A escola de samba Cacique do Parque divulgou o seu enredo para o Carnaval 2020: “Joga-se Búzios”. O tema será desenvolvido pelo carnavalesco Bruno Laurato.
No próximo ano, a agremiação será a quarta a se apresentar no sábado, 22 de fevereiro, pelo Grupo de Acesso de Bairros 2 da União das Escolas de Samba Paulistanas (Uesp).
Confira o logotipo:
Leia a sinopse:
Laroyê, Exu!
Tudo tem início no mar. Do sal das águas surge a figura principal do nosso carnaval. Quantas possibilidades pode ter um objeto que, até emergir em solo firme, é utilizado como morada de moluscos? Não é uma concha comum. É adorno. É sagrada. É rito. É comunicação. É movimento. É Búzio.
Em 2020, o Cacique joga o búzio no tabuleiro e vislumbra as diversas faces, propostas, histórias e possibilidades que apresenta a mais sagrada concha presente no oceano.
Búzio que me traz mensagens de lá.
Em religiões de matrizes africanas, a pedra torna-se sagrada e é utilizada como uma das principais formas de comunicação com o Orum, o céu.
Reza a lenda que no tempo em que não havia separação entre o céu e a terra (Orum e Ayiê) Orunmilá – divindade da sabedoria e do conhecimento, responsável pela transmissão das orientações dos deuses e dos ancestrais, aborrecido com o mais novo de seus filhos, que recusou-se a homenagear o pai em um dia de festa, retirou-se para o Orum rompendo qualquer ligação com os que ficaram no ayiê.
Com a intenção de convencer o pai a voltar, os demais filhos fizeram oferendas e festa. De nada adiantou. Orunmilá nunca mais voltou à terra. No entanto, como forma de afeto, deu aos filhos dezesseis nozes de dendê, que seria o modo de comunicação entre eles e o Ifá quando ocorressem problemas na terra.
Orunmilá e Ifá tornam-se a mesma pessoa. Um é a sabedoria. O outro, o oráculo, o sistema divinatório composto de diversos métodos, entre eles o merindilogun ou jogo de búzios. Orumilá é a divindade e Ifá é o sistema onde esta divindade se manifesta. Não há Ifá sem Orumilá e nem Orumilá sem Ifá.
A pedra do búzio é consagrada. É o modelo de comunicação entre nós do Ayiê, com o sagrado, o Orum. No jogo, que é praticado apenas em religiões de matrizes africanas, cada pedra representa um Odú, que pode ser compreendido como os 16 filhos de Orunmilá ou os 16 signos de Ifá – e também como os 16 orixás. Em cada caída, um odú responde às questões apresentadas por quem está sendo consultado. Cabe aos yalorixás, únicos que possuem a mão de leitura, interpretar a queda das pedras. O jogo fala de amor, de destino, de caminho, de futuro, de passado e de presente. É o fato e certeza. É a mensagem que vem do sagrado.
E se falamos de mensagem, agradecemos ao mensageiro. Laroyê Exu. Exu tudo sabe, tudo vê, vai longe, volta rápido e é dono da comunicação. Exu que sabe o caminho do Orun-Aiye. Exu come primeiro. Exu vem na frente no panteão dos orixás. Nada foge ao Orixá e por isso ele é o primeiro a ser saudado. Não se entra sem a licença de Exu. Exu tá em toda entrada, portão ou porteira. E, na mesma medida que é o orixá de comunicação, Exu também é brincante, ri e zomba. Tanto que, segundo a lenda, é devido a uma brincadeira feita por Exu a Obatalá que Oxum consegue descobrir o segredo do jogo da adivinhação.
Enquanto banhava-se no Rio, Obatalá, que aprenderá com Orunmilá o segredo das caídas de búzios, foi surpreendido por Exu, que levou as suas vestes embora como forma de brincadeira, deixando o orixá nú. Oxum, que passava por perto, se deparou com a cena e, faceira, decidiu ajudar o grande orixá, contanto que este ensinasse a ela o segredo do jogo. Mesmo contrariado, Obatalá não viu outra opção e aceitou.
