2022: ano de renascimento para o cinema

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No final de 2021, a população mundial tentava se adaptar ao “novo normal” tendo a esperança, proporcionada pela Ciência e disponibilização de vacinas, como guia para 2022, lutando não apenas contra o SARS-CoV-2, como também contra o negacionismo tão nocivo quanto o próprio coronavírus, que há quase três anos causa dor, medo e sofrimento a […]

POR Ana Carolina Garcia20/12/2022|11 min de leitura

2022: ano de renascimento para o cinema

O modelo tradicional de cinema se fortaleceu em 2022. Arte: Freepik

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No final de 2021, a população mundial tentava se adaptar ao “novo normal” tendo a esperança, proporcionada pela Ciência e disponibilização de vacinas, como guia para 2022, lutando não apenas contra o SARS-CoV-2, como também contra o negacionismo tão nocivo quanto o próprio coronavírus, que há quase três anos causa dor, medo e sofrimento a milhões de famílias mundo afora. A pandemia e o negacionismo ainda assombram todas as nações, mas a vacinação exerceu efeito positivo sobre as taxas de óbitos e casos graves de Covid-19, permitindo que as pessoas retomassem atividades cotidianas da era pré-pandêmica. Uma dessas atividades, a ida ao cinema.

 

A indústria cinematográfica e o circuito exibidor precisavam se reerguer das cinzas em 2022 de uma maneira que não foi possível no ano anterior, assolado por variantes de preocupação do SARS-CoV-2 e, consequentemente, por ondas de casos de Covid-19 que afastaram o público das salas de exibição, causando imenso impacto sobre a receita necessária para manter as engrenagens funcionando a pleno vapor, principalmente as de Hollywood, a capital mundial do cinema. E isso impulsionou o efeito dominó de adiamentos e cancelamentos, iniciado em 2020, no momento de ascensão das plataformas de streaming.

 

Oferecendo entretenimento seguro e doméstico em meio ao caos pandêmico, as plataformas digitais ascenderam de forma rápida em 2020, recebendo, inclusive, títulos originalmente agendados para o circuito comercial, lançando-os exclusiva ou simultaneamente com os cinemas, o que gerou um terremoto em Hollywood. Contudo, este ano, o cenário se tornou favorável ao modelo tradicional de cinema, calcado na experiência proporcionada pela tela grande da sala de exibição, local tradicionalmente de socialização. Depois de tantos lockdowns, o público, mesmo sem que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciasse o fim da pandemia, estava sedento por alguma normalidade.

 

O renascimento do modelo tradicional de cinema começou a ser delineado, de fato, quando “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” (Spider-Man: No Way Home – 2021, EUA), de Jon Watts, chegou ao circuito exibidor em dezembro de 2021, depois de um imbróglio entre a Sony Pictures e a The Walt Disney Company que quase o impediu de sair do papel. Integrando o Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), o longa estrelado por Tom Holland levou as massas de volta às salas de exibição, mostrando a importância do filão de super-herói para a indústria contemporânea, sobretudo no momento de recuperação financeira tanto para estúdios quanto para exibidores, que sentiram as dificuldades impostas pela pandemia. Ao todo, o filme arrecadou US$ 1,9 bilhão em bilheterias mundiais, pavimentando o caminho para outros títulos de peso em 2022.

 

“The Batman” é protagonizado por Robert Pattinson (Foto: Divulgação / Crédito: Warner Bros.).

 

O primeiro grande sucesso comercial deste ano também integra o filão de super-herói, considerado uma das boias de salvação após a reabertura gradual das salas a partir do segundo semestre de 2020, mas produzido pela Warner Bros., baseado nos quadrinhos da DC Comics: “Batman” (The Batman – 2022, EUA), de Matt Reeves. Um dos títulos mais aguardados dos últimos anos e, não há como negar, impactados pela crise sanitária que originou a econômica, o longa entrou em cartaz em março mostrando que o Homem-Morcego de Robert Pattinson não era apenas o defensor de Gotham, mas do cinema como um todo, pois fortaleceu a indústria tão enfraquecida pela Covid-19 e amedrontada pela ascensão do streaming.

 

Tom Cruise é protagonista e produtor de “Top Gun: Maverick” (Foto: Divulgação / Paramount Pictures).

