Assuntos como assédio, estupro e aborto têm tomado conta dos noticiários recentemente. Até parece notícia repetida, mas não é. No intervalo de apenas um mês, ao menos quatro casos vieram à tona, causando espanto na sociedade e levantando um debate antigo: a legalização do aborto.
No dia 23 de junho, uma menina de 11 anos, vítima de estupro em Santa Catarina, realizou o procedimento de interrupção de gestação. Como a situação se tratava de estupro de vulnerável, crime previsto no artigo 217, o Código Penal permite o aborto. Três dias depois, a atriz Klara Castanho veio à público compartilhar uma situação um tanto desagradável. Ela também foi vítima de estupro, o que resultou em uma gravidez indesejada. No entanto, a jovem resolveu não fazer o aborto e, após o parto, entregou o bebê à adoção.
Na última semana, um médico anestesista foi preso após ter sido flagrado estuprando uma mulher durante um parto de cesariana, no estado do Rio de Janeiro.
Já a situação mais recente foi o de outra menina de 11 anos que engravidou e era mantida em cárcere privado, além de sofrer abusos recorrentes dentro da própria casa, também no Rio. As autoridades só tiveram conhecimento do caso, pois a criança precisou ser levada ao hospital após complicações no pós-parto.
Leia também:
+ Presidente da Funai é hostilizado por indigenista na Espanha; entidade repudia
+ MP do Paraná denuncia bolsonarista por homicídio e aponta motivo fútil
Apesar dos crescentes relatos nos casos de abuso e estupro que resultam em gravidez indesejadas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e a classe mais conservadora não escondem sua opinião sobre a questão. Para eles, é inadmissível a realização do procedimento, mesmo que a criança ou a mulher tenha sido vítima de um estupro. No entanto, 83% da população se diz a favor ao direito de interromper a gravidez em casos de estupro.
De acordo com uma pesquisa realizada pela ONG Católicas Pelo Direito de Decidir em parceria com o Instituto Ipsos, cerca de 67% da sociedade brasileira apoiam o aborto em situações específicas. Além disso, o estudo mostra ainda que 19% dos brasileiros defendem que o procedimento seja realizado em qualquer circunstância. Já 14% acreditam que a prática deveria ser proibida.
A pesquisadora Gisele Pereira acredita que há uma diferença entre o que os políticos acham que a população pensa e o que de fato a população vê em relação ao aborto. “É um equívoco muito grande continuar colocando a questão do aborto no lugar da polêmica, como se fosse um assunto tabu, intocável. Essa é uma estratégia política do conservadorismo, a quem interessa o controle dos corpos e das vidas das mulheres e pessoas que gestam”, explica.
Ainda segundo a pesquisa, 85% dos brasileiros acreditam que menos mulheres morreriam por abortos clandestinos se o procedimento não fosse criminalizado. Além disso, quase 75% rejeitam a prisão de uma mulher por esta prática.
Os dados apontam ainda uma relação entre a religião e o assunto. Mais de oito em cada 10 católicos brasileiros acreditam que a fé não está obrigatoriamente ligada à decisão da mulher interromper a gravidez.