Ao viajarmos no túnel do tempo, que abrange vários séculos no desenvolvimento da tecnologia da informação, sabemos que a Pedra Fundamental foi o nascimento da Imprensa com Guttemberg, em 1454. Cabe aqui a lembrança, apenas a título de curiosidade, que demorou anos e anos entre cada nova invenção significativa, no campo daquilo que se pode entender como as várias possibilidades de obtenção de uma maior sapiência humana, já que o saber depende da informação. O telégrafo, por exemplo, o segundo invento dessa linha, demorou quase 400 anos para surgir. Depois, veio o que pode ser considerada uma segunda revolução industrial – a genial invenção do Telefone por G.Bell – em 1876. Após passados vinte e quatro anos, acontece a primeira transmissão da palavra, com o surgimento do Rádio, por volta de 1900. Em seguida, mais precisamente em 1936, nos deparamos com a Televisão, depois com o computador, em 1947, até chegarmos aos dias de hoje com as novas mídias, como é o caso da Internet, dos telefones celulares, das novas tecnologias dos cabos de fibra ótica e assim por diante.
Na medida em que nos defrontamos com uma ciência que propicia a criação de novas tecnologias, teoricamente colocadas a nosso favor e que deveriam ter o objetivo único de servir à humanidade, também vemos uma tecnologia que foge ao controle do Poder Público e acaba por colocar-se a serviço da perversidade humana, como ficou claro nos episódios ocorridos nos últimos dias, quando foi deflagrada a violência gerada pela comunicação via celular iniciada nos presídios de São Paulo, também estendida a outros estados com a mesma selvageria. Trata-se de um aparelhinho que virou o grande vilão da vez, já que se transformou na mais nova, eficaz e mortal arma. A devastação causada pelos efeitos do seu poder de comunicação é ainda impossível de ser mensurada, já que o celular, enquanto instrumento a favor da tecnologia da informação, detêm um poder multiplicador da crueldade de seres destituídos de quaisquer valores essenciais de civilidade, o que a população e o próprio Poder Público assistem de forma completamente impotente.
Unindo-se a este quadro, e que considero como o pior de todos, – e que talvez seja a própria conseqüência da inversão de valores que acontece agora em São Paulo e que já ocorreu no Rio na época que o bandido Beira Mar ditava as ordens no comércio -, é o que temos presenciado nos últimos tempos, ao assistir de camarote o descaso que assola esse País em várias representações dos Poderes, quer seja do Legislativo, do Judiciário ou do Executivo, onde o que se vê – se não a ganância desenfreada de muitos – é, no mínimo, a incompetência de vários na gestão do nosso País, no que tange às questões essenciais que começam pela educação, passam pela saúde e pela necessidade premente de uma melhor divisão de rendas.
Aliado a isto tudo, está nossa perda de capacidade de refletir sobre a situação limite que não escolhe suas vítimas, quer seja por raça, condição social ou econômica. E não estou me referindo apenas a um assaltante à mão armada. Refiro-me, também, por exemplo, às novas tecnologias de informação que propiciam que empresas, através dos seus Call Centers, onde operadores muito bem treinados ‘ parece que todos foram treinados pela mesma empresa – fazem o cliente perder um tempo precioso ao telefone, inclusive muitas vezes cobrando pelas ligações. Essas novas tecnologias não só ajudam a ludibriar como têm a capacidade de irritar. Não raro, o consumidor se vê completamente impotente ao tentar reclamar de um mal serviço prestado e a ele não é dado voz ou um tratamento justo e que lhe garanta seus de direitos.
Vivemos um período triste de mordaça que a Ditadura no impôs por duas décadas. Hoje, vivendo a tão almejada democracia, falta a nós a capacidade de colocar voz à nossa indignação ou, talvez, o que falta a nós é a própria capacidade de nos indignar com o que está ocorrendo neste País. Em todos os setores da vida pública ou privada, nos deparamos com uma quase total e implacável inversão dos valores, onde a ética é totalmente subvertida, a moral corrompida e o caráter do homem brasileiro adulterado.
Antes que seja tarde, e para que possamos vislumbrar um futuro melhor para a geração por vir, temos que fazer a nossa parte. Vamos aproveitar que estamos em um ano eleitoral, para exercer a nossa soberania enquanto povo e lutar, através de voto consciente, por um potencial sistema político que esteja completamente comprometido com o resgate aos valores éticos e morais, e assim, quem sabe, poder garantir o bem estar social e o respeito aos reais direitos dos cidadãos.
Marilene Lopes é jornalista, professora universitária e autora dos livros ‘Quem Tem Medo de Ser Notícia ‘ a mídia formando ou ‘deformandoâ? imagensâ?; e ‘Antes que seja Tarde ‘ executiva workaholic narra o diário do seu AVCâ?