No entanto, com o circuito exibidor dominado por super-heróis, um filme chegou para mostrar que há retorno financeiro sem a necessidade de capa nem superpoderes: “Top Gun: Maverick – 2022, EUA), de Joseph Kosinski, também adiado diversas vezes em virtude da Covid-19. Produzida e estrelada por Tom Cruise, esta sequência direta do clássico “Top Gun – Ases Indomáveis” (Top Gun – 1986, EUA), de Tony Scott, era aguardada com ansiedade há mais de 30 anos e foi a grande responsável pelo retorno às salas de exibição da fatia do público, especialmente acima dos 35 anos de idade, que ainda se resguardava em casa.

 

Fenômeno absoluto de público e crítica, “Top Gun: Maverick” mostrou como a experiência cinematográfica proporcionada pela sala de exibição se sobrepõe àquela do streaming, que, mesmo popular, não manteve a velocidade de crescimento observada em 2020 e 2021. Por esta razão, o retorno de Maverick ao cockpit tem sido tão celebrado por muitos, mesmo sem que Tom Cruise tenha permitido o encurtamento da janela de exibição do longa, contrariando a Paramount – muitos títulos seguem com suas janelas encurtadas, chegando rapidamente ao streaming e TV por assinatura. Mas antes mesmo da estreia do longa em maio, as plataformas digitais, mais precisamente a Apple TV+, comemoraram uma vitória no palco do Dolby Theatre: a do Oscar de melhor filme para “No Ritmo do Coração” (CODA – 2021, EUA / França / Canadá) – essa vitória tem peso enorme sobretudo por questões de representatividade e inclusão, pois deu lugar de destaque a uma parcela da sociedade que pouco foi retratada pela indústria cinematográfica, a de deficientes auditivos.

 

Dirigido e roteirizado por Siân Heder, “No Ritmo do Coração” entrou para o livro de História da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) como o primeiro longa-metragem produzido por e para o streaming a vencer a estatueta principal do Oscar. Com isso, a AppleTV+ concretizou o sonho dourado que há tempos é perseguido pela Netflix, que, nos últimos anos, amargou derrotas significativas mesmo chegando com o status de favorita, por vezes, liderando em número de indicações, como este ano com “Ataque dos Cães” (The Power of the Dog – 2021, Reino Unido / Canadá / Austrália / Nova Zelândia / EUA), que levou apenas uma das 12 estatuetas que disputava, no caso, a de melhor direção para Jane Campion, que se tornou a terceira mulher a vencer nesta categoria – as outras são Kathryn Bigelow por “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker – 2008, EUA) e Chloé Zhao por “Nomadland” (Nomadland – 2020, EUA).

 

“No Ritmo do Coração”: equipe comemora a vitória no Oscar 2022 (Foto: Divulgação – Crédito: Michael Baker / A.M.P.A.S.).

 

Enquanto a AMPAS produzia uma cerimônia de acordo com as demandas atuais da sociedade, causando polêmica somente por decisão (absurda e recentemente revogada) de bastidores, a de cortar a entrega de oito categorias técnicas da transmissão ao vivo, diminuindo a importância de inúmeros profissionais em prol da agilidade para conquistar índices de audiência, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association – HFPA) foi enviada diretamente para o limbo depois de novas polêmicas envolvendo a instituição, que, boicotada pela comunidade hollywoodiana, teve de se reinventar por meio de novas regras e membros, reconquistando seu espaço e, consequentemente, tendo sua cerimônia confirmada na grade de programação da NBC em janeiro de 2023. Neste ponto, vale lembrar que a HFPA é a responsável pela entrega de um dos prêmios mais importantes, historicamente, do cinema americano, o Globo de Ouro, uma das principais prévias do Oscar.

 

Paralelamente a isso, a AT&T’s WarnerMedia e a Discovery finalizavam os termos de um acordo de fusão no valor de US$ 43 bilhões, segundo o The Hollywood Reporter, fechado em abril, criando uma nova gigante do setor, a Warner Bros. Discovery (WBD). O impacto dessa fusão será dimensionado, de fato, nos próximos meses, quando todas as mudanças forem implementadas, mas, uma delas, despertou o interesse do público: a junção das plataformas digitais HBO Max e Discovery+, prevista para o primeiro semestre de 2023 no mercado americano. Além disso, a companhia tem planos de disponibilizar um streaming gratuito que, provavelmente, seguirá a fórmula conhecida da Pluto TV, por exemplo. O anúncio da fusão estremeceu as estruturas de Hollywood, chamando a atenção, principalmente, para o prejuízo amargado pela plataforma, US$ 3,4 bilhões, de acordo com a Forbes.

