Top 10: os melhores filmes de 2019

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O ano de 2019 não foi fácil em diversos setores, inclusive no cinema, produzido dentro e fora de Hollywood. No entanto, apesar dos problemas e das polêmicas, o público foi agraciado com produções interessantes que se destacaram positivamente no circuito comercial brasileiro, dentre eles, longas-metragens lançados no mercado internacional em 2018. Então, é chegada a […]

POR Ana Carolina Garcia28/12/2019|31 min de leitura

Top 10: os melhores filmes de 2019

“Era Uma Vez em… Hollywood” é dirigido e roteirizado por Quentin Tarantino (Foto: Divulgação).

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O ano de 2019 não foi fácil em diversos setores, inclusive no cinema, produzido dentro e fora de Hollywood. No entanto, apesar dos problemas e das polêmicas, o público foi agraciado com produções interessantes que se destacaram positivamente no circuito comercial brasileiro, dentre eles, longas-metragens lançados no mercado internacional em 2018. Então, é chegada a hora de elencar tais títulos, que serão comentados no decorrer deste texto, mesmo que não integrem o Top 10 dos melhores filmes de 2019, disponibilizado ao final.

 

Parte dos lançamentos deste ano no circuito comercial brasileiro tem chamado a atenção na atual temporada de premiações americana, com chances reais de chegar ao Oscar 2020. São filmes diferentes, mas que primam pelo desenvolvimento de suas respectivas tramas e, também, pelo emprego do que de melhor o cinema contemporâneo oferece em termos de tecnologia, sobretudo em Hollywood.

 

Produzido, dirigido e roteirizado por Quentin Tarantino, “Era Uma Vez em… Hollywood” (Once Upon a Time… in Hollywood – 2019) é livremente inspirado na história real do assassinato da atriz Sharon Tate, grávida de oito meses de seu primeiro filho, fruto do relacionamento com Roman Polanski. A barbárie cometida por seguidores de Charles Manson aconteceu na mansão do casal em Cielo Drive, rua ao norte de Beverly Hills, e teve outras quatro vítimas fatais: Jay Sebring, Abigail Folger, Voytek Frykowski e Steven Parent. Neste longa, o cineasta exalta Hollywood de maneira bastante peculiar, calcado num roteiro inteligente que utiliza muitos elementos ficcionais para abordar uma trama macabra que poderia ter sido uma produção de terror se não fosse real, permitindo que todas as peças se encaixem em seu ato final, apesar de um pequeno deslize temporal da montagem, que não compromete o todo em absolutamente nada. E tudo isso com atuações impecáveis de Leonardo DiCaprio (Rick Dalton) e Brad Pitt (Cliff Booth).

 

“Ad Astra: Rumo às Estrelas”: atuação minimalista pode render a Brad Pitt uma indicação ao Oscar de melhor ator (Foto: Divulgação).

 

Brad Pitt também brindou o público com outro trabalho impecável, mas como protagonista em “Ad Astra: Rumo às Estrelas” (Ad Astra – 2019). Com direção de James Gray, o filme chama a atenção pela maturidade de Pitt em cena e pelo rigor técnico, principalmente pelo design de produção, fotografia e efeitos visuais e sonoros. Neste caso, a tecnologia não se sobrepõe à história, pelo contrário, trabalha a favor dela, agregando imenso valor ao resultado final deste longa que concorreu ao Leão de Ouro na última edição do Festival de Veneza, perdendo para “Coringa” (Joker – 2019), de Todd Phillips.

 

Protagonizado por Joaquin Phoenix, sublime em cena, “Coringa” não é apenas um filme sobre o arqui-inimigo do Batman, aqui, ainda o menino Bruce Wayne (Dante Pereira-Olson). É uma das produções mais perturbadoras e violentas deste ano por mostrar à plateia as consequências do descaso de governantes para com a saúde de seu povo, sobretudo no que tange aos pacientes acometidos por doenças mentais, muitos deles, também vitimados pelo bullying.

 

Dirigido por Anthony e Joe Russo, “Vingadores: Ultimato” é a maior bilheteria da História do cinema (Foto: Divulgação).

 

Se a DC/Warner optou por uma abordagem perturbadora em “Coringa”, a rival Marvel seguiu sua fórmula de sucesso em “Vingadores: Ultimato” (Avengers: Endgame – 2019), de Anthony e Joe Russo. Maior bilheteria da História do cinema, US$ 2,797 bilhões arrecadados em todo o mundo, o filme, que era o mais aguardado deste ano, começa no mesmo ponto em que terminou seu antecessor, “Vingadores: Guerra Infinita” (Avengers: Infinity War – 2018), com 50% dos seres vivos do universo se desintegrando. A partir daí, os sobreviventes precisam encarar uma jornada de redenção e vingança em meio à dor da perda e à incerteza do futuro – ou seria do passado? E a única chance remota de derrotar Thanos (voz de Josh Brolin) e salvar a todos surge cinco anos depois por meio de uma viagem no tempo, encaixando, como peças de Lego, os eventos dos filmes anteriores do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM).

 

Também aguardado com ansiedade por cinéfilos de todas as idades, “Toy Story 4” (Idem – 2019), de Josh Cooley, respondeu à pergunta deixada no ar por seu antecessor, “Toy Story 3” (Idem – 2010): Bonnie (voz de Emily Hahn) será capaz de cuidar da turma de Woody e Buzz Lightyear (voz de Tim Allen) com o mesmo carinho de Andy (voz de John Morris)? Para isso, aborda as consequências da mudança de interesses do indivíduo, no caso, Bonnie, advinda de seu processo de crescimento e, também, de fatores externos, transmitindo uma mensagem sobre amor, amizade, lealdade e a necessidade de o indivíduo encontrar o seu lugar no mundo.

 

Vencedor da Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes, o sul-coreano “Parasita” (Gisaengchung – 2019), de Bong Joon-Ho, é um dos filmes mais comentados da atualidade por levar às telas temas sérios e urgentes com humor, mas de maneira a colocar todos os elementos numa panela de pressão, permitindo que o drama e o suspense ganhem espaço na narrativa até a explosão do ato final. Isto se dá graças ao roteiro engenhoso que contrapõe riqueza e miséria numa estética rebuscada, trabalhando superfície e subsolo com propriedade.

 

“Dor e Glória” brinda o público com a melhor atuação de Antonio Banderas (Foto: Divulgação).

 

Trabalho mais maduro do espanhol Pedro Almodóvar, “Dor e Glória” (Dolor y gloria – 2019) apresenta um enredo que costura com muita competência autobiografia e ficção, fazendo um retrato agridoce de um homem que precisa se reconciliar com o passado, esmiuçando seus amores, medos e carreira. Para isso, o roteiro bem estruturado tem como alicerce a montagem perspicaz de Teresa Font, que insere flashbacks com precisão. Outro fator que engrandece este filme é a atuação de Antonio Banderas (Salvador), que surge em cena em estado de graça, neste que é o melhor desempenho de sua carreira e lhe rendeu, inclusive, a Palma de Ouro de melhor ator no Festival de Cannes deste ano.

 

Vencedor do Urso de Prata na última edição do Festival de Berlim, “Graças a Deus” (Grâce à Dieu – 2018), de François Ozon, é baseado na história real de um grupo de ex-escoteiros de Lyon, França, que acusou o Padre Bernard Preynat (Bernard Verley) de abuso sexual e pedofilia. Referenciando o vencedor do Oscar “Spotlight: Segredos Revelados” (Spotlight – 2015), de Tom McCarthy, o longa assume estrutura clássica, abraçando a sobriedade para apresentar as vítimas e seus traumas, bem como a necessidade de se fazer justiça mesmo que anos depois dos eventos que, na vida real, ainda estão sendo jugados pela justiça, o que levou o padre a pedir o adiamento da estreia do filme em seu país de origem.

