‘Silêncio’: a nova obra-prima de Martin Scorsese

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No século XVI, os jesuítas iniciaram sua missão no Japão sem grandes problemas, mas no século XVII a prática do Catolicismo foi proibida na Terra do Sol Nascente. Com isso, os japoneses criaram sua própria Inquisição, tendo Nagasaki como a cidade mais violenta, enquanto a população de pequenos vilarejos vivia em condições sub-humanas, apoiando-se nos […]

POR Ana Carolina Garcia09/03/2017|5 min de leitura

‘Silêncio’: a nova obra-prima de Martin Scorsese

Tecnicamente impecável, longa é ambientado no século XVII (Foto: Divulgação).

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No século XVI, os jesuítas iniciaram sua missão no Japão sem grandes problemas, mas no século XVII a prática do Catolicismo foi proibida na Terra do Sol Nascente. Com isso, os japoneses criaram sua própria Inquisição, tendo Nagasaki como a cidade mais violenta, enquanto a população de pequenos vilarejos vivia em condições sub-humanas, apoiando-se nos jesuítas para amenizar sua dor e sonhar com o paraíso, mesmo colocando-se em risco constante.

 

Chamados de kirishitans, os católicos sofreram com perseguições, torturas, assassinatos e, os que sobreviveram ou quiseram escapar da barbárie, tiveram de renegar sua fé – ao menos publicamente. Nesta época, padres jesuítas eram vistos como a raiz de um perigoso processo de colonização europeu, que ameaçava as tradições nipônicas e, por esta razão, tinham de ser extirpados de alguma maneira. E é exatamente este processo de repressão e renúncia da fé católica que Martin Scorsese aborda em seu novo filme, “Silêncio” (Silence – 2016). Baseado na obra homônima de Shûsaku Endô, o longa chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, dia 09, dividindo opiniões.

 

Sob a magistral direção de Scorsese, esta produção orçada em US$ 40 milhões e esnobada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) na última edição do Oscar, aborda a fé sob diferentes aspectos, mostrando momentos de conforto e segurança, bem como de dúvida e fraqueza oriundos do sofrimento extremo. O filme começa em 1633, com a prisão de Padre Ferreira (Liam Neeson) num Japão tomado por um regime inquisitorial. Tomados pela incredulidade aos boatos de que Ferreira havia se tornado um padre apóstata, dois jovens jesuítas, Padre Rodrigues (Andrew Garfield) e Padre Garupe (Adam Driver), decidem partir rumo ao país para localizar Ferreira em 1640, no ápice da perseguição contra cristãos. Mas a missão é mais difícil do que poderiam supor.

 

Andrew Garfield vive a fase mais madura de sua carreira (Foto: Divulgação).

 

Em meio ao horror, Padre Rodrigues surge como um homem de fé, disposto a ajudar a população local enquanto tenta descobrir o paradeiro de Ferreira. Mas o tempo mostra sua transformação como consequência da dor imposta pelo regime inquisitório, o que dá lugar a um padre que questiona o silêncio Divino a cada dificuldade, sobretudo à imposta à população desamparada, que se coloca em risco para proteger o jesuíta. Esta transformação de Rodrigues nos remete a outro personagem recente de Andrew Garfield, o soldado objetor de consciência de “Até o Último Homem” (Hacksaw Ridge – 2016), que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor ator este ano. São dois personagens movidos pela fé, cada um à sua maneira, mas se sacrificando em prol dos outros.

 

Aos 33 anos de idade, o ator vive a fase mais madura de sua carreira, oferecendo mais um trabalho minucioso que explora com muita delicadeza a complexidade de um homem cuja crença precisa ser renegada em público e para o resto da vida. E que o silêncio Divino não é apenas o motivo de questionamento no momento de fraqueza, mas também a principal fonte de sua força para se reerguer e seguir em frente.

 

Dentre seus coadjuvantes, os destaques são Liam Neeson, Issei Ogata (Inoue) e Yôsuke Kubozuka (Kichijiro). Enquanto Neeson oferece uma atuação mais contida no papel de um padre obrigado a se tornar um apóstata, Ogata e Kubozuka funcionam tanto como um alívio cômico. Ogata compõe seu samurai de maneira a equilibrar perversidade e a teatralidade de um homem que por não compreender os preceitos de outra religião e as diferenças culturais ocidentais, passa a temê-las, agindo de maneira a extirpá-las de seu país; já Kubozuka interpreta um homem traumatizado e mentalmente perturbado, que se entrega à fraqueza da deslealdade e se torna o Judas Iscariotes de Padre Rodrigues, mesmo admirando-o.

 

Kirishitans crucificados num vilarejo japonês (Foto: Divulgação).

 

Tecnicamente impecável e com um roteiro brilhante, assinado por Scorsese e Jay Cocks, “Silêncio” é uma produção que choca ao retratar não apenas a violência e humilhação, mas o ódio japonês pelo Catolicismo e sua resistência à cultura ocidental, muito bem sintetizada na frase “nada cresce num pântano”. O pântano, no caso, o Japão liderado por homens que assumem uma postura selvagem para defender suas tradições e evitar que uma nova religião se espalhe entre a população majoritariamente budista. E a selvageria surge na tela através de sequências de apedrejamentos e crucificações que nos remetem imediatamente ao martírio de Jesus Cristo, retratado diversas vezes pelo cinema, e também em sequências em que imagens de santos e outros símbolos cristãos são alvos de pisões e/ou cusparadas, utilizados como ritual para renúncia da fé.