 

Quando o acordo foi assinado, o mundo assistia atônito à invasão da Ucrânia pela Rússia, gerando uma reação da indústria cinematográfica americana, que decidiu por não lançar seus filmes no país presidido por Vladimir Putin, sendo a The Walt Disney Company a primeira empresa do setor a anunciar sua decisão. Mas, enquanto Hollywood anunciava o boicote à Rússia, a China seguia boicotando e/ou censurando as produções hollywoodianas para priorizar a sua própria.

 

Maior mercado do cinema contemporâneo, a China cresceu nas bilheterias mundiais durante os primeiros anos da pandemia, emplacando, inclusive, três títulos entre os cinco mais lucrativos do ano passado – “The Battle at Lake Changjin” (Zhang jin hu – 2021, China), campeão com US$ 902,4 milhões; “Hi, Mom” (Ni hao, Li Huan Ying – 2021, China), 2a posição com US$ 822 milhões; e “Detective Chinatown 3” (Detective Chinatown 3 – 2021, China), 5o lugar com US$ 686,2 milhões. Mas as produções chinesas perderam força no Top 10 das bilheterias deste ano, pois a China, até a presente data, emplacou dois longas-metragens no ranking, o drama de viés nacionalista “The Battle at Lake Changjin: Water Gate Bridge” (Water Gate Bridge – 2022, China), de Hark Tsui, Kaige Chen (não creditado) e Dante Lam (não creditado), e a comédia “Moon Man” (Du xing yue qiu – 2022, China), de Chiyu Zhang, ameaçada pela ascensão de “Avatar: O Caminho da Água” (Avatar: The Way of Water – 2022, EUA) – no primeiro semestre, outra produção chinesa figurava no Top 10, a comédia “Too Cool to Kill” (Zhe ge sha shou bu tai leng jing – 2022, China), que agora ocupa a 19a posição. E, portanto, está numa situação desconfortável se comparada à do ano passado.

 

Bob Iger em evento da AMPAS em 11 de abril de 2013 (Foto: Divulgação – Crédito: Matt Petit / ©A.M.P.A.S.).

 

No entanto, um dos maiores abalos sísmicos do segundo semestre na capital mundial do cinema aconteceu em novembro, quando a Disney anunciou a destituição de seu CEO, Bob Chapek, e o retorno de Bob Iger ao cargo. Um dos líderes mais proeminentes da história da Casa do Mickey, responsável por um legado calcado na expansão do império construído por Walt e Roy Disney, Iger reassumiu o controle da empresa depois de uma série de polêmicas nos últimos meses envolvendo a administração de Chapek, que tinha, dentre tantos desafios, de desvencilhar da sombra de seu antecessor, o próprio Iger, que retorna para “colocar a casa em ordem”.

 

Enquanto Hollywood lutava contra seus próprios problemas, o cinema brasileiro seguia tentando superar os seus, dentre eles, orçamentários e a ameaça constante de fechamento de salas tradicionais. Mesmo assim, a produção brasileira surpreendeu com títulos que levam o espectador à reflexão, como por exemplo, “Carvão” (Carvão – 2022, Brasil) e “Pacificado” (Pacificado – 2022, Brasil / EUA), respectivamente dirigidos por de Carolina Markowicz e Paxton Winters.

 

“Eduardo e Mônica” é protagonizado por Gabriel Leone e Alice Braga (Foto: Divulgação).

 

Além disso, o cinema brasileiro brindou o público com uma produção de grande apelo popular, conduzida com muita firmeza por René Sampaio, “Eduardo e Mônica” (Eduardo e Mônica – 2020, Brasil) – Sampaio também dirigiu “Faroeste Caboclo” (Faroeste Caboclo – 2013, Brasil). Inicialmente agendado para 2020, o longa se destaca pelo cuidado para com a adaptação da canção homônima da Legião Urbana, um de seus maiores sucessos, na verdade, mostrando os desafios impostos por um relacionamento amoroso entre uma mulher mais velha e um jovem estudante, defendidos com dignidade por Alice Braga e Gabriel Leone.

 

O ano chega ao fim mostrando que o modelo tradicional de cinema e as plataformas digitais têm condições de alcançar a necessária coexistência pacífica, seguindo os exemplos do passado, quando a televisão e o videocassete foram vistos como ameaças em potencial. E, principalmente, mantendo o sentimento de esperança de 2021, com o cinema renascendo das cinzas como uma Fênix, mesmo ciente dos desafios que o aguardam em 2023, que promete, ao menos para a arte cinematográfica, ser mais próspero.