 

Líder de indicações do Oscar 2019, 10 ao todo, ao lado do mexicano “Roma” (Idem – 2019), de Alfonso Cuarón, “A Favorita” (The Favourite – 2018) é livremente inspirado na história real da Rainha Anne (Olivia Colman), da Inglaterra, e mostra os bastidores da corte no início do século XVIII, focando nas fragilidades da soberana, tanto em termos de saúde quanto de alienação, pois ela não fazia ideia do que acontecia do lado de fora dos portões do palácio. Dividido em oito capítulos, o longa começa acelerado, mas ganha densidade a cada sequência para apresentar uma conclusão fora do lugar comum dos filmes de época, fugindo do clichê de monarquia perfeita.

 

Baseado em fatos reais, “Vice” é protagonizado por Christian Bale (Foto: Divulgação).

 

Com direção e roteiro de Adam McKay, “Vice” (Idem – 2018) equilibra drama e humor ácido para apresentar ao espectador a trajetória de Dick Cheney (Christian Bale), vice-presidente dos Estados Unidos nos dois governos de George W. Bush (Sam Rockwell). Produzido por McKay, Brad Pitt e Will Ferrell, o longa tem como pilares principais as atuações de Christian Bale e Amy Adams, que esbanjam química em cena, concedendo veracidade às cenas desta produção de roteiro ágil e bem amarrado, que é, no fim das contas, uma crítica aberta à política americana, sobretudo em termos bélicos, pois foca na Guerra do Iraque e na ascensão de organizações terroristas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico.

 

Com direção de Pawel Pawlikowski, “Guerra Fria” (Zimna wojna – 2018) opta pelo ritmo narrativo lento para passear pela Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) e entregue ao medo oriundo da Guerra Fria (1945 – 1989), que dividiu o mundo em dois blocos, liderados pelos Estados Unidos e pela ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. As questões sociais e políticas são utilizadas como pano de fundo de uma trama que tem a paixão desmedida como fio condutor.

 

Produzido, dirigido e estrelado por Clint Eastwood, “A Mula” (The Mule – 2019) assume o tom politicamente incorreto para levar às telas a história verídica de Leo Sharp, idoso que se tornou mula de um cartel mexicano e, no longa, é chamado de Earl Stone. Assumindo fórmula convencional, típica do cinema de Clint Eastwood, esta é uma produção instigante sobre a redenção de um homem por caminhos tortuosos, que conta com diálogos afiados, recheados de elementos politicamente incorretos pontuados com muito cuidado pelo roteiro de Nick Schenk, conferindo comicidade a este filme cuja fotografia elegante explora belas paisagens para confirmar a atmosfera de road movie.

 

“Rocketman” é protagonizado por Taron Egerton (Foto: Divulgação).

 

Substituto de Bryan Singer na direção de “Bohemian Rhapsody” (Idem – 2018), Dexter Fletcher realizou um filme denso e repleto de alma, paixão e energia: “Rocketman” (Idem – 2019), cinebiografia de Elton John. Fugindo da fórmula convencional inerente ao gênero, o longa mostra o homem por trás do showman, esmiuçando não apenas sua dor, como também a luta contra os seus próprios fantasmas, principalmente do passado, sintetizados nas figuras de seus pais. Desta forma, o espectador é conduzido por Fletcher a uma montanha-russa de emoções que tem na obra do retratado seu alicerce, uma vez que as canções de Elton John são utilizadas como fio condutor de uma trama cuja narrativa tem traços de ópera-rock.

 

Apostando em sequências de lutas bem coreografadas que primam pelos efeitos sonoros, bem como pela câmera nervosa que exprime toda a fereza do combate, “Creed II” (Idem – 2019), de Steven Caple Jr., é um drama de cunho familiar, calcado em situações mal resolvidas que originaram conflitos internos em cada um de seus personagens, usando como fio condutor a obstinação de Ivan Drago (Dolph Lundgren) em fazer do filho, Viktor (Florian Munteanu), o novo campeão mundial de boxe na categoria de pesos-pesados. E a oportunidade surge quando Adonis (Michael B. Jordan) vence o cinturão outrora pertencente à Rocky (Sylvester Stallone) e Apollo (Carl Weathers), que morreu no ringue durante uma luta com Ivan. Desta forma, o longa aposta não apenas nos conflitos de Adonis, ainda assombrado pela imagem do pai, como também nos de Viktor, pressionado por Ivan, que não aceita que o filho se torne um perdedor e utiliza o abandono de sua ex-mulher, Ludmilla (Brigitte Nielsen), como combustível para o ódio e brutalidade de seu herdeiro. Neste ponto, trata-se de um filme que explora as dores da ausência, paterna (Adonis) e materna (Viktor), e a necessidade de exorcizá-las de alguma maneira para que os dois jovens possam renascer e, assim, construir seus respectivos legados.

 

Assim como “Creed II”, “Dumbo” (Idem – 2019) resgatou o passado de Hollywood para lucrar no presente, brincando com a memória afetiva da plateia. Dirigido por Tim Burton, este live-action respeita a essência do clássico animado que o originou, mas atendendo às demandas atuais, sobretudo ao assumir o tom crítico aos maus tratos conferidos aos animais em diversos circos e parques temáticos mundo afora, defendendo que sejam livres. Com elementos de “Batman O Retorno” (Batman Returns – 1992), “E.T. – O Extraterrestre” (E.T. the Extra-Terrestrial – 1982) e “O Maior Espetáculo da Terra” (The Greatest Show on Earth – 1952), o longa mantém o padrão de qualidade Disney e a autoralidade do cinema de Tim Burton, primando por sua estética, oferecendo um espetáculo visual tanto em termos de direção de arte quanto de efeitos, apostando também no belo trabalho do departamento de som. É um filme que fala sobre amor e necessidade maternos, respeito às diferenças e liberdade por meio da mensagem de que “qualquer coisa é possível e milagres acontecem”.

 

Pouco badalado no Brasil, “O Retorno de Ben” (Ben is Back – 2018), de Peter Hedges, chama a atenção do espectador para a dor causada pelas drogas, tanto nos dependentes quanto em seus familiares. Isto é mostrado por meio de uma mãe, Holly (Julia Roberts), que entra em pânico ao ver seu primogênito na porta de casa na véspera de Natal. Acreditando ter condições de dar uma breve pausa no tratamento para visitar a família, Ben (Lucas Hedges) é confrontado pelo vício e pelo medo, levando todos ao limite emocional. É um filme que contém traços de melodrama, mas que funciona sobretudo pela troca entre Roberts e Hedges, que também apresenta bom desempenho em outro longa que não chegou ao circuito comercial brasileiro, pois foi lançado diretamente em vídeo, “Boy Erased: Uma Verdade Anulada” (Boy Erased – 2018), de Joel Edgerton.

 

“A Vida Invisível” disputou uma vaga dentre os finalistas de melhor filme internacional no Oscar 2020 (Foto: Divulgação).

 

O cinema brasileiro continuou se arriscando fora da zona de conforto proporcionada pelas comédias que arrastam multidões às salas de exibição, tendo, entre seus destaques, “A Vida Invisível” (2019), de Karin Aïnouz, que venceu a Mostra Um Certain Regard (Um Certo Olhar) no Festival de Cannes deste ano e disputou uma vaga dentre os finalistas ao Oscar 2020 na categoria de melhor filme internacional. Adaptação cinematográfica de “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, apresenta ao público o preconceito enraizado e institucionalizado não apenas contra os negros, sintetizado numa sequência ambientada num restaurante, como também contra a mulher. Isto pode ser observado principalmente em Guida (Julia Stockler), tanto em seu trabalho no estaleiro quanto na condição de mãe solteira, o que lhe impede de se relacionar com homens capazes de respeitá-la como ser humano. É um retrato duro e sem concessões da falta de liberdade e voz das mulheres naquele período, muitas delas sem condições de lutar contra as regras que lhes foram impostas.

 

Exibido na Mostra Panorama do Festival de Berlim deste ano, onde recebeu Menção Honrosa do Júri, o documentário “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar” (2019) mostra a transformação de Toritama, cidade de cerca de 40 mil habitantes no agreste de Pernambuco, advinda da produção de jeans, considerado o Ouro Azul. A cada ano, cerca de 20 milhões de peças são produzidas no local, muitas delas em fábricas de fundo de quintal chamadas de “facções”. Com uma jornada de trabalho exaustiva, os moradores procuram ter seu próprio negócio para que possam lucrar mais, mesmo que perdendo seus direitos trabalhistas. E em meio ao jeans, eles sonham com a chegada do Carnaval, época do ano em que deixam as máquinas de lado para se entregarem à Folia de Momo no litoral. Para isso, alguns chegam a vender pertences para curtir as merecidas férias, inclusive geladeira e máquina de costura.