 

“Silêncio” não é um filme de fácil digestão, mas é uma obra-prima sob todos os aspectos. Exprimindo a cada cena a crença de seu idealizador, que na juventude quase optou pelo sacerdócio, esta não é uma obra apenas sobre fé, dor e renúncia, mas sobre a bestialidade humana e suas consequências.

 

Assista ao trailer oficial:

No século XVI, os jesuítas iniciaram sua missão no Japão sem grandes problemas, mas no século XVII a prática do Catolicismo foi proibida na Terra do Sol Nascente. Com isso, os japoneses criaram sua própria Inquisição, tendo Nagasaki como a cidade mais violenta, enquanto a população de pequenos vilarejos vivia em condições sub-humanas, apoiando-se nos jesuítas para amenizar sua dor e sonhar com o paraíso, mesmo colocando-se em risco constante.

 

Chamados de kirishitans, os católicos sofreram com perseguições, torturas, assassinatos e, os que sobreviveram ou quiseram escapar da barbárie, tiveram de renegar sua fé – ao menos publicamente. Nesta época, padres jesuítas eram vistos como a raiz de um perigoso processo de colonização europeu, que ameaçava as tradições nipônicas e, por esta razão, tinham de ser extirpados de alguma maneira. E é exatamente este processo de repressão e renúncia da fé católica que Martin Scorsese aborda em seu novo filme, “Silêncio” (Silence – 2016). Baseado na obra homônima de Shûsaku Endô, o longa chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, dia 09, dividindo opiniões.

 

Sob a magistral direção de Scorsese, esta produção orçada em US$ 40 milhões e esnobada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) na última edição do Oscar, aborda a fé sob diferentes aspectos, mostrando momentos de conforto e segurança, bem como de dúvida e fraqueza oriundos do sofrimento extremo. O filme começa em 1633, com a prisão de Padre Ferreira (Liam Neeson) num Japão tomado por um regime inquisitorial. Tomados pela incredulidade aos boatos de que Ferreira havia se tornado um padre apóstata, dois jovens jesuítas, Padre Rodrigues (Andrew Garfield) e Padre Garupe (Adam Driver), decidem partir rumo ao país para localizar Ferreira em 1640, no ápice da perseguição contra cristãos. Mas a missão é mais difícil do que poderiam supor.

 

Andrew Garfield vive a fase mais madura de sua carreira (Foto: Divulgação).

 

Em meio ao horror, Padre Rodrigues surge como um homem de fé, disposto a ajudar a população local enquanto tenta descobrir o paradeiro de Ferreira. Mas o tempo mostra sua transformação como consequência da dor imposta pelo regime inquisitório, o que dá lugar a um padre que questiona o silêncio Divino a cada dificuldade, sobretudo à imposta à população desamparada, que se coloca em risco para proteger o jesuíta. Esta transformação de Rodrigues nos remete a outro personagem recente de Andrew Garfield, o soldado objetor de consciência de “Até o Último Homem” (Hacksaw Ridge – 2016), que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor ator este ano. São dois personagens movidos pela fé, cada um à sua maneira, mas se sacrificando em prol dos outros.

 

Aos 33 anos de idade, o ator vive a fase mais madura de sua carreira, oferecendo mais um trabalho minucioso que explora com muita delicadeza a complexidade de um homem cuja crença precisa ser renegada em público e para o resto da vida. E que o silêncio Divino não é apenas o motivo de questionamento no momento de fraqueza, mas também a principal fonte de sua força para se reerguer e seguir em frente.

 

Dentre seus coadjuvantes, os destaques são Liam Neeson, Issei Ogata (Inoue) e Yôsuke Kubozuka (Kichijiro). Enquanto Neeson oferece uma atuação mais contida no papel de um padre obrigado a se tornar um apóstata, Ogata e Kubozuka funcionam tanto como um alívio cômico. Ogata compõe seu samurai de maneira a equilibrar perversidade e a teatralidade de um homem que por não compreender os preceitos de outra religião e as diferenças culturais ocidentais, passa a temê-las, agindo de maneira a extirpá-las de seu país; já Kubozuka interpreta um homem traumatizado e mentalmente perturbado, que se entrega à fraqueza da deslealdade e se torna o Judas Iscariotes de Padre Rodrigues, mesmo admirando-o.

 

Kirishitans crucificados num vilarejo japonês (Foto: Divulgação).

 

Tecnicamente impecável e com um roteiro brilhante, assinado por Scorsese e Jay Cocks, “Silêncio” é uma produção que choca ao retratar não apenas a violência e humilhação, mas o ódio japonês pelo Catolicismo e sua resistência à cultura ocidental, muito bem sintetizada na frase “nada cresce num pântano”. O pântano, no caso, o Japão liderado por homens que assumem uma postura selvagem para defender suas tradições e evitar que uma nova religião se espalhe entre a população majoritariamente budista. E a selvageria surge na tela através de sequências de apedrejamentos e crucificações que nos remetem imediatamente ao martírio de Jesus Cristo, retratado diversas vezes pelo cinema, e também em sequências em que imagens de santos e outros símbolos cristãos são alvos de pisões e/ou cusparadas, utilizados como ritual para renúncia da fé.

 

“Silêncio” não é um filme de fácil digestão, mas é uma obra-prima sob todos os aspectos. Exprimindo a cada cena a crença de seu idealizador, que na juventude quase optou pelo sacerdócio, esta não é uma obra apenas sobre fé, dor e renúncia, mas sobre a bestialidade humana e suas consequências.

 

Assista ao trailer oficial:

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