 

Leia também:

The Walt Disney Company: Bob Iger retorna como CEO

Top 10: as maiores bilheterias do primeiro semestre de 2022

2021: o ano da resiliência

No final de 2021, a população mundial tentava se adaptar ao “novo normal” tendo a esperança, proporcionada pela Ciência e disponibilização de vacinas, como guia para 2022, lutando não apenas contra o SARS-CoV-2, como também contra o negacionismo tão nocivo quanto o próprio coronavírus, que há quase três anos causa dor, medo e sofrimento a milhões de famílias mundo afora. A pandemia e o negacionismo ainda assombram todas as nações, mas a vacinação exerceu efeito positivo sobre as taxas de óbitos e casos graves de Covid-19, permitindo que as pessoas retomassem atividades cotidianas da era pré-pandêmica. Uma dessas atividades, a ida ao cinema.

 

A indústria cinematográfica e o circuito exibidor precisavam se reerguer das cinzas em 2022 de uma maneira que não foi possível no ano anterior, assolado por variantes de preocupação do SARS-CoV-2 e, consequentemente, por ondas de casos de Covid-19 que afastaram o público das salas de exibição, causando imenso impacto sobre a receita necessária para manter as engrenagens funcionando a pleno vapor, principalmente as de Hollywood, a capital mundial do cinema. E isso impulsionou o efeito dominó de adiamentos e cancelamentos, iniciado em 2020, no momento de ascensão das plataformas de streaming.

 

Oferecendo entretenimento seguro e doméstico em meio ao caos pandêmico, as plataformas digitais ascenderam de forma rápida em 2020, recebendo, inclusive, títulos originalmente agendados para o circuito comercial, lançando-os exclusiva ou simultaneamente com os cinemas, o que gerou um terremoto em Hollywood. Contudo, este ano, o cenário se tornou favorável ao modelo tradicional de cinema, calcado na experiência proporcionada pela tela grande da sala de exibição, local tradicionalmente de socialização. Depois de tantos lockdowns, o público, mesmo sem que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciasse o fim da pandemia, estava sedento por alguma normalidade.

 

O renascimento do modelo tradicional de cinema começou a ser delineado, de fato, quando “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” (Spider-Man: No Way Home – 2021, EUA), de Jon Watts, chegou ao circuito exibidor em dezembro de 2021, depois de um imbróglio entre a Sony Pictures e a The Walt Disney Company que quase o impediu de sair do papel. Integrando o Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), o longa estrelado por Tom Holland levou as massas de volta às salas de exibição, mostrando a importância do filão de super-herói para a indústria contemporânea, sobretudo no momento de recuperação financeira tanto para estúdios quanto para exibidores, que sentiram as dificuldades impostas pela pandemia. Ao todo, o filme arrecadou US$ 1,9 bilhão em bilheterias mundiais, pavimentando o caminho para outros títulos de peso em 2022.

 

“The Batman” é protagonizado por Robert Pattinson (Foto: Divulgação / Crédito: Warner Bros.).

 

O primeiro grande sucesso comercial deste ano também integra o filão de super-herói, considerado uma das boias de salvação após a reabertura gradual das salas a partir do segundo semestre de 2020, mas produzido pela Warner Bros., baseado nos quadrinhos da DC Comics: “Batman” (The Batman – 2022, EUA), de Matt Reeves. Um dos títulos mais aguardados dos últimos anos e, não há como negar, impactados pela crise sanitária que originou a econômica, o longa entrou em cartaz em março mostrando que o Homem-Morcego de Robert Pattinson não era apenas o defensor de Gotham, mas do cinema como um todo, pois fortaleceu a indústria tão enfraquecida pela Covid-19 e amedrontada pela ascensão do streaming.

 

Tom Cruise é protagonista e produtor de “Top Gun: Maverick” (Foto: Divulgação / Paramount Pictures).

No entanto, com o circuito exibidor dominado por super-heróis, um filme chegou para mostrar que há retorno financeiro sem a necessidade de capa nem superpoderes: “Top Gun: Maverick – 2022, EUA), de Joseph Kosinski, também adiado diversas vezes em virtude da Covid-19. Produzida e estrelada por Tom Cruise, esta sequência direta do clássico “Top Gun – Ases Indomáveis” (Top Gun – 1986, EUA), de Tony Scott, era aguardada com ansiedade há mais de 30 anos e foi a grande responsável pelo retorno às salas de exibição da fatia do público, especialmente acima dos 35 anos de idade, que ainda se resguardava em casa.