A beleza e a sensualidade da orixá dona do ouro e das águas doces enfeitiçaram Exu que, mesmo sendo esperto, acabou cedendo e caindo no encanto da yabá que consegue, portanto, recuperar as vestes de Obatalá e, consequentemente, aprende o segredo do jogo da adivinhação. Ainda hoje, é possível ver no centro de alguns tabuleiros de jogo de búzios o rosto da orixá, que é rainha das águas doces, mora na cachoeira, é de riqueza e de prosperidade e dona dos segredos da buziomancia. Ora iê iê, Oxum!
Búzio é adorno para quem é de santo e pra quem não é
Ainda sagrada, a pedra de búzio é muito utilizada como adorno para aparatos de orixás. Estes, quando vêm em terra nos terreiros de umbanda e candomblé, são recebidos com roupas e rendas, além de adornos feito de búzios. Entre elas, está Nanã, orixá velha, senhora de muitos búzios e dona da morte, fecundidade e riqueza. A pedra também é base para a confecção de colares e brajás ou leguidibás, que são adereços destinados aos mais velhos adeptos de religiões afros, ou seja, mães e pais de santo. No entanto, é comum perceber a grande utilização do búzio também em pessoas que não pertencem a religião, utilizando a pedra como colares, pulseiras e braceletes.
Búzio que vale ouro
Na África, mais precisamente em Uganda, quando despontou as primeiras pedras na costa, por volta do século 11 a.C., logo o valor inestimável do búzio foi percebido pelos habitantes, tanto que ela foi utilizada por um longo período como moeda de troca. Ainda no século 19, por volta do ano de 1890, ainda era possível ver a circulação do búzio como moeda no país, motivo que justifica as constantes – e frustradas – tentativas dos colonizadores em fazer com que a população aceitasse a troca de moeda de primeira.
Búzio que me inspira a lutar
O búzio no Brasil surge na luta. Tanto que é nome de revolta. A Revolta dos Búzios foi um movimento de caráter emancipacionista e popular, ocorrido no século XVIII na Bahia. Os heróis defendiam a libertação dos escravos, a instauração de um governo igualitário, a instalação de uma república na Bahia, a liberdade de comércio e o aumento salarial dos soldados. Os militares Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens e os alfaiates Manoel Faustino e João de Deus, líderes da Revolta dos Búzios – também conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Conjuração Baiana – foram reconhecidos como heróis nacionais em 2011. Já o nome Búzio se dá ao fato de alguns revoltosos usarem um búzio (concha de molusco em forma de espiral) preso à uma pulseira para facilitar a identificação entre si.
Búzio onde eu vou passar as férias
Também no Brasil, o búzio teve outra grande importância, principalmente na região Sudoeste, no interior do Rio de Janeiro, onde está localizada a cidade de Búzios. Alguns historiadores afirmam que esse nome foi dado pelos portugueses em virtude da grande quantidade de pedra que era possível encontrar nas praias, assim como em Uganda, na África. Hoje, Búzios é um dos destinos mais procurados do país. Nos anos 60, foi cenário para filmes internacionais. A cidade tem sua origem de uma pequena aldeia que, outrora, foi povoada por índios, portugueses e piratas franceses. A aldeia também foi ponto de tráfico de escravos negreiros.
Búzio que é o enredo do meu samba
Hoje, o Cacique dedica a sua festa a pedra cuja importância é enorme para a cultura africana no país. Tanto que ainda é um dos maiores símbolos quando se fala em afro. O búzio é o motivo desse carnaval. E isso por que é sagrado: porque é resistência, porque é afro, porque é bonito, porque é movimento, por que nos fala sobre o caminho e porque nos afirma que o destino do povo da tribo do samba é comemorar.