 

Com direção e roteiro de Marcelo Gomes, “Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar” utiliza como fio condutor a melancolia de seu realizador, que conheceu uma Toritama completamente diferente em sua infância e juventude. Isto se torna um ponto positivo para este documentário, pois ajudou Gomes durante as entrevistas com os moradores para mostrar os efeitos do capitalismo numa cidade outrora pacata que, agora, tem “trabalho” como nome e “hora extra” como sobrenome. Afinal, tempo é dinheiro para quem ganha por produção.

 

“Turma da Mônica – Laços” é um dos maiores sucessos comerciais do cinema brasileiro em 2019 (Foto: Divulgação).

 

Baseado na graphic novel homônima de Vitor e Lu Cafaggi, publicada pela Panini Comics em 2013, “Turma da Mônica – Laços” (2019) merece menção honrosa por resgatar um filão que muito lucrou com os filmes estrelados por Xuxa e Os Trapalhões, mas tão negligenciado nos últimos anos. Conduzido com muito respeito e habilidade por Daniel Rezende, o longa bebe diretamente da fonte do cinema de aventura infanto-juvenil produzido nos Estados Unidos nos anos 1980, utilizando em sua trama elementos de um sucesso da década seguinte: “Beethoven: O Magnífico” (Beethoven – 1992), de Brian Levant. Isto fica nítido não apenas nas intenções do vilão construído intencionalmente de forma caricatural, cujas trapalhadas remetem um pouco às da dupla formada por Stanley Tucci e Oliver Platt no longa estrelado pelo São Bernardo, como também na conduta de Seu Cebola (Paulo Vilhena), pai amoroso e orgulhoso tal qual George Newton, o personagem de Charles Grodin.

 

Prioritariamente voltado para o público infantil, “Turma da Mônica – Laços” também agrada aos adultos que cresceram lendo os gibis dos personagens criados em 1963, proporcionando uma deliciosa viagem no tempo. E tal viagem ganha ainda mais força graças à cuidadosa direção de arte de Cássio Amarante e Mariana Falvo, sobretudo no que tange ao bairro do Limoeiro, construído com riqueza de detalhes.

 

Confira o Top 10 2019:

1. “Era Uma Vez em… Hollywood”:

Foto: Divulgação.

Produzido, dirigido e roteirizado por Tarantino, “Era Uma Vez em… Hollywood” foca em dois personagens ficcionais para contar a barbárie que vitimou Sharon Tate (Margot Robbie). Assim, o público é apresentado ao astro em decadência Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu dublê e fiel escudeiro, Cliff Booth (Brad Pitt). Vizinho de Tate e Polanski em Cielo Drive, Dalton é um beberrão que sonha em voltar ao panteão hollywoodiano, mas, para isso, precisa se sujeitar às imposições do sistema e à megalomania de cineastas, bem como impressionar Marvin Schwarzs (Al Pacino), executivo que decide tirá-lo do limbo. Em meio a isso, Cliff conhece Pussycat (Margaret Qualley), jovem seguidora de Manson (Damon Herriman) que o leva até o Rancho Spahn, onde ele se arrisca para reencontrar um velho conhecido, George Spahn (Bruce Dern), proprietário do local que está sob os cuidados de outra fiel de Manson, Squeaky Fromme (Dakota Fanning).

Brincando com o gênero do faroeste por meio de uma incursão aos bastidores da indústria, inserindo elementos de comédia e ação com pitadas de gore, Tarantino brinda a plateia com um filme calcado num roteiro inteligente e esteticamente refinado, algo proporcionado pela técnica impecável, sobretudo em relação à direção de arte, figurino e fotografia, que recriam com propriedade as décadas de 1950 e 1960, inclusive suas produções de cinema e televisão. Desta forma, o espectador é convidado por Tarantino a uma viagem aos tempos em que a comunidade hollywoodiana rompia com o conservadorismo, acompanhando as transformações impostas pelas turbulências enfrentadas pela sociedade americana, a maior parte delas causada pela Guerra do Vietnã e por tensões raciais – tensões estas impulsionadas por um homem racista travestido de hippie, que passou parte da infância e juventude em reformatórios e prisões, fã de Beatles e que sonhava com a fama no showbusiness, Charles Manson.

 

Último trabalho de Luke Perry no cinema – o ator morreu em março deste ano em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e não teve a oportunidade de assistir ao corte final do longa –, “Era Uma Vez em… Hollywood” é mais do que um filme sobre o assassinato brutal planejado pela mente perturbada do criador de uma seita. É sobre a indústria do entretenimento que tinha na figura do anti-herói de faroeste o homem que se redime por caminhos tortuosos para ganhar o status de “mocinho”. No fim das contas, Tarantino subverte a História em prol da fábula, brincando com o sonho representado pelo famoso letreiro em Los Angeles e, de certa forma, remetendo à narração final de “Uma Linda Mulher” (Pretty Woman – 1990), de Garry Marshall: “Bem-vindo a Hollywood! Qual é o seu sonho? Todo mundo vem para cá; esta é Hollywood, a terra dos sonhos. Alguns sonhos se tornam realidade, outros não; mas continue sonhando”.

 

2. “Coringa”:

Foto: Divulgação.

Bebendo diretamente da fonte do cinema de Martin Scorsese, sobretudo de “Táxi Driver” (Taxi Driver – 1976) e “O Rei da Comédia” (The King of Comedy – 1982), “Coringa” eleva a insanidade à potência máxima por meio de uma trama violenta que mostra Gotham City como um cenário caótico e anárquico, primando pela técnica, principalmente em termos de design de produção, fotografia, figurino e trilha sonora, que cresce em sintonia com a transformação de Arthur, potencializando suas emoções e o seu lado mais obscuro. Outro fator que chama a atenção é a montagem de Jeff Groth, parceiro de Phillips em “Cães de Guerra” (War Dogs – 2016), que costura com habilidade realidade e ilusão.

 

Explorada nos mínimos detalhes pelo roteiro bem construído de Phillips e Scott Silver, a transformação de Arthur em Coringa tem como maior trunfo o talento e a versatilidade de Joaquin Phoenix. Frágil num momento, perturbador e ameaçador em outro, o ator constrói o seu personagem de maneira a trabalhar com propriedade as emoções de um homem acometido por uma doença mental e que é obrigado a se confrontar com o passado até então desconhecido quando seu mundo começa a desmoronar – “Eu só não quero mais me sentir tão mal”, diz ele. Isto pode ser observado não apenas no olhar que exprime dor, como também na risada insana capaz de deixar o espectador com calafrios.

 

Primeiro longa proibido para menores a ultrapassar a barreira de US$ 1 bilhão em bilheterias mundiais, “Coringa” é um drama profundo que aborda temas importantes como doença mental, bullying e desigualdade social, mostrando uma onda de violência sem precedentes na fictícia Gotham City, que passa a tratar um psicopata sem nada a perder como ídolo.

 

3. “Parasita”:

Foto: Divulgação.

Com chances reais de se tornar a 12a produção de língua não-inglesa a concorrer ao Oscar principal, o de melhor filme, “Parasita” começa como um retrato tragicômico da miséria na Coreia do Sul, mostrando como parte da população sobrevive com poucos recursos, habitando porões. Gradativamente, o longa ganha densidade e elementos de drama e suspense até explodir em seu ato final.

 

Dirigido por Bong Joon-ho, o filme aborda temas urgentes, mas de maneira bastante peculiar, inserindo a crítica numa trama engenhosa que utiliza duas famílias de camadas sociais distintas como fio condutor. Isto se dá devido ao choque de realidade e à ignorância de quem escolhe uma bolha para viver, desconhecendo o que acontece ao redor e, por esta razão, tem a inocência proveniente das vendas nos olhos como principal inimigo. Neste contexto, a família Kim surge como parasita na vida dos Park, consumindo seus recursos e desestruturando seu mundo.