 

Fenômeno absoluto de público e crítica, “Top Gun: Maverick” mostrou como a experiência cinematográfica proporcionada pela sala de exibição se sobrepõe àquela do streaming, que, mesmo popular, não manteve a velocidade de crescimento observada em 2020 e 2021. Por esta razão, o retorno de Maverick ao cockpit tem sido tão celebrado por muitos, mesmo sem que Tom Cruise tenha permitido o encurtamento da janela de exibição do longa, contrariando a Paramount – muitos títulos seguem com suas janelas encurtadas, chegando rapidamente ao streaming e TV por assinatura. Mas antes mesmo da estreia do longa em maio, as plataformas digitais, mais precisamente a Apple TV+, comemoraram uma vitória no palco do Dolby Theatre: a do Oscar de melhor filme para “No Ritmo do Coração” (CODA – 2021, EUA / França / Canadá) – essa vitória tem peso enorme sobretudo por questões de representatividade e inclusão, pois deu lugar de destaque a uma parcela da sociedade que pouco foi retratada pela indústria cinematográfica, a de deficientes auditivos.

 

Dirigido e roteirizado por Siân Heder, “No Ritmo do Coração” entrou para o livro de História da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) como o primeiro longa-metragem produzido por e para o streaming a vencer a estatueta principal do Oscar. Com isso, a AppleTV+ concretizou o sonho dourado que há tempos é perseguido pela Netflix, que, nos últimos anos, amargou derrotas significativas mesmo chegando com o status de favorita, por vezes, liderando em número de indicações, como este ano com “Ataque dos Cães” (The Power of the Dog – 2021, Reino Unido / Canadá / Austrália / Nova Zelândia / EUA), que levou apenas uma das 12 estatuetas que disputava, no caso, a de melhor direção para Jane Campion, que se tornou a terceira mulher a vencer nesta categoria – as outras são Kathryn Bigelow por “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker – 2008, EUA) e Chloé Zhao por “Nomadland” (Nomadland – 2020, EUA).

 

“No Ritmo do Coração”: equipe comemora a vitória no Oscar 2022 (Foto: Divulgação – Crédito: Michael Baker / A.M.P.A.S.).

 

Enquanto a AMPAS produzia uma cerimônia de acordo com as demandas atuais da sociedade, causando polêmica somente por decisão (absurda e recentemente revogada) de bastidores, a de cortar a entrega de oito categorias técnicas da transmissão ao vivo, diminuindo a importância de inúmeros profissionais em prol da agilidade para conquistar índices de audiência, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association – HFPA) foi enviada diretamente para o limbo depois de novas polêmicas envolvendo a instituição, que, boicotada pela comunidade hollywoodiana, teve de se reinventar por meio de novas regras e membros, reconquistando seu espaço e, consequentemente, tendo sua cerimônia confirmada na grade de programação da NBC em janeiro de 2023. Neste ponto, vale lembrar que a HFPA é a responsável pela entrega de um dos prêmios mais importantes, historicamente, do cinema americano, o Globo de Ouro, uma das principais prévias do Oscar.

 

Paralelamente a isso, a AT&T’s WarnerMedia e a Discovery finalizavam os termos de um acordo de fusão no valor de US$ 43 bilhões, segundo o The Hollywood Reporter, fechado em abril, criando uma nova gigante do setor, a Warner Bros. Discovery (WBD). O impacto dessa fusão será dimensionado, de fato, nos próximos meses, quando todas as mudanças forem implementadas, mas, uma delas, despertou o interesse do público: a junção das plataformas digitais HBO Max e Discovery+, prevista para o primeiro semestre de 2023 no mercado americano. Além disso, a companhia tem planos de disponibilizar um streaming gratuito que, provavelmente, seguirá a fórmula conhecida da Pluto TV, por exemplo. O anúncio da fusão estremeceu as estruturas de Hollywood, chamando a atenção, principalmente, para o prejuízo amargado pela plataforma, US$ 3,4 bilhões, de acordo com a Forbes.

