Hollywood viveu sob o jugo da censura durante muitos anos, sobretudo no período da Era de Ouro (1930 – 1940), tendo como pilares o Código Hays (1930 – 1968) e o sistema de estúdios, que consistia, dentre outras coisas, no controle total de astros e estrelas, inclusive cerceando sua vida pessoal. Isto foi abordado inúmeras […]
POR Ana Carolina Garcia06/12/2020|5 min de leitura
Hollywood viveu sob o jugo da censura durante muitos anos, sobretudo no período da Era de Ouro (1930 – 1940), tendo como pilares o Código Hays (1930 – 1968) e o sistema de estúdios, que consistia, dentre outras coisas, no controle total de astros e estrelas, inclusive cerceando sua vida pessoal. Isto foi abordado inúmeras vezes no cinema e na televisão, mas, desta vez, o cineasta David Fincher o faz por meio de um projeto de cunho pessoal: levar ao público um roteiro escrito por seu falecido pai, Jack Fincher, sobre duas figuras polêmicas, Herman J. Mankiewicz e Orson Welles, em “Mank” (Idem – 2020), disponível na Netflix.
Utilizando os bastidores da construção do roteiro de “Cidadão Kane” (Citizen Kane – 1941) como fio condutor, “Mank” conta a história de Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman), responsável pelo roteiro do já citado clássico de Welles (Tom Burke), então “menino” prodígio que desejava crédito individual como roteirista de seu filme – segundo Mankiewicz, Welles não participou do roteiro. Paralelamente a isso, o filme faz um duro retrato da influência política sobre a indústria ao apresentar a relação de Mank, como era chamado, com Louis B. Mayer (Arliss Howard), todo-poderoso da MGM, Irving G. Thalberg (Ferdinand Kingsley), produtor respeitado que era peça fundamental no jogo político hollywoodiano, e William Randolph Hearst (Charles Dance), magnata de mídia que inspirou a criação do protagonista de “Cidadão Kane”, interpretado por Welles.
Resgatando a estética do cinema clássico com uma fotografia impecável que homenageia “Cidadão Kane”, “Mank” apresenta uma trama objetiva e rica em conteúdo que chama a atenção pela maneira com a qual desenvolve a questão política. Neste contexto, não apenas traça um paralelo com o cenário atual, como também tece uma crítica à inércia hollywoodiana, pré-Pearl Harbor, à expansão do regime nazifascista na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), mostrando não apenas a incredulidade ao poderio de Adolf Hitler, como também a preocupação de Mayer em não perder o mercado alemão, algo que posteriormente aconteceu, mas não sem antes executivos de Hollywood, mesmo judeus, colaborarem com o Terceiro Reich, reeditando produções para serem exibidas na Alemanha, por exemplo, uma vez que Hitler era fã de cinema – isto não foi abordado no longa, mas veio à tona há poucos anos, sendo tema de livro, “A Colaboração”, de Ben Urwand.
Conferindo um pouco do charme da película graças a efeitos visuais e sonoros e contando com a minuciosa montagem de Kirk Baxter, antigo parceiro de Fincher, o longa trabalha com eficiência flashbacks, mantendo a fluidez narrativa de forma a remeter à “Cidadão Kane”, impulsionando os anseios de Mankiewicz, homem que desperdiçou a solidez da carreira pelo temperamento difícil e alcoolismo, defendido com paixão por Gary Oldman. Vencedor do Oscar de melhor ator por “O Destino de Uma Nação” (Darkest Hour – 2017), Oldman explora as diferentes camadas do personagem com propriedade, explodindo em cena e, consequentemente, ofuscando seus colegas de elenco, principalmente Lily Collins (Rita Alexander) e Amanda Seyfried (Marion Davies).
Produção original Netflix, “Mank” também discute o deslumbramento e egocentrismo de um jovem, Welles, que chegou ao topo muito cedo e sem nenhum preparo emocional, acreditando ser inatingível. Além disso, o longa mostra com clareza e crueza o modus operandi da indústria cinematográfica e o seu impacto sobre quem nela trabalha e, portanto, depende para sobreviver, pagando pouco e exigindo, de cada um, preços altos. Isto inclui a criação de imagens de astros e estrelas, mesmo que a pressão derrube as máscaras em algum momento.
Com chances reais de chegar ao Oscar 2021, “Mank”, no fim das contas, aborda estrelato, ascensão e queda por meio da trajetória de Herman J. Mankiewicz para mostrar ao público que pouco mudou na indústria nas últimas décadas. Funcionando, de certa maneira, como aula de História do cinema, o longa soa um tanto atual em diversos momentos, principalmente por expor a priorização de interesses mercadológicos, acima de tudo e de todos. No entanto, uma frase proferida por Mayer no longa, “Precisamos atrair as pessoas aos cinemas, mas como?”, ironicamente se destaca face à urgência de recuperação econômica do cinema em tempos de pandemia e fortalecimento das plataformas de streaming como a Netflix, que, neste período turbulento, são consideradas tanto opções seguras de entretenimento por parte do público quanto ameaça ao modelo tradicional, calcado nas salas de exibição, por parte de executivos de estúdios e exibidores.