 

Trabalhando a questão de superfície versus subsolo com propriedade, este é um longa de estética rebuscada que fortalece o nome de Bong Joon-Ho como um dos cineastas mais relevantes do cinema contemporâneo.

 

4. “Dor e Glória”:

Foto: Divulgação.

Mistura de autobiografia e ficção, “Dor e Glória” mostra a dor de um homem que precisa enfrentar seus próprios fantasmas para se reconciliar com o passado e, assim, encontrar paz interior. No entanto, esta jornada de reconciliação implica em passar a limpo amores, medos e carreira de maneira honesta e sem rodeios.

 

Com direção e roteiro de Pedro Almodóvar, o longa chama a atenção pelo desempenho de Antonio Banderas (Salvador). Caracterizado de forma a remeter ao próprio Almodóvar, o ator brinda o espectador com a melhor atuação de sua carreira, trabalhando a crise existencial do personagem com muita sensibilidade, permitindo que sua melancolia domine a narrativa.

 

“Dor e Glória” ainda prima pelo roteiro bem estruturado que tem na montagem de Teresa Font seu pilar. Isto se deve ao fato de Font inserir com precisão cirúrgica flashbacks que apresentam à plateia a história pregressa do protagonista, esmiuçando sua vida pessoal e dor.

 

5. “Ad Astra: Rumo às Estrelas”:

Produzido por Brad Pitt, James Gray e pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, “Ad Astra: Rumo às Estrelas” oferece uma das melhores atuações da carreira de Pitt, que vive Roy McBride, astronauta que coloca sua vida amorosa em segundo plano em prol do trabalho, principalmente da perigosa missão rumo a Netuno para interromper a sobrecarga de energia que coloca todo o sistema solar em risco. É uma interpretação segura que esmiúça a personalidade de um homem que, apesar de conter suas emoções, ainda é atormentado pelo trauma do desaparecimento do pai, astronauta considerado herói americano. E é este o fio condutor da trama deste filme de arte travestido de blockbuster, que se desenrola de maneira a apresentar à plateia as transformações emocionais de Roy à medida que o inevitável confronto com o passado se aproxima.

 

Assinado por Gray e Ethan Gross, o roteiro é um dos principais alicerces deste longa, pois é bem estruturado e insere com maestria elementos de suspense no drama familiar. Sim, drama familiar, pois o foco aqui não é a exploração espacial, mas a necessidade do indivíduo de conhecer a si mesmo por meio de uma jornada reflexiva e, consequentemente, encontrar o seu lugar no mundo.

 

Tecnicamente primoroso, “Ad Astra: Rumo às Estrelas” é, na verdade, um drama que gira em torno de autoconhecimento e de um sentimento nobre, o amor. E para abordar tais temas na tela grande, Gray opta por uma direção que equilibra firmeza com sensibilidade no olhar, numa narrativa que se desenvolve sem pressa para explorar escolhas, renúncias e suas consequências nas vidas de cada um dos envolvidos.

 

6. “Vingadores: Ultimato”:

Foto: Divulgação.

Um ano se passou entre o estalar de dedos de Thanos e o lançamento de “Vingadores: Ultimato”. Neste período, muitas teorias surgiram na internet, mas nenhuma delas pôde preparar o espectador para o desenrolar desta trama, pois o longa dos irmãos Anthony e Joe Russo brinca com as emoções da plateia tal qual o titã louco com o universo.

 

“Vingadores: Ultimato” mostra os heróis sobreviventes libertando-se do tabuleiro que Thanos os colocou como peões. O problema é que a liberdade conquistada no último filme está acompanhada de sofrimento descomunal causado por vários fatores, desde a já citada dor da perda até o sentimento de culpa e impotência diante do caos, passando pela urgência em restabelecer a base familiar, independente de laços biológicos, transmitindo a mensagem de importância da família para o indivíduo, algo inerente ao UCM. Isto funciona não apenas pela comunhão de um elenco que atua em sua plenitude, como também graças ao roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely, coeso e estruturado com esmero, que tem como alicerce principal a montagem de Jeffrey Ford e Matthew Schmidt, que trabalha com perspicácia a viagem no tempo de cada personagem, conectando-a a eventos anteriores.

 

Fazendo jus ao orçamento milionário, estimado entre US$ 350 milhões e US$ 400 milhões, “Vingadores: Ultimato” ultrapassa a barreira do blockbuster, tirando este filão da zona de conforto proporcionada pela ação desenfreada calcada somente em efeitos especiais, para abordar temas universais. É um filme que utiliza o mesmo fio condutor de “Vingadores: Guerra Infinita”, aprofundando questões como família, remorso, necessidade de união e amor em sua forma mais pura e verdadeira, mesmo que tudo isto implique em sacrifícios extremos em prol do bem maior. É uma experiência cinematográfica completa que coloca o espectador no carrinho de uma montanha-russa movida a emoções de todos os tipos, concluindo com dignidade a trajetória de alguns personagens do UCM e elevando o legado de Stan Lee à potência máxima.

 

7. “Toy Story 4”:

Foto: Divulgação.

Marcando a estreia de Josh Cooley na direção de longas-metragens, “Toy Story 4” mistura elementos de outras produções do estúdio do Mickey e também de clássicos como “O Iluminado” (The Shining – 1980), e é, sem dúvida alguma, o filme mais divertido da franquia iniciada em 1995 com “Toy Story” (Idem – 1995). No entanto, este novo longa tem em “Divertida Mente” (Inside Out – 2015) sua maior fonte de inspiração no que tange à comédia e à relação de Woody com Garfinho (Tony Hale), que em diversos momentos remete à de Alegria (voz de Amy Poehler) e Tristeza (voz de Phyllis Smith) na animação vencedora do Oscar e roteirizada por Cooley, ao lado de Pete Docter e Meg LeFauve. É um humor de ritmo ágil calcado em diálogos simples e de fácil entendimento, algo imprescindível para a fatia infantil do público.

Tal qual o já citado “Divertida Mente”, “Toy Story 4” aborda as consequências da mudança de interesses do indivíduo, no caso, Bonnie, advinda de seu processo de crescimento e, também, de fatores externos. Basta observarmos a relação da menina com Jessie (voz de Joan Cusack), que ocupa no quarto de Bonnie o posto outrora pertencente a Woody no quarto de Andy, inclusive com a estrela de Xerife em sua roupa. É uma maneira de dizer às meninas da plateia que elas podem ocupar posições de liderança, algo que também fica claro na nova realidade de Bo Peep (voz de Annie Potts), boneca destemida que preza por sua liberdade e se orgulha de sua força num mundo pós-abandono.

Mantendo o padrão de qualidade técnica instituído pela Disney / Pixar, “Toy Story 4” tem no roteiro seu maior trunfo, pois a trama é desenvolvida com muito esmero para transmitir aos baixinhos uma mensagem não apenas sobre amor e amizade verdadeiros, como também de lealdade para com os seus e importância de encontrar o seu lugar no mundo para ser feliz. E tudo isso numa trama sobre autodescoberta e recheada de humor, que funciona em grande parte graças à dinâmica do time de dubladores que agrega valor imensurável a este longa, permitindo que ele conquiste a plateia em poucos minutos. É um trabalho digno de aplausos, inclusive em sua versão dublada.

 

8. “A Favorita”:

Foto: Divulgação.

Baseado numa história real, “A Favorita” joga na tela um universo sombrio que beira o grotesco, contrapondo imponência arquitetônica e degradação moral na Inglaterra do início do século XVIII. Para isto, utiliza como combustível a ganância de pessoas que não se furtam em usar umas às outras para atingir seus objetivos, apresentando à plateia relações de poder e dependência emocional, bem como as consequências da alienação de sua governante, manipulada por sua dama de companhia e amante, Sarah (Rachel Weisz), que se sente ameaçada com a chegada de sua prima, Abigail (Emma Stone), jovem que sonha em ascender custe o que custar. E a manipulação, neste caso, inclui os desejos mais íntimos da soberana.

