Enquanto a guerrilha se reacende no Timor Leste e o Iraque continua a ocupar as páginas dos principais jornais do mundo, apenas aqueles que ainda acompanham o seriado ‘ERâ? (aqui chamado de ‘Plantão Médicoâ?) estão se familiarizando com o nome Darfur. Os produtores da série americana (assim como seus atores) engajaram-se na luta pelo reconhecimento mundial do genocídio que hoje se desenrola nessa província a oeste do Sudão, norte da África, onde vivem, em condições precárias, sete milhões de refugiados. No Brasil, somente aqueles que lêem atentamente o noticiário internacional dos jornais ou não perdem um capítulo do seriado exibido pelo canal pago “Warner” conseguem quantificar o tamanho da carnificina que se desenrola do outro lado do Atlântico.
‘Se virarmos nossa cabeça para o outro lado, na esperança de que essas pessoas desapareçam, elas farão nossa vontade ‘ todas elas sumirão, uma geração inteira de pessoas. E nós teremos somente a História para julgar-nos.â? George Clooney é um dos atores que, com discursos como este, proferido por ele numa imensa manifestação ocorrida no último dia 30 de abril em Washington, se engajou na campanha para que, em vez de desperdiçar as vidas dos soldados americanos numa ocupação inútil do Iraque, o governo americano ajude a Organização das Nações Unidas (ONU) a pôr fim ao conflito étnico que já dizimou mais de 400 mil pessoas ‘ a maioria por doenças e fome ‘ e tem no estupro a arma corriqueira de assimilação e destruição de uma etnia. Segundo relatórios da ONU, por causa do conflito há em Darfur 3,5 milhões de famintos; em deslocamento pelo país são mais de 2,5 milhões de pessoas.
Darfur tornou-se um imenso acampamento que começou a se formar em fevereiro de 2003, quando árabes e não-árabes, ocupantes muçulmanos da região desde o século XIII, iniciaram uma guerra pela supremacia na área, usando de chacinas, torturas, estupros e destruição sistemática de vilas. A ponta-de-lança de um dos lados é a milícia Janjaweed, formada por tribos árabes que seriam apoiadas pelo governo sudanês. Segundo levantamento feito pela ONU, sua estratégia de guerra é o estupro étnico de mulheres e meninas: as crianças nascidas, normalmente de pele mais clara, são chamadas pelas próprias mães de janjaweed, que na língua local quer dizer ‘diabo montado a cavaloâ?, e rejeitadas pela família e pela tribo.
A tragédia só aumenta para as quase três milhões de pessoas que abandonaram suas casas por causa do conflito. Muitas procuraram refúgio no vizinho Chade, igualmente instável e às portas de uma rebelião para derrubar o recém-reeleito Presidente Deby. A guerra fez surgir uma população de deslocados que não têm para onde ir, encurralada por milícias e grupos armados. Tratados de cessar-fogo são constantemente firmados entre os grupos rebeldes e regularmente desrespeitados: o último conflito aconteceu no dia 22 de maio, quando 50 pessoas morreram em ataques de grupos rebeldes a vilas e a membros do Janjaweed.
Moussa Hamani é chefe do departamento de informações da missão da União Africana em Darfur. Segundo ele, os conflitos só têm aumentado depois do precário acordo de paz assinado apenas pelo mais forte dos grupos rebeldes, o Exército de Libertação do Sudão. Segundo ele, ‘o problema é que todos querem expandir os territórios que controlam, antes que o desarmamento se torne efetivoâ?.
O acordo de paz de Abuja, assinado em 5 de maio, estabelece 37 dias para que o governo do Sudão faça cessar todos os ataques em Darfur e aprovar um plano de desarmamento das milícias Janjaweed. Os grupos rebeldes deporão as armas assim que as milícias o façam. Um primeiro passo para uma intervenção internacional foi dado quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou o envio de uma missão de paz em substituição à força da União Africana, incapaz de administrar a catástrofe que se anuncia.
Chefiando uma equipe formada por membros das Nações Unidas e da União Africana, o embaixador Lakhdar Brahimi (conselheiro especial do secretário-geral da ONU) vai a Darfur preparar o terreno para que uma missão de paz das Nações Unidas se estabeleça na região. Segundo ele, este é um passo importante na cooperação entre a comunidade internacional e o Sudão ‘ antes, resistente à entrada da equipe da ONU no país.
Ao jornal inglês The Guardian, Paul Rusesabagina ‘ o verdadeiro gerente do hotel em Ruanda que deu abrigo a milhares de refugiados durante a guerra entre tutsis e hutus ‘ declarou que o campo de refugiados no Chade é exatamente igual ao abrigo dos exilados ruandenses em 1993, vivendo sem comida, higiene ou educação. ‘Ano passado fui a Darfur e disse que estava acontecendo exatamente o mesmo que em Ruanda: helicópteros do governo destruindo vilarejos e milícias armadas pelos governantes do Sudão matando pessoas inocentes.â?
Paul Rusesabagina foi o gerente do hotel Des Mille Collines em Kigali durante o genocídio em Ruanda, conseguindo esconder e salvar assim cerca de 1200 pessoas. Rusesabagina encontrou-se com o presidente George Bush para discutir a situação no Sudão: ‘Quando comecei a descrever o conflito em Darfur e a situação daquelas pessoas, ele me deu uma simples resposta: ‘Isso não vai acontecer durante o meu mandato’. Mas os crimes, a fome e todo o horror continuam a acontecer mais e mais. É hora de substituir as palavras por açõesâ?.
Para muitos, o mundo tardou a acordar para o genocídio de Darfur: segundo declarou o presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Jakob Kellenberger, ‘a ajuda que chega é insuficiente e vem tarde demaisâ?.
Para saber mais e ajudar, acesse http://www.savedarfur.org/home