 

Quando o acordo foi assinado, o mundo assistia atônito à invasão da Ucrânia pela Rússia, gerando uma reação da indústria cinematográfica americana, que decidiu por não lançar seus filmes no país presidido por Vladimir Putin, sendo a The Walt Disney Company a primeira empresa do setor a anunciar sua decisão. Mas, enquanto Hollywood anunciava o boicote à Rússia, a China seguia boicotando e/ou censurando as produções hollywoodianas para priorizar a sua própria.

 

Maior mercado do cinema contemporâneo, a China cresceu nas bilheterias mundiais durante os primeiros anos da pandemia, emplacando, inclusive, três títulos entre os cinco mais lucrativos do ano passado – “The Battle at Lake Changjin” (Zhang jin hu – 2021, China), campeão com US$ 902,4 milhões; “Hi, Mom” (Ni hao, Li Huan Ying – 2021, China), 2a posição com US$ 822 milhões; e “Detective Chinatown 3” (Detective Chinatown 3 – 2021, China), 5o lugar com US$ 686,2 milhões. Mas as produções chinesas perderam força no Top 10 das bilheterias deste ano, pois a China, até a presente data, emplacou dois longas-metragens no ranking, o drama de viés nacionalista “The Battle at Lake Changjin: Water Gate Bridge” (Water Gate Bridge – 2022, China), de Hark Tsui, Kaige Chen (não creditado) e Dante Lam (não creditado), e a comédia “Moon Man” (Du xing yue qiu – 2022, China), de Chiyu Zhang, ameaçada pela ascensão de “Avatar: O Caminho da Água” (Avatar: The Way of Water – 2022, EUA) – no primeiro semestre, outra produção chinesa figurava no Top 10, a comédia “Too Cool to Kill” (Zhe ge sha shou bu tai leng jing – 2022, China), que agora ocupa a 19a posição. E, portanto, está numa situação desconfortável se comparada à do ano passado.

 

Bob Iger em evento da AMPAS em 11 de abril de 2013 (Foto: Divulgação – Crédito: Matt Petit / ©A.M.P.A.S.).

 

No entanto, um dos maiores abalos sísmicos do segundo semestre na capital mundial do cinema aconteceu em novembro, quando a Disney anunciou a destituição de seu CEO, Bob Chapek, e o retorno de Bob Iger ao cargo. Um dos líderes mais proeminentes da história da Casa do Mickey, responsável por um legado calcado na expansão do império construído por Walt e Roy Disney, Iger reassumiu o controle da empresa depois de uma série de polêmicas nos últimos meses envolvendo a administração de Chapek, que tinha, dentre tantos desafios, de desvencilhar da sombra de seu antecessor, o próprio Iger, que retorna para “colocar a casa em ordem”.

 

Enquanto Hollywood lutava contra seus próprios problemas, o cinema brasileiro seguia tentando superar os seus, dentre eles, orçamentários e a ameaça constante de fechamento de salas tradicionais. Mesmo assim, a produção brasileira surpreendeu com títulos que levam o espectador à reflexão, como por exemplo, “Carvão” (Carvão – 2022, Brasil) e “Pacificado” (Pacificado – 2022, Brasil / EUA), respectivamente dirigidos por de Carolina Markowicz e Paxton Winters.

 

“Eduardo e Mônica” é protagonizado por Gabriel Leone e Alice Braga (Foto: Divulgação).

 

Além disso, o cinema brasileiro brindou o público com uma produção de grande apelo popular, conduzida com muita firmeza por René Sampaio, “Eduardo e Mônica” (Eduardo e Mônica – 2020, Brasil) – Sampaio também dirigiu “Faroeste Caboclo” (Faroeste Caboclo – 2013, Brasil). Inicialmente agendado para 2020, o longa se destaca pelo cuidado para com a adaptação da canção homônima da Legião Urbana, um de seus maiores sucessos, na verdade, mostrando os desafios impostos por um relacionamento amoroso entre uma mulher mais velha e um jovem estudante, defendidos com dignidade por Alice Braga e Gabriel Leone.

 

O ano chega ao fim mostrando que o modelo tradicional de cinema e as plataformas digitais têm condições de alcançar a necessária coexistência pacífica, seguindo os exemplos do passado, quando a televisão e o videocassete foram vistos como ameaças em potencial. E, principalmente, mantendo o sentimento de esperança de 2021, com o cinema renascendo das cinzas como uma Fênix, mesmo ciente dos desafios que o aguardam em 2023, que promete, ao menos para a arte cinematográfica, ser mais próspero.

 

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