 

Primando pelo figurino e inserção da trilha sonora por uma montagem para lá de eficiente, este filme de época chama realmente a atenção pela fotografia e pela escalação do elenco. Assinada por Robbie Ryan, a fotografia ousada utiliza lentes grande-angulares, distorcendo um pouquinho a imagem, trabalhando luzes e sombras de maneira a transmitir ao espectador as mais variadas emoções provocadas pelas situações vividas pelas personagens. E tais situações tornam-se críveis graças ao desempenho do trio principal, composto por Emma Stone, Rachel Weisz e Olivia Colman, que venceu o Oscar de melhor atriz por sua performance como a Rainha Anne.

 

Dirigida pelo grego Yorgos Lanthimos, “A Favorita” é uma produção sobre o lado mais sombrio do ser humano, impulsionado pela ganância e falta de caráter, deixando de lado todos os clichês inerentes ao seu gênero cinematográfico.

 

9. “Guerra Fria”:

Foto: Divulgação.

Devastada pela Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a Polônia chegou ao final dos anos 1940 tentando se reerguer num cenário de incertezas, muitas delas proporcionadas pela Guerra Fria (1945 – 1991), que dividiu o mundo em dois blocos, o capitalista (Estados Unidos) e o socialista (União das Repúblicas Socialistas Soviética – URSS). A divisão política, econômica e ideológica teve consequências, inclusive nas relações interpessoais. E é deste ponto que parte a trama de “Guerra Fria”, mostrando ao espectador as tradições polonesas e a busca dos jovens por uma vida melhor. Para isso, eles participam de audições para o Mazurek, grupo de música e dança, num palácio ainda com cicatrizes da Grande Guerra. É neste cenário que o músico e professor Wiktor (Tomasz Kot) conhece Zula (Joanna Kulig), jovem ousada para o seu tempo e por quem se encanta.

 

Ao longo de quase 90 minutos, “Guerra Fria” mostra os encontros e desencontros do casal, mas sem cometer o pecado da pieguice para entregar uma trama concisa que também explora o terceiro vértice do triângulo amoroso, o Estado. Desta forma, tece uma crítica direta ao bloco soviético e suas intervenções na vida particular de pessoas obrigadas a saudar Stalin, apesar das discordâncias, como os integrantes do Mazurek em suas apresentações pela Europa.

 

Com uma bela fotografia em preto e branco, que assume ares de retrato devido ao formato quadrado de tela, explorando a imponência de cenários e a miséria da população nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, “Guerra Fria” é um filme sobre a paixão desmedida e suas consequências. E para levar esta história às telas, o longa foge de clichês inerentes aos temas, focando no estado de degradação emocional que torna o indivíduo escravo de seu desejo e o leva a atitudes extremas.

 

10. “Graças a Deus”:

Foto: Divulgação.

Baseado em fatos reais, “Graças a Deus” chegou à esfera judicial depois de o Padre Bernard Preynat pedir o adiamento da estreia do longa em seu país de origem, onde responde às acusações de abuso sexual e pedofilia feitas por 85 ex-escoteiros.

 

Dirigido e roteirizado por François Ozon, o longa opta pela abordagem sóbria para apresentar as vítimas, seus traumas e a necessidade de se fazer justiça para que possam, enfim, zerar as contas com o passado. É uma produção que cresce de acordo com novas revelações dos abusos cometidos pelo padre, um dos mais respeitados da cidade de Lyon, na França.

 

Referenciando o vencedor do Oscar “Spotlight: Segredos Revelados”, de Tom McCarthy, inclusive ao exibir um pôster do filme na parede, “Graças a Deus” foca menos na investigação e no processo para dar voz ao drama de homens adultos ainda atormentados pela imagem do pároco.

 

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Hollywood tenta evitar polêmicas em 2019, mas…

O ano de 2019 não foi fácil em diversos setores, inclusive no cinema, produzido dentro e fora de Hollywood. No entanto, apesar dos problemas e das polêmicas, o público foi agraciado com produções interessantes que se destacaram positivamente no circuito comercial brasileiro, dentre eles, longas-metragens lançados no mercado internacional em 2018. Então, é chegada a hora de elencar tais títulos, que serão comentados no decorrer deste texto, mesmo que não integrem o Top 10 dos melhores filmes de 2019, disponibilizado ao final.

 

Parte dos lançamentos deste ano no circuito comercial brasileiro tem chamado a atenção na atual temporada de premiações americana, com chances reais de chegar ao Oscar 2020. São filmes diferentes, mas que primam pelo desenvolvimento de suas respectivas tramas e, também, pelo emprego do que de melhor o cinema contemporâneo oferece em termos de tecnologia, sobretudo em Hollywood.

 

Produzido, dirigido e roteirizado por Quentin Tarantino, “Era Uma Vez em… Hollywood” (Once Upon a Time… in Hollywood – 2019) é livremente inspirado na história real do assassinato da atriz Sharon Tate, grávida de oito meses de seu primeiro filho, fruto do relacionamento com Roman Polanski. A barbárie cometida por seguidores de Charles Manson aconteceu na mansão do casal em Cielo Drive, rua ao norte de Beverly Hills, e teve outras quatro vítimas fatais: Jay Sebring, Abigail Folger, Voytek Frykowski e Steven Parent. Neste longa, o cineasta exalta Hollywood de maneira bastante peculiar, calcado num roteiro inteligente que utiliza muitos elementos ficcionais para abordar uma trama macabra que poderia ter sido uma produção de terror se não fosse real, permitindo que todas as peças se encaixem em seu ato final, apesar de um pequeno deslize temporal da montagem, que não compromete o todo em absolutamente nada. E tudo isso com atuações impecáveis de Leonardo DiCaprio (Rick Dalton) e Brad Pitt (Cliff Booth).

 

“Ad Astra: Rumo às Estrelas”: atuação minimalista pode render a Brad Pitt uma indicação ao Oscar de melhor ator (Foto: Divulgação).

 

Brad Pitt também brindou o público com outro trabalho impecável, mas como protagonista em “Ad Astra: Rumo às Estrelas” (Ad Astra – 2019). Com direção de James Gray, o filme chama a atenção pela maturidade de Pitt em cena e pelo rigor técnico, principalmente pelo design de produção, fotografia e efeitos visuais e sonoros. Neste caso, a tecnologia não se sobrepõe à história, pelo contrário, trabalha a favor dela, agregando imenso valor ao resultado final deste longa que concorreu ao Leão de Ouro na última edição do Festival de Veneza, perdendo para “Coringa” (Joker – 2019), de Todd Phillips.

 

Protagonizado por Joaquin Phoenix, sublime em cena, “Coringa” não é apenas um filme sobre o arqui-inimigo do Batman, aqui, ainda o menino Bruce Wayne (Dante Pereira-Olson). É uma das produções mais perturbadoras e violentas deste ano por mostrar à plateia as consequências do descaso de governantes para com a saúde de seu povo, sobretudo no que tange aos pacientes acometidos por doenças mentais, muitos deles, também vitimados pelo bullying.

 

Dirigido por Anthony e Joe Russo, “Vingadores: Ultimato” é a maior bilheteria da História do cinema (Foto: Divulgação).

 

Se a DC/Warner optou por uma abordagem perturbadora em “Coringa”, a rival Marvel seguiu sua fórmula de sucesso em “Vingadores: Ultimato” (Avengers: Endgame – 2019), de Anthony e Joe Russo. Maior bilheteria da História do cinema, US$ 2,797 bilhões arrecadados em todo o mundo, o filme, que era o mais aguardado deste ano, começa no mesmo ponto em que terminou seu antecessor, “Vingadores: Guerra Infinita” (Avengers: Infinity War – 2018), com 50% dos seres vivos do universo se desintegrando. A partir daí, os sobreviventes precisam encarar uma jornada de redenção e vingança em meio à dor da perda e à incerteza do futuro – ou seria do passado? E a única chance remota de derrotar Thanos (voz de Josh Brolin) e salvar a todos surge cinco anos depois por meio de uma viagem no tempo, encaixando, como peças de Lego, os eventos dos filmes anteriores do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM).

