Quando se pensa numa produção ambientada em comunidades de grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, assoladas não apenas pela pobreza, como também pela violência, a imagem que o espectador tem é a de protagonismo essencialmente masculino. Mas um diretor e roteirista estrangeiro, o americano Paxton Winters, subverteu essa fórmula convencional ao colocar uma garota de 13 anos sob os holofotes de uma trama complexa, desenvolvida com muito cuidado, em “Pacificado” (Pacificado – 2019, Brasil / EUA), que entra em cartaz nesta quinta-feira (11).

Ambientado no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, região central da capital fluminense, “Pacificado” conta a história de Tati (Cássia Nascimento), adolescente negligenciada pela mãe dependente química, Andrea (Débora Nascimento), que tem na bisavó seu porto seguro. Ansiosa pela volta do pai e sonhando com o acolhimento familiar, Jaca (Bukassa Kabengele), ex-chefe do tráfico da comunidade que passou 14 anos na prisão, Tati é confrontada pela realidade do local no momento que a cidade vive a euforia das Olimpíadas e da Copa do Mundo, eventos de grande porte que levaram à criação da chamada Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) pelo governo, preocupado com a imagem do Rio de Janeiro na imprensa internacional. E o retorno de Jaca abala o novo chefe do tráfico, Nelson (José Loreto), cada vez mais inseguro com a presença de seu antecessor.

Produzido por Darren Aronofsky, “Pacificado” tem como grande trunfo a comunhão total do elenco, imprescindível para atingir o resultado tão impactante de sua trama. Neste ponto, os principais destaques são Nascimento, Kabengele, Débora Nascimento e Loreto. Com a desenvoltura de uma veterana, Cássia Nascimento constrói Tati com muita sensibilidade, mostrando ao espectador que não há espaço algum para a inocência no contexto no qual a personagem está inserida. É uma atuação comovente, sobretudo quando divide a cena com Léa Garcia (Dona Preta), que interpreta a avó de Jaca, defendido com propriedade por Kabengele, explorando as dúvidas de um homem cansado da prisão, mas inconformado com os rumos dados por Nelson à comunidade, demonstrando preocupação para com a família, especialmente Tati. Integrando o mesmo núcleo, Débora Nascimento trabalha toda a complexidade de Andrea, cada vez mais consumida pelo vício, enquanto Loreto passeia com facilidade entre o poder de Nelson e o medo que sente de perder espaço para Jaca.

Vencedor de três prêmios no San Sebastián International Film Festival (Golden Seashell de melhor filme, Silver Seashell de melhor ator para Kabengele e prêmio do júri de melhor fotografia), “Pacificado” não é um longa-metragem fácil de digerir por expor o lado B da cidade que um dia pôde ser chamada de maravilhosa. O cartão-postal do Brasil, negligenciado pelas autoridades que abandonaram a população carente à própria sorte, permitindo que a violência se tornasse cotidiana. É um retrato triste da realidade carioca e, por esta razão, um dos filmes mais importantes do circuito exibidor.

Assista ao trailer oficial: