Doença tem várias faces, a maior parte delas desconhecida dos médicos

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Pela falta de preparo dos profissionais de saúde, os pais fazem uma verdadeira peregrinação por consultórios, clínicas e hospitais em busca de uma resposta para o estranho comportamento dos filhos.

POR Redação SRzd10/06/2006|6 min de leitura

Doença tem várias faces, a maior parte delas desconhecida dos médicos
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Até um ano e meio, Gabriel teve um desenvolvimento normal para um menino saudável. A partir dessa idade, porém, sua mãe começou a notar que ele não correspondia aos estímulos que ela lhe dava ‘ não atendia quando chamavam seu nome, não se animava com as brincadeiras, perdeu as poucas palavras que já falava. Divorciada, Rachel deixava o filho com a babá ou a mãe. O comportamento do menino, à medida que ele crescia, ia ficando mais difícil de entender. Rachel passou anos lutando entre ser mãe e profissional:

– O pai via o Gabriel nos fins de semana, mas quando aparecia um problema, como a babá faltar ou eu ter que levá-lo ao médico, era eu sozinha para resolver a situação. Ouvia indiretas do meu chefe de que sempre arrumava uma desculpa para me atrasar ou faltar. Passei noites em claro, sem entender o que estava acontecendo. Fui a não sei quantos médicos até finalmente descobrir, logo depois que ele fez sete anos, que meu filho é autista ‘ conta ela.

O autismo é uma das doenças que não tem diagnóstico fácil ‘ simplesmente porque a maioria dos médicos não tem conhecimento dos sintomas da doença. Segundo o neuropediatra Adailton Tadeu Pontes, o diagnóstico é feito através da avaliação de inúmeros profissionais de saúde:

‘ O diagnóstico dos casos clássicos não é difícil de ser feito, desde que os pofissionais de saúde tenham conhecimentos básicos sobre a doença. Os casos difíceis são aqueles que apresentam comprometimento mais suave e que podem ser confundidos com outras patologias mentais. Não existe exame laboratorial para o diagnóstico, o que só pode ser realizado através de uma avaliação clínica multidisciplinar que envolve no mínimo o médico neurologista ou psiquiatra infantil, fonoaudiólogos especializados em linguagem e psicólogos especializados em desenvolvimento infantil ‘ explica o médico, que é neuropediatra do Instituto Fernandes Figueira (RJ), onde é responsável pelo Ambulatório de Neuropediatria Especializado em Autismo.

Antes do diagnóstico, porém, as famílias sofrem ao não entender o que está acontecendo com o filho ‘ principalmente se os pais têm outros filhos saudáveis. A criança fica estigmatizada, como aconteceu com a filha do casal Aurélia e Marcelo Frades:

‘ A Mariana repetia as palavras sem parar e só falava na terceira pessoa. Agredia os colegas, batia a cabeça, tinha convulsões. Na primeira escolinha, a diretora nos disse que não renovaria a matrícula, porque outros pais estavam reclamando das agressões. Optamos por deixar a Mariana em casa, mas era um problema: o Marcelo ia trabalhar e eu terminava o dia exausta. Só conseguíamos conversar na sala de espera dos médicos. Assim foi nosso casamento até que um dia nos deram o diagnóstico de autismo ‘ nada mudou, mas agora nós sabíamos com que estávamos lidando.

Não existem remédios para autismo. Mas, segundo o neuropediatra, quando mais cedo o diagnóstico for feito e o tratamento iniciado, melhor:

‘ A intervenção precoce (antes dos três anos de idade) através de programas de reabilitação, que inclui fonoaudiologia especializada em linguagem, terapia ocupacional, psicologia do desenvolvimento, e técnicas pedagógicas especializadas para o autismo, melhora bastante o prognóstico a longo prazo, embora não se possa falar em cura.

Se é difícil para famílias que têm acesso a educação, informações e planos de saúde, para famílias mais carentes a situação é quase insustentável ‘ e, muitas vezes, o diagnóstico certo jamais é feito:

‘ Essa doença, quando não diagnosticada e devido ao comportamento difícil da criança, pode trazer graves conseqüências familiares, afetando bastante a relação entre os casais ‘ diz o médico.

Foi pensando em como famílias são irremediavelmente destruídas que o escritor inglês Nick Hornby (autor de, entre outros best sellers, ‘Um grande garotoâ? e ‘Alta fidelidadeâ?) organizou o livro ‘Falando com o anjoâ?, cujos lucros com a venda foram destinados à TreeHouse, escola londrina de educação para autistas (onde seu filho Danny estuda) fundada pelo escritor juntamente com sua ex-mulher e outros pais de autistas. Só no Reino Unido, país onde as redes de educação e saúde públicas são mais eficientes que as brasileiras, são mais de 76 mil crianças diagnosticadas autistas ‘ e poucas instituições para atendê-las.