 

Também aguardado com ansiedade por cinéfilos de todas as idades, “Toy Story 4” (Idem – 2019), de Josh Cooley, respondeu à pergunta deixada no ar por seu antecessor, “Toy Story 3” (Idem – 2010): Bonnie (voz de Emily Hahn) será capaz de cuidar da turma de Woody e Buzz Lightyear (voz de Tim Allen) com o mesmo carinho de Andy (voz de John Morris)? Para isso, aborda as consequências da mudança de interesses do indivíduo, no caso, Bonnie, advinda de seu processo de crescimento e, também, de fatores externos, transmitindo uma mensagem sobre amor, amizade, lealdade e a necessidade de o indivíduo encontrar o seu lugar no mundo.

 

Vencedor da Palma de Ouro na última edição do Festival de Cannes, o sul-coreano “Parasita” (Gisaengchung – 2019), de Bong Joon-Ho, é um dos filmes mais comentados da atualidade por levar às telas temas sérios e urgentes com humor, mas de maneira a colocar todos os elementos numa panela de pressão, permitindo que o drama e o suspense ganhem espaço na narrativa até a explosão do ato final. Isto se dá graças ao roteiro engenhoso que contrapõe riqueza e miséria numa estética rebuscada, trabalhando superfície e subsolo com propriedade.

 

“Dor e Glória” brinda o público com a melhor atuação de Antonio Banderas (Foto: Divulgação).

 

Trabalho mais maduro do espanhol Pedro Almodóvar, “Dor e Glória” (Dolor y gloria – 2019) apresenta um enredo que costura com muita competência autobiografia e ficção, fazendo um retrato agridoce de um homem que precisa se reconciliar com o passado, esmiuçando seus amores, medos e carreira. Para isso, o roteiro bem estruturado tem como alicerce a montagem perspicaz de Teresa Font, que insere flashbacks com precisão. Outro fator que engrandece este filme é a atuação de Antonio Banderas (Salvador), que surge em cena em estado de graça, neste que é o melhor desempenho de sua carreira e lhe rendeu, inclusive, a Palma de Ouro de melhor ator no Festival de Cannes deste ano.

 

Vencedor do Urso de Prata na última edição do Festival de Berlim, “Graças a Deus” (Grâce à Dieu – 2018), de François Ozon, é baseado na história real de um grupo de ex-escoteiros de Lyon, França, que acusou o Padre Bernard Preynat (Bernard Verley) de abuso sexual e pedofilia. Referenciando o vencedor do Oscar “Spotlight: Segredos Revelados” (Spotlight – 2015), de Tom McCarthy, o longa assume estrutura clássica, abraçando a sobriedade para apresentar as vítimas e seus traumas, bem como a necessidade de se fazer justiça mesmo que anos depois dos eventos que, na vida real, ainda estão sendo jugados pela justiça, o que levou o padre a pedir o adiamento da estreia do filme em seu país de origem.

 

Líder de indicações do Oscar 2019, 10 ao todo, ao lado do mexicano “Roma” (Idem – 2019), de Alfonso Cuarón, “A Favorita” (The Favourite – 2018) é livremente inspirado na história real da Rainha Anne (Olivia Colman), da Inglaterra, e mostra os bastidores da corte no início do século XVIII, focando nas fragilidades da soberana, tanto em termos de saúde quanto de alienação, pois ela não fazia ideia do que acontecia do lado de fora dos portões do palácio. Dividido em oito capítulos, o longa começa acelerado, mas ganha densidade a cada sequência para apresentar uma conclusão fora do lugar comum dos filmes de época, fugindo do clichê de monarquia perfeita.

 

Baseado em fatos reais, “Vice” é protagonizado por Christian Bale (Foto: Divulgação).

 

Com direção e roteiro de Adam McKay, “Vice” (Idem – 2018) equilibra drama e humor ácido para apresentar ao espectador a trajetória de Dick Cheney (Christian Bale), vice-presidente dos Estados Unidos nos dois governos de George W. Bush (Sam Rockwell). Produzido por McKay, Brad Pitt e Will Ferrell, o longa tem como pilares principais as atuações de Christian Bale e Amy Adams, que esbanjam química em cena, concedendo veracidade às cenas desta produção de roteiro ágil e bem amarrado, que é, no fim das contas, uma crítica aberta à política americana, sobretudo em termos bélicos, pois foca na Guerra do Iraque e na ascensão de organizações terroristas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico.

 

Com direção de Pawel Pawlikowski, “Guerra Fria” (Zimna wojna – 2018) opta pelo ritmo narrativo lento para passear pela Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) e entregue ao medo oriundo da Guerra Fria (1945 – 1989), que dividiu o mundo em dois blocos, liderados pelos Estados Unidos e pela ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. As questões sociais e políticas são utilizadas como pano de fundo de uma trama que tem a paixão desmedida como fio condutor.

 

Produzido, dirigido e estrelado por Clint Eastwood, “A Mula” (The Mule – 2019) assume o tom politicamente incorreto para levar às telas a história verídica de Leo Sharp, idoso que se tornou mula de um cartel mexicano e, no longa, é chamado de Earl Stone. Assumindo fórmula convencional, típica do cinema de Clint Eastwood, esta é uma produção instigante sobre a redenção de um homem por caminhos tortuosos, que conta com diálogos afiados, recheados de elementos politicamente incorretos pontuados com muito cuidado pelo roteiro de Nick Schenk, conferindo comicidade a este filme cuja fotografia elegante explora belas paisagens para confirmar a atmosfera de road movie.

 

“Rocketman” é protagonizado por Taron Egerton (Foto: Divulgação).

 

Substituto de Bryan Singer na direção de “Bohemian Rhapsody” (Idem – 2018), Dexter Fletcher realizou um filme denso e repleto de alma, paixão e energia: “Rocketman” (Idem – 2019), cinebiografia de Elton John. Fugindo da fórmula convencional inerente ao gênero, o longa mostra o homem por trás do showman, esmiuçando não apenas sua dor, como também a luta contra os seus próprios fantasmas, principalmente do passado, sintetizados nas figuras de seus pais. Desta forma, o espectador é conduzido por Fletcher a uma montanha-russa de emoções que tem na obra do retratado seu alicerce, uma vez que as canções de Elton John são utilizadas como fio condutor de uma trama cuja narrativa tem traços de ópera-rock.

 

Apostando em sequências de lutas bem coreografadas que primam pelos efeitos sonoros, bem como pela câmera nervosa que exprime toda a fereza do combate, “Creed II” (Idem – 2019), de Steven Caple Jr., é um drama de cunho familiar, calcado em situações mal resolvidas que originaram conflitos internos em cada um de seus personagens, usando como fio condutor a obstinação de Ivan Drago (Dolph Lundgren) em fazer do filho, Viktor (Florian Munteanu), o novo campeão mundial de boxe na categoria de pesos-pesados. E a oportunidade surge quando Adonis (Michael B. Jordan) vence o cinturão outrora pertencente à Rocky (Sylvester Stallone) e Apollo (Carl Weathers), que morreu no ringue durante uma luta com Ivan. Desta forma, o longa aposta não apenas nos conflitos de Adonis, ainda assombrado pela imagem do pai, como também nos de Viktor, pressionado por Ivan, que não aceita que o filho se torne um perdedor e utiliza o abandono de sua ex-mulher, Ludmilla (Brigitte Nielsen), como combustível para o ódio e brutalidade de seu herdeiro. Neste ponto, trata-se de um filme que explora as dores da ausência, paterna (Adonis) e materna (Viktor), e a necessidade de exorcizá-las de alguma maneira para que os dois jovens possam renascer e, assim, construir seus respectivos legados.

 

Assim como “Creed II”, “Dumbo” (Idem – 2019) resgatou o passado de Hollywood para lucrar no presente, brincando com a memória afetiva da plateia. Dirigido por Tim Burton, este live-action respeita a essência do clássico animado que o originou, mas atendendo às demandas atuais, sobretudo ao assumir o tom crítico aos maus tratos conferidos aos animais em diversos circos e parques temáticos mundo afora, defendendo que sejam livres. Com elementos de “Batman O Retorno” (Batman Returns – 1992), “E.T. – O Extraterrestre” (E.T. the Extra-Terrestrial – 1982) e “O Maior Espetáculo da Terra” (The Greatest Show on Earth – 1952), o longa mantém o padrão de qualidade Disney e a autoralidade do cinema de Tim Burton, primando por sua estética, oferecendo um espetáculo visual tanto em termos de direção de arte quanto de efeitos, apostando também no belo trabalho do departamento de som. É um filme que fala sobre amor e necessidade maternos, respeito às diferenças e liberdade por meio da mensagem de que “qualquer coisa é possível e milagres acontecem”.