Assista ao trailer oficial legendado:
Hollywood viveu sob o jugo da censura durante muitos anos, sobretudo no período da Era de Ouro (1930 – 1940), tendo como pilares o Código Hays (1930 – 1968) e o sistema de estúdios, que consistia, dentre outras coisas, no controle total de astros e estrelas, inclusive cerceando sua vida pessoal. Isto foi abordado inúmeras vezes no cinema e na televisão, mas, desta vez, o cineasta David Fincher o faz por meio de um projeto de cunho pessoal: levar ao público um roteiro escrito por seu falecido pai, Jack Fincher, sobre duas figuras polêmicas, Herman J. Mankiewicz e Orson Welles, em “Mank” (Idem – 2020), disponível na Netflix.
Utilizando os bastidores da construção do roteiro de “Cidadão Kane” (Citizen Kane – 1941) como fio condutor, “Mank” conta a história de Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman), responsável pelo roteiro do já citado clássico de Welles (Tom Burke), então “menino” prodígio que desejava crédito individual como roteirista de seu filme – segundo Mankiewicz, Welles não participou do roteiro. Paralelamente a isso, o filme faz um duro retrato da influência política sobre a indústria ao apresentar a relação de Mank, como era chamado, com Louis B. Mayer (Arliss Howard), todo-poderoso da MGM, Irving G. Thalberg (Ferdinand Kingsley), produtor respeitado que era peça fundamental no jogo político hollywoodiano, e William Randolph Hearst (Charles Dance), magnata de mídia que inspirou a criação do protagonista de “Cidadão Kane”, interpretado por Welles.
Resgatando a estética do cinema clássico com uma fotografia impecável que homenageia “Cidadão Kane”, “Mank” apresenta uma trama objetiva e rica em conteúdo que chama a atenção pela maneira com a qual desenvolve a questão política. Neste contexto, não apenas traça um paralelo com o cenário atual, como também tece uma crítica à inércia hollywoodiana, pré-Pearl Harbor, à expansão do regime nazifascista na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), mostrando não apenas a incredulidade ao poderio de Adolf Hitler, como também a preocupação de Mayer em não perder o mercado alemão, algo que posteriormente aconteceu, mas não sem antes executivos de Hollywood, mesmo judeus, colaborarem com o Terceiro Reich, reeditando produções para serem exibidas na Alemanha, por exemplo, uma vez que Hitler era fã de cinema – isto não foi abordado no longa, mas veio à tona há poucos anos, sendo tema de livro, “A Colaboração”, de Ben Urwand.
Conferindo um pouco do charme da película graças a efeitos visuais e sonoros e contando com a minuciosa montagem de Kirk Baxter, antigo parceiro de Fincher, o longa trabalha com eficiência flashbacks, mantendo a fluidez narrativa de forma a remeter à “Cidadão Kane”, impulsionando os anseios de Mankiewicz, homem que desperdiçou a solidez da carreira pelo temperamento difícil e alcoolismo, defendido com paixão por Gary Oldman. Vencedor do Oscar de melhor ator por “O Destino de Uma Nação” (Darkest Hour – 2017), Oldman explora as diferentes camadas do personagem com propriedade, explodindo em cena e, consequentemente, ofuscando seus colegas de elenco, principalmente Lily Collins (Rita Alexander) e Amanda Seyfried (Marion Davies).
Produção original Netflix, “Mank” também discute o deslumbramento e egocentrismo de um jovem, Welles, que chegou ao topo muito cedo e sem nenhum preparo emocional, acreditando ser inatingível. Além disso, o longa mostra com clareza e crueza o modus operandi da indústria cinematográfica e o seu impacto sobre quem nela trabalha e, portanto, depende para sobreviver, pagando pouco e exigindo, de cada um, preços altos. Isto inclui a criação de imagens de astros e estrelas, mesmo que a pressão derrube as máscaras em algum momento.
Com chances reais de chegar ao Oscar 2021, “Mank”, no fim das contas, aborda estrelato, ascensão e queda por meio da trajetória de Herman J. Mankiewicz para mostrar ao público que pouco mudou na indústria nas últimas décadas. Funcionando, de certa maneira, como aula de História do cinema, o longa soa um tanto atual em diversos momentos, principalmente por expor a priorização de interesses mercadológicos, acima de tudo e de todos. No entanto, uma frase proferida por Mayer no longa, “Precisamos atrair as pessoas aos cinemas, mas como?”, ironicamente se destaca face à urgência de recuperação econômica do cinema em tempos de pandemia e fortalecimento das plataformas de streaming como a Netflix, que, neste período turbulento, são consideradas tanto opções seguras de entretenimento por parte do público quanto ameaça ao modelo tradicional, calcado nas salas de exibição, por parte de executivos de estúdios e exibidores.