Na introdução do livro, o escritor descreve a vida de uma família com um filho autista: ‘[A criança] dorme cinco ou seis horas cada noite; se puder ser mantido acordado até um pouco mais tarde, acordará somente às duas ou três da manhã. Assim que grita, seus pais, que têm talvez três ou quatro horas de sono por noite, sentem uma mistura do exaustão, depressão e pânico – vivem num mundo pequeno, e as paredes são finas, e sabem que não são as únicas pessoas que são perturbadas todas as noites. São seis horas da manhã e um deles deve sair para trabalhar (o outro gostaria de ter um emprego, mas na ausência de um lugar apropriado ou escola para a criança, não é possível). A esta hora, ela terá tentado se ferir batendo-se dura e repetidamente na cabeça, e talvez jogado algum alimento ao redor, e se recusado a usar o banheiro, terminando por sujar um tapete; finalmente, terá exigido na única língua que conhece (uma palavra, repetida com força e volume crescentes) ir ao parque, mesmo que ainda esteja escuro lá fora.â?

Sem diagnóstico preciso e rápido, sem tratamento adequado, sem escolas especializadas (incluindo a rede pública): a estrada é longa para os pais que têm filhos autistas. Rachel, a mãe que dá seu depoimento no início dessa reportagem, casou-se novamente e conseguiu ter um neuropediatra que a oriente. Mas ela é uma exceção à regra entre os pais de milhares de crianças não diagnosticadas no Brasil, principalmente aquelas que dependem apenas do Sistema Énico de Saúde (SUS):

‘ Além de não se contar com profissionais especializados, que não dispõem de acesso a uma melhor formação profissional,o SUS oferece muito pouco em relação ao tratamento desta patologia e as famílias freqüentemente vêm recorrendo ao Ministério Público para tentar garantir o atendimento ‘ diz Pontes.

Para muitas famílias, saber exatamente o que o filho tem traz alívio e, no fim, alegria. Como disse Nick Hornby ao jornal The Guardian: ‘Você é confrontado com escolhas muito duras e problemas mais complicados. Mas termina pensando, acima de tudo, sobre o que é o amor, o que forma um ser humano, o que faz alguém feliz – o que faz Danny feliz. Há muito mais sentido ao pensar sobre o que você quer ser na sua vida.â?

Para saber mais, acesse Projeto Autistas

Até um ano e meio, Gabriel teve um desenvolvimento normal para um menino saudável. A partir dessa idade, porém, sua mãe começou a notar que ele não correspondia aos estímulos que ela lhe dava ‘ não atendia quando chamavam seu nome, não se animava com as brincadeiras, perdeu as poucas palavras que já falava. Divorciada, Rachel deixava o filho com a babá ou a mãe. O comportamento do menino, à medida que ele crescia, ia ficando mais difícil de entender. Rachel passou anos lutando entre ser mãe e profissional:

– O pai via o Gabriel nos fins de semana, mas quando aparecia um problema, como a babá faltar ou eu ter que levá-lo ao médico, era eu sozinha para resolver a situação. Ouvia indiretas do meu chefe de que sempre arrumava uma desculpa para me atrasar ou faltar. Passei noites em claro, sem entender o que estava acontecendo. Fui a não sei quantos médicos até finalmente descobrir, logo depois que ele fez sete anos, que meu filho é autista ‘ conta ela.

O autismo é uma das doenças que não tem diagnóstico fácil ‘ simplesmente porque a maioria dos médicos não tem conhecimento dos sintomas da doença. Segundo o neuropediatra Adailton Tadeu Pontes, o diagnóstico é feito através da avaliação de inúmeros profissionais de saúde:

‘ O diagnóstico dos casos clássicos não é difícil de ser feito, desde que os pofissionais de saúde tenham conhecimentos básicos sobre a doença. Os casos difíceis são aqueles que apresentam comprometimento mais suave e que podem ser confundidos com outras patologias mentais. Não existe exame laboratorial para o diagnóstico, o que só pode ser realizado através de uma avaliação clínica multidisciplinar que envolve no mínimo o médico neurologista ou psiquiatra infantil, fonoaudiólogos especializados em linguagem e psicólogos especializados em desenvolvimento infantil ‘ explica o médico, que é neuropediatra do Instituto Fernandes Figueira (RJ), onde é responsável pelo Ambulatório de Neuropediatria Especializado em Autismo.