 

Pouco badalado no Brasil, “O Retorno de Ben” (Ben is Back – 2018), de Peter Hedges, chama a atenção do espectador para a dor causada pelas drogas, tanto nos dependentes quanto em seus familiares. Isto é mostrado por meio de uma mãe, Holly (Julia Roberts), que entra em pânico ao ver seu primogênito na porta de casa na véspera de Natal. Acreditando ter condições de dar uma breve pausa no tratamento para visitar a família, Ben (Lucas Hedges) é confrontado pelo vício e pelo medo, levando todos ao limite emocional. É um filme que contém traços de melodrama, mas que funciona sobretudo pela troca entre Roberts e Hedges, que também apresenta bom desempenho em outro longa que não chegou ao circuito comercial brasileiro, pois foi lançado diretamente em vídeo, “Boy Erased: Uma Verdade Anulada” (Boy Erased – 2018), de Joel Edgerton.

 

“A Vida Invisível” disputou uma vaga dentre os finalistas de melhor filme internacional no Oscar 2020 (Foto: Divulgação).

 

O cinema brasileiro continuou se arriscando fora da zona de conforto proporcionada pelas comédias que arrastam multidões às salas de exibição, tendo, entre seus destaques, “A Vida Invisível” (2019), de Karin Aïnouz, que venceu a Mostra Um Certain Regard (Um Certo Olhar) no Festival de Cannes deste ano e disputou uma vaga dentre os finalistas ao Oscar 2020 na categoria de melhor filme internacional. Adaptação cinematográfica de “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, apresenta ao público o preconceito enraizado e institucionalizado não apenas contra os negros, sintetizado numa sequência ambientada num restaurante, como também contra a mulher. Isto pode ser observado principalmente em Guida (Julia Stockler), tanto em seu trabalho no estaleiro quanto na condição de mãe solteira, o que lhe impede de se relacionar com homens capazes de respeitá-la como ser humano. É um retrato duro e sem concessões da falta de liberdade e voz das mulheres naquele período, muitas delas sem condições de lutar contra as regras que lhes foram impostas.

 

Exibido na Mostra Panorama do Festival de Berlim deste ano, onde recebeu Menção Honrosa do Júri, o documentário “Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar” (2019) mostra a transformação de Toritama, cidade de cerca de 40 mil habitantes no agreste de Pernambuco, advinda da produção de jeans, considerado o Ouro Azul. A cada ano, cerca de 20 milhões de peças são produzidas no local, muitas delas em fábricas de fundo de quintal chamadas de “facções”. Com uma jornada de trabalho exaustiva, os moradores procuram ter seu próprio negócio para que possam lucrar mais, mesmo que perdendo seus direitos trabalhistas. E em meio ao jeans, eles sonham com a chegada do Carnaval, época do ano em que deixam as máquinas de lado para se entregarem à Folia de Momo no litoral. Para isso, alguns chegam a vender pertences para curtir as merecidas férias, inclusive geladeira e máquina de costura.

 

Com direção e roteiro de Marcelo Gomes, “Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar” utiliza como fio condutor a melancolia de seu realizador, que conheceu uma Toritama completamente diferente em sua infância e juventude. Isto se torna um ponto positivo para este documentário, pois ajudou Gomes durante as entrevistas com os moradores para mostrar os efeitos do capitalismo numa cidade outrora pacata que, agora, tem “trabalho” como nome e “hora extra” como sobrenome. Afinal, tempo é dinheiro para quem ganha por produção.

 

“Turma da Mônica – Laços” é um dos maiores sucessos comerciais do cinema brasileiro em 2019 (Foto: Divulgação).

 

Baseado na graphic novel homônima de Vitor e Lu Cafaggi, publicada pela Panini Comics em 2013, “Turma da Mônica – Laços” (2019) merece menção honrosa por resgatar um filão que muito lucrou com os filmes estrelados por Xuxa e Os Trapalhões, mas tão negligenciado nos últimos anos. Conduzido com muito respeito e habilidade por Daniel Rezende, o longa bebe diretamente da fonte do cinema de aventura infanto-juvenil produzido nos Estados Unidos nos anos 1980, utilizando em sua trama elementos de um sucesso da década seguinte: “Beethoven: O Magnífico” (Beethoven – 1992), de Brian Levant. Isto fica nítido não apenas nas intenções do vilão construído intencionalmente de forma caricatural, cujas trapalhadas remetem um pouco às da dupla formada por Stanley Tucci e Oliver Platt no longa estrelado pelo São Bernardo, como também na conduta de Seu Cebola (Paulo Vilhena), pai amoroso e orgulhoso tal qual George Newton, o personagem de Charles Grodin.

 

Prioritariamente voltado para o público infantil, “Turma da Mônica – Laços” também agrada aos adultos que cresceram lendo os gibis dos personagens criados em 1963, proporcionando uma deliciosa viagem no tempo. E tal viagem ganha ainda mais força graças à cuidadosa direção de arte de Cássio Amarante e Mariana Falvo, sobretudo no que tange ao bairro do Limoeiro, construído com riqueza de detalhes.

 

Confira o Top 10 2019:

1. “Era Uma Vez em… Hollywood”:

Foto: Divulgação.

Produzido, dirigido e roteirizado por Tarantino, “Era Uma Vez em… Hollywood” foca em dois personagens ficcionais para contar a barbárie que vitimou Sharon Tate (Margot Robbie). Assim, o público é apresentado ao astro em decadência Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu dublê e fiel escudeiro, Cliff Booth (Brad Pitt). Vizinho de Tate e Polanski em Cielo Drive, Dalton é um beberrão que sonha em voltar ao panteão hollywoodiano, mas, para isso, precisa se sujeitar às imposições do sistema e à megalomania de cineastas, bem como impressionar Marvin Schwarzs (Al Pacino), executivo que decide tirá-lo do limbo. Em meio a isso, Cliff conhece Pussycat (Margaret Qualley), jovem seguidora de Manson (Damon Herriman) que o leva até o Rancho Spahn, onde ele se arrisca para reencontrar um velho conhecido, George Spahn (Bruce Dern), proprietário do local que está sob os cuidados de outra fiel de Manson, Squeaky Fromme (Dakota Fanning).

Brincando com o gênero do faroeste por meio de uma incursão aos bastidores da indústria, inserindo elementos de comédia e ação com pitadas de gore, Tarantino brinda a plateia com um filme calcado num roteiro inteligente e esteticamente refinado, algo proporcionado pela técnica impecável, sobretudo em relação à direção de arte, figurino e fotografia, que recriam com propriedade as décadas de 1950 e 1960, inclusive suas produções de cinema e televisão. Desta forma, o espectador é convidado por Tarantino a uma viagem aos tempos em que a comunidade hollywoodiana rompia com o conservadorismo, acompanhando as transformações impostas pelas turbulências enfrentadas pela sociedade americana, a maior parte delas causada pela Guerra do Vietnã e por tensões raciais – tensões estas impulsionadas por um homem racista travestido de hippie, que passou parte da infância e juventude em reformatórios e prisões, fã de Beatles e que sonhava com a fama no showbusiness, Charles Manson.

 

Último trabalho de Luke Perry no cinema – o ator morreu em março deste ano em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e não teve a oportunidade de assistir ao corte final do longa –, “Era Uma Vez em… Hollywood” é mais do que um filme sobre o assassinato brutal planejado pela mente perturbada do criador de uma seita. É sobre a indústria do entretenimento que tinha na figura do anti-herói de faroeste o homem que se redime por caminhos tortuosos para ganhar o status de “mocinho”. No fim das contas, Tarantino subverte a História em prol da fábula, brincando com o sonho representado pelo famoso letreiro em Los Angeles e, de certa forma, remetendo à narração final de “Uma Linda Mulher” (Pretty Woman – 1990), de Garry Marshall: “Bem-vindo a Hollywood! Qual é o seu sonho? Todo mundo vem para cá; esta é Hollywood, a terra dos sonhos. Alguns sonhos se tornam realidade, outros não; mas continue sonhando”.

