COMPORTAMENTO: O silencioso assassinato da auto-estima infanto-juvenil nas escolas

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O bullying (do inglês "to bully", maltratar, oprimir) faz mais vítimas do que pais e professores podem perceber: os envolvidos já são 45% da população escolar do Brasil.

POR Redação SRzd 4/6/2006| 7 min de leitura

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O bullying (do inglês "to bully", maltratar, oprimir) faz mais vítimas do que pais e professores podem perceber: os envolvidos já são 45% da população escolar do Brasil.

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Maria tem seis anos e estuda numa escola tradicional da Zona Sul carioca. Desde o início das aulas este ano, preparar-se para ir ao colégio tornou-se uma tortura para ela. Um dia a mãe, sem querer, descobriu o motivo. Na porta da sala de aula, uma coleguinha disse para Maria, sem motivo: ‘Nossa, como você está fedendo!â? A menina recebeu encolhida a agressão e não conseguiu revidar. Esse e outros casos são comuns nas escolas, mas são poucos os profissionais de educação e pais que conseguem captar e lidar corretamente com o problema ‘ essa foi a conclusão a que chegaram os profissionais que participaram do 1º Fórum Brasileiro sobre Bullying Escolar, que se encerrou ontem em Brasília.

Bullying é uma palavra nova que, até recentemente, era desconhecida de educadores e pais ‘ os primeiros estudos são da década de 90, quando o pesquisador Dan Olweus, da Universidade da Noruega, começou a perceber o fenômeno que atinge, em alguns países, 35% de crianças matriculadas em escolas. A palavra originou-se do termo em inglês ‘bullyâ?, que quer dizer amedrontar, ameaçar, oprimir, maltratar. Uma das poucas entidades a estudar a prática do bullying é o Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes), que acompanha pesquisas em oito capitais brasileiras e promoveu o fórum em Brasília. Segundo esses estudos, o bullying é real para cerca de 45% dos estudantes de ensino fundamental do país ‘ esse número engloba tanto o agressor como a vítima.

Pais e professores ainda tentam encontrar um rumo a seguir. No caso de Maria, a mãe comunicou à direção da escola o ocorrido e a agressora foi chamada para conversar. Maria hoje faz psicoterapia, mas os casos de agressão não sumiram por completo:

‘ O bullying, normalmente, atinge as crianças que estão fragilizadas pela separação dos pais ou uma morte na família, por exemplo, ou as que tem algo que as deixa indefesas, como uma deficiência física ou uma aparência que não seja comum. O importante é fortalecer a auto-estima, que já está baixa, e conscientizar as outras crianças que uma brincadeira em que um se diverte e o outro sofre não pode ser chamada de brincadeira: é uma crueldade ‘ explica a psicoterapeuta Sheila Marcondes.

Segundo dados do Cemeobes, o perfil da vítima mostra uma criança de 11 anos, retraída, que não se defende. Além disso, como destacou Sheila Marcondes, tem sempre alguma característica marcante ‘ seja física ou não. Esse é, por exemplo, o caso de Beatriz Küssen Barbalho. A menina, de 16 anos, chegou a Salvador há dois anos, vinda dos Estados Unidos, e já está no terceiro colégio:

‘ Na primeira escola, não entendia porque todo mundo ria de mim. Quando descobriram o meu nome, foi um festival de besteiras. Os meninos berravam a piada escatológica que aparecia juntando os meus dois sobrenomes. Minha mãe conversou com o diretor e ele disse que era ‘brincadeira de adolescenteâ?, que passaria logo. Não passou, e mudei de escola de novo. Não resolveu. Estou na terceira escola e, dessa vez, foi diferente. Estava fazendo terapia e o conselho que recebi foi: ‘Enfrente com firmezaâ?. Foi o que eu fiz: no primeiro dia de aula, avisei na turma que meu sobrenome era esse e que eu conhecia todas as piadinhas sobre ele. Dois garotos ainda tentaram tirar sarro de mim, mas não deu certo: a brincadeira ficou velha antes de começar ‘ explica Beatriz.