Antes do diagnóstico, porém, as famílias sofrem ao não entender o que está acontecendo com o filho ‘ principalmente se os pais têm outros filhos saudáveis. A criança fica estigmatizada, como aconteceu com a filha do casal Aurélia e Marcelo Frades:

‘ A Mariana repetia as palavras sem parar e só falava na terceira pessoa. Agredia os colegas, batia a cabeça, tinha convulsões. Na primeira escolinha, a diretora nos disse que não renovaria a matrícula, porque outros pais estavam reclamando das agressões. Optamos por deixar a Mariana em casa, mas era um problema: o Marcelo ia trabalhar e eu terminava o dia exausta. Só conseguíamos conversar na sala de espera dos médicos. Assim foi nosso casamento até que um dia nos deram o diagnóstico de autismo ‘ nada mudou, mas agora nós sabíamos com que estávamos lidando.

Não existem remédios para autismo. Mas, segundo o neuropediatra, quando mais cedo o diagnóstico for feito e o tratamento iniciado, melhor:

‘ A intervenção precoce (antes dos três anos de idade) através de programas de reabilitação, que inclui fonoaudiologia especializada em linguagem, terapia ocupacional, psicologia do desenvolvimento, e técnicas pedagógicas especializadas para o autismo, melhora bastante o prognóstico a longo prazo, embora não se possa falar em cura.

Se é difícil para famílias que têm acesso a educação, informações e planos de saúde, para famílias mais carentes a situação é quase insustentável ‘ e, muitas vezes, o diagnóstico certo jamais é feito:

‘ Essa doença, quando não diagnosticada e devido ao comportamento difícil da criança, pode trazer graves conseqüências familiares, afetando bastante a relação entre os casais ‘ diz o médico.

Foi pensando em como famílias são irremediavelmente destruídas que o escritor inglês Nick Hornby (autor de, entre outros best sellers, ‘Um grande garotoâ? e ‘Alta fidelidadeâ?) organizou o livro ‘Falando com o anjoâ?, cujos lucros com a venda foram destinados à TreeHouse, escola londrina de educação para autistas (onde seu filho Danny estuda) fundada pelo escritor juntamente com sua ex-mulher e outros pais de autistas. Só no Reino Unido, país onde as redes de educação e saúde públicas são mais eficientes que as brasileiras, são mais de 76 mil crianças diagnosticadas autistas ‘ e poucas instituições para atendê-las.

Na introdução do livro, o escritor descreve a vida de uma família com um filho autista: ‘[A criança] dorme cinco ou seis horas cada noite; se puder ser mantido acordado até um pouco mais tarde, acordará somente às duas ou três da manhã. Assim que grita, seus pais, que têm talvez três ou quatro horas de sono por noite, sentem uma mistura do exaustão, depressão e pânico – vivem num mundo pequeno, e as paredes são finas, e sabem que não são as únicas pessoas que são perturbadas todas as noites. São seis horas da manhã e um deles deve sair para trabalhar (o outro gostaria de ter um emprego, mas na ausência de um lugar apropriado ou escola para a criança, não é possível). A esta hora, ela terá tentado se ferir batendo-se dura e repetidamente na cabeça, e talvez jogado algum alimento ao redor, e se recusado a usar o banheiro, terminando por sujar um tapete; finalmente, terá exigido na única língua que conhece (uma palavra, repetida com força e volume crescentes) ir ao parque, mesmo que ainda esteja escuro lá fora.â?

Sem diagnóstico preciso e rápido, sem tratamento adequado, sem escolas especializadas (incluindo a rede pública): a estrada é longa para os pais que têm filhos autistas. Rachel, a mãe que dá seu depoimento no início dessa reportagem, casou-se novamente e conseguiu ter um neuropediatra que a oriente. Mas ela é uma exceção à regra entre os pais de milhares de crianças não diagnosticadas no Brasil, principalmente aquelas que dependem apenas do Sistema Énico de Saúde (SUS):

‘ Além de não se contar com profissionais especializados, que não dispõem de acesso a uma melhor formação profissional,o SUS oferece muito pouco em relação ao tratamento desta patologia e as famílias freqüentemente vêm recorrendo ao Ministério Público para tentar garantir o atendimento ‘ diz Pontes.

Para muitas famílias, saber exatamente o que o filho tem traz alívio e, no fim, alegria. Como disse Nick Hornby ao jornal The Guardian: ‘Você é confrontado com escolhas muito duras e problemas mais complicados. Mas termina pensando, acima de tudo, sobre o que é o amor, o que forma um ser humano, o que faz alguém feliz – o que faz Danny feliz. Há muito mais sentido ao pensar sobre o que você quer ser na sua vida.â?

Para saber mais, acesse Projeto Autistas

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