termos de enraizamento do fugidio termo “cidadania” (como bem sabia Paulo Freire). Bem o sabiam os militares, quando prendiam os cabeças da campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, ou o próprio Paulo Freire e seu método de alfabetização, ou ainda o povo do Movimento de Educação de Base… isso muda um país.

Nunca teve tampouco nosso povo acesso a uma saúde pública de qualidade, como a que existia na Inglaterra pré-Tatcher (e permanece, apesar de tudo), em que bastava ser residente numa localidade inglesa para ser cadastrado no sistema de saúde de família, personificado pelo “GP” (clínico geral) da sua região.

Nessa falta de experiência de cidadania plena, que atinge nosso povo em todas as suas classes e castas, é que o discurso de Lula encontra legitimidade: aí é que ganha força o “mensalinho” do Bolsa Família e do Bolsa Escola, a própria concepção do Fome Zero, esse conjunto de programas compensatórios que nada mais são do que a versão melhorada das mesadas dos coronéis nordestinos (que Lula provavelmente conhece de perto, de ver ou ouvir falar). Das dentaduras distribuídas em época de eleição, das ambulâncias compradas por dinheiro de campanha, do almoço dado a quem for votar. Da lojinha nas terras do coronel, onde se compra de tudo e tudo é descontado do salário1… tudo isso não traz nada de novo, e o povo que não é bobo sabe que nada mudou: qualquer esmola é esmola, e se nada muda, um prato de comida a mais vale bem um voto (de confiança) a um dos seus que “chegou lá”. Lá no Planalto. Para distribuir pratos de comida (de variados tamanhos e cores, podendo incluir como bebida champanhe francês e na entrada, quem sabe, um foie gras) em troca de votos, mais uma vez.

E no entanto, não se pode esquecer (e o povo certamente não esquece) que, como já dizia Luiz Gonzaga em outros tempos,

“mas doutor uma esmola/
para um homem que é são/
ou lhe mata de vergonha/
ou vicia o cidadão…”.

Renata Lins é economista

O discurso de Lula diante da crise atual é pateticamente populista: o presidente se esgoela brandindo sua origem humilde como escudo e como estrela ‘ como se ele tivesse sido “ungido pela origem”, não diferente dos reis de antigamente (e de ainda hoje, em alguns lugares).

Se isto está tão evidente, porque será que cola, e tanta gente aceita que “o PT acabou mas Lula não”?

A explicação mais usual (e mais fácil, acho) consiste em falar do “despreparo” e da “falta de informação” da população mais pobre. Falta de escola, falta de leitura (o que fica até engraçado, vindo de uma elite que deve ser a que menos lê no mundo, ou perto disso…), falta de sofisticação para compreender o “momento político”.

Isso me parece uma explicação requentada: uma velha explicação das classes mais abastadas, e aí se inclui a “intelligentzia” brasileira ‘ uma casta à parte, que, como Figueiredo, não gosta do cheiro do povo (mesmo se não o admite com facilidade e usa amiúde o povo – distante e inodoro, bem entendido – em seus discursos inflamados).

A explicação pertinente, a meu ver, está na história de nossa ainda recente e incompletíssima república. Jamais, nesse país, tiveram as classes populares acesso de fato aos benefícios espalhados pelos ideais da revolução francesa ‘ particularmente à escola universal, laica e gratuita, que durante décadas construiu na França um sentido de pertencimento que resiste aos ataques cada vez mais indecentes da prática neoliberal.

Atenção: quando falo de falta de acesso à escola, não estou dando razão aos que imputam “falta educação” às nossas classes populares: ao contrário, tendo a achá-las educadíssimas (comparando, mais uma vez, com os rudes franceses, ou com os ríspidos alemães, por exemplo. Diferentes culturas, diferentes educações. Eu gosto mais da nossa, se me permitem).

Não. Estou querendo chamar a atenção para o fato de que aqui nunca existiu acesso universal ao bem público que é o ensino, e para a revolução que isso pode trazer em termos de enraizamento do fugidio termo “cidadania” (como bem sabia Paulo Freire). Bem o sabiam os militares, quando prendiam os cabeças da campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, ou o próprio Paulo Freire e seu método de alfabetização, ou ainda o povo do Movimento de Educação de Base… isso muda um país.

Nunca teve tampouco nosso povo acesso a uma saúde pública de qualidade, como a que existia na Inglaterra pré-Tatcher (e permanece, apesar de tudo), em que bastava ser residente numa localidade inglesa para ser cadastrado no sistema de saúde de família, personificado pelo “GP” (clínico geral) da sua região.

Nessa falta de experiência de cidadania plena, que atinge nosso povo em todas as suas classes e castas, é que o discurso de Lula encontra legitimidade: aí é que ganha força o “mensalinho” do Bolsa Família e do Bolsa Escola, a própria concepção do Fome Zero, esse conjunto de programas compensatórios que nada mais são do que a versão melhorada das mesadas dos coronéis nordestinos (que Lula provavelmente conhece de perto, de ver ou ouvir falar). Das dentaduras distribuídas em época de eleição, das ambulâncias compradas por dinheiro de campanha, do almoço dado a quem for votar. Da lojinha nas terras do coronel, onde se compra de tudo e tudo é descontado do salário1… tudo isso não traz nada de novo, e o povo que não é bobo sabe que nada mudou: qualquer esmola é esmola, e se nada muda, um prato de comida a mais vale bem um voto (de confiança) a um dos seus que “chegou lá”. Lá no Planalto. Para distribuir pratos de comida (de variados tamanhos e cores, podendo incluir como bebida champanhe francês e na entrada, quem sabe, um foie gras) em troca de votos, mais uma vez.

E no entanto, não se pode esquecer (e o povo certamente não esquece) que, como já dizia Luiz Gonzaga em outros tempos,

“mas doutor uma esmola/
para um homem que é são/
ou lhe mata de vergonha/
ou vicia o cidadão…”.

Renata Lins é economista

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