O perfil dos agressores se encaixa no quadro descrito pela menina: meninos (em 60% dos casos) de 13 a 14 anos; gostam de mostrar que têm poder, lideram os outros e, na maioria das vezes, não têm restrição ou controle dos pais. As meninas não ficam de fora. A agressora, porém, é mais requintada do que o menino, porque é das meninas que parte a organização social da turma.

Foi o que aconteceu com Samantha Punzi, 12 anos, outra vítima de bullying por causa do sobrenome. No caso dela, o ataque foi mais virulento porque Samantha é bonita ‘ e começou a ameaçar a posição de destaque de outra aluna, líder da ala feminina da turma:

‘ A Samantha é tímida, exatamente porque é muito bonita nunca aceitou bem os elogios. Tivemos que mudá-la de escola, porque a antiga era pequena, só tinha o CA. Pusemos Samantha num colégio grande, e foi um pesadelo: ela começou a ter baixo aproveitamento, sumiam coisas da mochila. Quando tinha festa na turma, ou ela não era convidada ou recebia um convite com a data ou endereço errados. Insinuavam que ela não tomava banho, que não tinha educação. Falei diversas vezes com a diretora, que sempre dizia que ia tomar uma providência. Melhorava um tempo, mas o problema voltava tempos depois. Levamos isso por um ano, e acho que foi tempo demais: no ano passado, quando ela voltou sem os livros ‘ desapareceram do armário da carteira dela ‘ fomos eu e meu marido à escola e ameaçamos chamar a polícia, fazer um escândalo no jornal. A diretora confessou que já chamara os pais das meninas que agrediam Samantha, mas eles tinham dito que era ‘frescura de aluna novaâ? ‘ conta Soraia, a mãe da menina.

Para pais e educadores, a maior dificuldade é captar quando a linha que separa brincadeira do bullying é cruzada:

‘ Se uma criança ganha um apelido de que não gosta muito mas o encara sem traumas, não há porque se preocupar. Mas se ela muda seu comportamento, reclama para ir à escola, se isola no recreio e deixa de ser convidada para atividades, é preciso intervir ‘ diz o coordenador do Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência, Aramis Lopes.

As meninas são, segundo a psicóloga e pesquisadora americana Rachel Simmons, mestras na arte do bullying. Autora do livro ‘Garota fora do jogoâ? (Editora Rocco), Rachel Simmons iniciou sua pesquisa de modo informal, ao descobrir que não havia quase bibliografia sobre o assunto. Enviou então um e-mail para todas as mulheres que conhecia, com perguntas simples como ‘Você já foi atormentada ou provocada por outra menina? Explique como foi isso.â? ou ‘Que influência isso teve na sua vida até hoje?â?. Quem recebeu a mensagem repassou para outras amigas e, em 24 horas, o correio eletrônico de Rachel ficou abarrotado de respostas emocionadas e cheias de detalhes. Rachel levou o tema para as escolas, discutindo com com meninas de 11 a 14 anos. O resultado foi uma pesquisa em dez instituições de ensino de diferentes regiões dos EUA, entrevistando alunas, pais, professores e funcionários, enquanto promovia discussões em salas de aula. Rachel também entrevistou cerca de 50 mulheres fora do círculo escolar.

As meninas, segundo Rachel Simmons, preferem usar como recursos maledicência, exclusão, fofoca, apelidos maldosos e manipulações para infligir sofrimento psicológico às vítimas. Seus métodos são quase invisíveis para pais e professores, já que as garotas dificilmente se metem em brigas. O mais comum é que elas atinjam suas vítimas espalhando boatos, passando bilhetinhos, disparando olhares coercivos, conspirando, jogando as colegas umas contra as outras.

O bullying feminino, embora menos visível, é tão destrutivo quanto o masculino, ou até mais, pois a auto-estima da vítima é aniquilada sem que o problema seja discutido na escola, em casa, nos meios de comunicação ou no universo acadêmico.

A psicoterapeuta Sheila Marcondes alerta:
‘ Dizer a uma adolescente que ela é popular é, na verdade, quase dar-lhe uma arma, que ela usará a depender da sua educação e da moral que os pais lhe ensinaram. Ela terá o poder de dizer quem é bom e quem é ruim. Quem é amigo e quem não é ‘ independentemente do que o outro tenha feito. É uma imposição de castas tão violenta quanto um estupro, pois vai marcar aquele que é vítima dela pelo resto de sua vida.

Para saber mais, acesse www.bullying.com.br

Maria tem seis anos e estuda numa escola tradicional da Zona Sul carioca. Desde o início das aulas este ano, preparar-se para ir ao colégio tornou-se uma tortura para ela. Um dia a mãe, sem querer, descobriu o motivo. Na porta da sala de aula, uma coleguinha disse para Maria, sem motivo: ‘Nossa, como você está fedendo!â? A menina recebeu encolhida a agressão e não conseguiu revidar. Esse e outros casos são comuns nas escolas, mas são poucos os profissionais de educação e pais que conseguem captar e lidar corretamente com o problema ‘ essa foi a conclusão a que chegaram os profissionais que participaram do 1º Fórum Brasileiro sobre Bullying Escolar, que se encerrou ontem em Brasília.

Bullying é uma palavra nova que, até recentemente, era desconhecida de educadores e pais ‘ os primeiros estudos são da década de 90, quando o pesquisador Dan Olweus, da Universidade da Noruega, começou a perceber o fenômeno que atinge, em alguns países, 35% de crianças matriculadas em escolas. A palavra originou-se do termo em inglês ‘bullyâ?, que quer dizer amedrontar, ameaçar, oprimir, maltratar. Uma das poucas entidades a estudar a prática do bullying é o Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes), que acompanha pesquisas em oito capitais brasileiras e promoveu o fórum em Brasília. Segundo esses estudos, o bullying é real para cerca de 45% dos estudantes de ensino fundamental do país ‘ esse número engloba tanto o agressor como a vítima.

Pais e professores ainda tentam encontrar um rumo a seguir. No caso de Maria, a mãe comunicou à direção da escola o ocorrido e a agressora foi chamada para conversar. Maria hoje faz psicoterapia, mas os casos de agressão não sumiram por completo:

‘ O bullying, normalmente, atinge as crianças que estão fragilizadas pela separação dos pais ou uma morte na família, por exemplo, ou as que tem algo que as deixa indefesas, como uma deficiência física ou uma aparência que não seja comum. O importante é fortalecer a auto-estima, que já está baixa, e conscientizar as outras crianças que uma brincadeira em que um se diverte e o outro sofre não pode ser chamada de brincadeira: é uma crueldade ‘ explica a psicoterapeuta Sheila Marcondes.

Segundo dados do Cemeobes, o perfil da vítima mostra uma criança de 11 anos, retraída, que não se defende. Além disso, como destacou Sheila Marcondes, tem sempre alguma característica marcante ‘ seja física ou não. Esse é, por exemplo, o caso de Beatriz Küssen Barbalho. A menina, de 16 anos, chegou a Salvador há dois anos, vinda dos Estados Unidos, e já está no terceiro colégio:

‘ Na primeira escola, não entendia porque todo mundo ria de mim. Quando descobriram o meu nome, foi um festival de besteiras. Os meninos berravam a piada escatológica que aparecia juntando os meus dois sobrenomes. Minha mãe conversou com o diretor e ele disse que era ‘brincadeira de adolescenteâ?, que passaria logo. Não passou, e mudei de escola de novo. Não resolveu. Estou na terceira escola e, dessa vez, foi diferente. Estava fazendo terapia e o conselho que recebi foi: ‘Enfrente com firmezaâ?. Foi o que eu fiz: no primeiro dia de aula, avisei na turma que meu sobrenome era esse e que eu conhecia todas as piadinhas sobre ele. Dois garotos ainda tentaram tirar sarro de mim, mas não deu certo: a brincadeira ficou velha antes de começar ‘ explica Beatriz.

O perfil dos agressores se encaixa no quadro descrito pela menina: meninos (em 60% dos casos) de 13 a 14 anos; gostam de mostrar que têm poder, lideram os outros e, na maioria das vezes, não têm restrição ou controle dos pais. As meninas não ficam de fora. A agressora, porém, é mais requintada do que o menino, porque é das meninas que parte a organização social da turma.

Foi o que aconteceu com Samantha Punzi, 12 anos, outra vítima de bullying por causa do sobrenome. No caso dela, o ataque foi mais virulento porque Samantha é bonita ‘ e começou a ameaçar a posição de destaque de outra aluna, líder da ala feminina da turma:

‘ A Samantha é tímida, exatamente porque é muito bonita nunca aceitou bem os elogios. Tivemos que mudá-la de escola, porque a antiga era pequena, só tinha o CA. Pusemos Samantha num colégio grande, e foi um pesadelo: ela começou a ter baixo aproveitamento, sumiam coisas da mochila. Quando tinha festa na turma, ou ela não era convidada ou recebia um convite com a data ou endereço errados. Insinuavam que ela não tomava banho, que não tinha educação. Falei diversas vezes com a diretora, que sempre dizia que ia tomar uma providência. Melhorava um tempo, mas o problema voltava tempos depois. Levamos isso por um ano, e acho que foi tempo demais: no ano passado, quando ela voltou sem os livros ‘ desapareceram do armário da carteira dela ‘ fomos eu e meu marido à escola e ameaçamos chamar a polícia, fazer um escândalo no jornal. A diretora confessou que já chamara os pais das meninas que agrediam Samantha, mas eles tinham dito que era ‘frescura de aluna novaâ? ‘ conta Soraia, a mãe da menina.

Para pais e educadores, a maior dificuldade é captar quando a linha que separa brincadeira do bullying é cruzada:

‘ Se uma criança ganha um apelido de que não gosta muito mas o encara sem traumas, não há porque se preocupar. Mas se ela muda seu comportamento, reclama para ir à escola, se isola no recreio e deixa de ser convidada para atividades, é preciso intervir ‘ diz o coordenador do Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência, Aramis Lopes.

As meninas são, segundo a psicóloga e pesquisadora americana Rachel Simmons, mestras na arte do bullying. Autora do livro ‘Garota fora do jogoâ? (Editora Rocco), Rachel Simmons iniciou sua pesquisa de modo informal, ao descobrir que não havia quase bibliografia sobre o assunto. Enviou então um e-mail para todas as mulheres que conhecia, com perguntas simples como ‘Você já foi atormentada ou provocada por outra menina? Explique como foi isso.â? ou ‘Que influência isso teve na sua vida até hoje?â?. Quem recebeu a mensagem repassou para outras amigas e, em 24 horas, o correio eletrônico de Rachel ficou abarrotado de respostas emocionadas e cheias de detalhes. Rachel levou o tema para as escolas, discutindo com com meninas de 11 a 14 anos. O resultado foi uma pesquisa em dez instituições de ensino de diferentes regiões dos EUA, entrevistando alunas, pais, professores e funcionários, enquanto promovia discussões em salas de aula. Rachel também entrevistou cerca de 50 mulheres fora do círculo escolar.

As meninas, segundo Rachel Simmons, preferem usar como recursos maledicência, exclusão, fofoca, apelidos maldosos e manipulações para infligir sofrimento psicológico às vítimas. Seus métodos são quase invisíveis para pais e professores, já que as garotas dificilmente se metem em brigas. O mais comum é que elas atinjam suas vítimas espalhando boatos, passando bilhetinhos, disparando olhares coercivos, conspirando, jogando as colegas umas contra as outras.

O bullying feminino, embora menos visível, é tão destrutivo quanto o masculino, ou até mais, pois a auto-estima da vítima é aniquilada sem que o problema seja discutido na escola, em casa, nos meios de comunicação ou no universo acadêmico.

A psicoterapeuta Sheila Marcondes alerta:
‘ Dizer a uma adolescente que ela é popular é, na verdade, quase dar-lhe uma arma, que ela usará a depender da sua educação e da moral que os pais lhe ensinaram. Ela terá o poder de dizer quem é bom e quem é ruim. Quem é amigo e quem não é ‘ independentemente do que o outro tenha feito. É uma imposição de castas tão violenta quanto um estupro, pois vai marcar aquele que é vítima dela pelo resto de sua vida.

Para saber mais, acesse www.bullying.com.br

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