 

2. “Coringa”:

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Bebendo diretamente da fonte do cinema de Martin Scorsese, sobretudo de “Táxi Driver” (Taxi Driver – 1976) e “O Rei da Comédia” (The King of Comedy – 1982), “Coringa” eleva a insanidade à potência máxima por meio de uma trama violenta que mostra Gotham City como um cenário caótico e anárquico, primando pela técnica, principalmente em termos de design de produção, fotografia, figurino e trilha sonora, que cresce em sintonia com a transformação de Arthur, potencializando suas emoções e o seu lado mais obscuro. Outro fator que chama a atenção é a montagem de Jeff Groth, parceiro de Phillips em “Cães de Guerra” (War Dogs – 2016), que costura com habilidade realidade e ilusão.

 

Explorada nos mínimos detalhes pelo roteiro bem construído de Phillips e Scott Silver, a transformação de Arthur em Coringa tem como maior trunfo o talento e a versatilidade de Joaquin Phoenix. Frágil num momento, perturbador e ameaçador em outro, o ator constrói o seu personagem de maneira a trabalhar com propriedade as emoções de um homem acometido por uma doença mental e que é obrigado a se confrontar com o passado até então desconhecido quando seu mundo começa a desmoronar – “Eu só não quero mais me sentir tão mal”, diz ele. Isto pode ser observado não apenas no olhar que exprime dor, como também na risada insana capaz de deixar o espectador com calafrios.

 

Primeiro longa proibido para menores a ultrapassar a barreira de US$ 1 bilhão em bilheterias mundiais, “Coringa” é um drama profundo que aborda temas importantes como doença mental, bullying e desigualdade social, mostrando uma onda de violência sem precedentes na fictícia Gotham City, que passa a tratar um psicopata sem nada a perder como ídolo.

 

3. “Parasita”:

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Com chances reais de se tornar a 12a produção de língua não-inglesa a concorrer ao Oscar principal, o de melhor filme, “Parasita” começa como um retrato tragicômico da miséria na Coreia do Sul, mostrando como parte da população sobrevive com poucos recursos, habitando porões. Gradativamente, o longa ganha densidade e elementos de drama e suspense até explodir em seu ato final.

 

Dirigido por Bong Joon-ho, o filme aborda temas urgentes, mas de maneira bastante peculiar, inserindo a crítica numa trama engenhosa que utiliza duas famílias de camadas sociais distintas como fio condutor. Isto se dá devido ao choque de realidade e à ignorância de quem escolhe uma bolha para viver, desconhecendo o que acontece ao redor e, por esta razão, tem a inocência proveniente das vendas nos olhos como principal inimigo. Neste contexto, a família Kim surge como parasita na vida dos Park, consumindo seus recursos e desestruturando seu mundo.

 

Trabalhando a questão de superfície versus subsolo com propriedade, este é um longa de estética rebuscada que fortalece o nome de Bong Joon-Ho como um dos cineastas mais relevantes do cinema contemporâneo.

 

4. “Dor e Glória”:

Foto: Divulgação.

Mistura de autobiografia e ficção, “Dor e Glória” mostra a dor de um homem que precisa enfrentar seus próprios fantasmas para se reconciliar com o passado e, assim, encontrar paz interior. No entanto, esta jornada de reconciliação implica em passar a limpo amores, medos e carreira de maneira honesta e sem rodeios.

 

Com direção e roteiro de Pedro Almodóvar, o longa chama a atenção pelo desempenho de Antonio Banderas (Salvador). Caracterizado de forma a remeter ao próprio Almodóvar, o ator brinda o espectador com a melhor atuação de sua carreira, trabalhando a crise existencial do personagem com muita sensibilidade, permitindo que sua melancolia domine a narrativa.

 

“Dor e Glória” ainda prima pelo roteiro bem estruturado que tem na montagem de Teresa Font seu pilar. Isto se deve ao fato de Font inserir com precisão cirúrgica flashbacks que apresentam à plateia a história pregressa do protagonista, esmiuçando sua vida pessoal e dor.

 

5. “Ad Astra: Rumo às Estrelas”:

Produzido por Brad Pitt, James Gray e pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, “Ad Astra: Rumo às Estrelas” oferece uma das melhores atuações da carreira de Pitt, que vive Roy McBride, astronauta que coloca sua vida amorosa em segundo plano em prol do trabalho, principalmente da perigosa missão rumo a Netuno para interromper a sobrecarga de energia que coloca todo o sistema solar em risco. É uma interpretação segura que esmiúça a personalidade de um homem que, apesar de conter suas emoções, ainda é atormentado pelo trauma do desaparecimento do pai, astronauta considerado herói americano. E é este o fio condutor da trama deste filme de arte travestido de blockbuster, que se desenrola de maneira a apresentar à plateia as transformações emocionais de Roy à medida que o inevitável confronto com o passado se aproxima.

 

Assinado por Gray e Ethan Gross, o roteiro é um dos principais alicerces deste longa, pois é bem estruturado e insere com maestria elementos de suspense no drama familiar. Sim, drama familiar, pois o foco aqui não é a exploração espacial, mas a necessidade do indivíduo de conhecer a si mesmo por meio de uma jornada reflexiva e, consequentemente, encontrar o seu lugar no mundo.

 

Tecnicamente primoroso, “Ad Astra: Rumo às Estrelas” é, na verdade, um drama que gira em torno de autoconhecimento e de um sentimento nobre, o amor. E para abordar tais temas na tela grande, Gray opta por uma direção que equilibra firmeza com sensibilidade no olhar, numa narrativa que se desenvolve sem pressa para explorar escolhas, renúncias e suas consequências nas vidas de cada um dos envolvidos.

 

6. “Vingadores: Ultimato”:

Foto: Divulgação.

Um ano se passou entre o estalar de dedos de Thanos e o lançamento de “Vingadores: Ultimato”. Neste período, muitas teorias surgiram na internet, mas nenhuma delas pôde preparar o espectador para o desenrolar desta trama, pois o longa dos irmãos Anthony e Joe Russo brinca com as emoções da plateia tal qual o titã louco com o universo.

 

“Vingadores: Ultimato” mostra os heróis sobreviventes libertando-se do tabuleiro que Thanos os colocou como peões. O problema é que a liberdade conquistada no último filme está acompanhada de sofrimento descomunal causado por vários fatores, desde a já citada dor da perda até o sentimento de culpa e impotência diante do caos, passando pela urgência em restabelecer a base familiar, independente de laços biológicos, transmitindo a mensagem de importância da família para o indivíduo, algo inerente ao UCM. Isto funciona não apenas pela comunhão de um elenco que atua em sua plenitude, como também graças ao roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely, coeso e estruturado com esmero, que tem como alicerce principal a montagem de Jeffrey Ford e Matthew Schmidt, que trabalha com perspicácia a viagem no tempo de cada personagem, conectando-a a eventos anteriores.

 

Fazendo jus ao orçamento milionário, estimado entre US$ 350 milhões e US$ 400 milhões, “Vingadores: Ultimato” ultrapassa a barreira do blockbuster, tirando este filão da zona de conforto proporcionada pela ação desenfreada calcada somente em efeitos especiais, para abordar temas universais. É um filme que utiliza o mesmo fio condutor de “Vingadores: Guerra Infinita”, aprofundando questões como família, remorso, necessidade de união e amor em sua forma mais pura e verdadeira, mesmo que tudo isto implique em sacrifícios extremos em prol do bem maior. É uma experiência cinematográfica completa que coloca o espectador no carrinho de uma montanha-russa movida a emoções de todos os tipos, concluindo com dignidade a trajetória de alguns personagens do UCM e elevando o legado de Stan Lee à potência máxima.

 

7. “Toy Story 4”:

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Marcando a estreia de Josh Cooley na direção de longas-metragens, “Toy Story 4” mistura elementos de outras produções do estúdio do Mickey e também de clássicos como “O Iluminado” (The Shining – 1980), e é, sem dúvida alguma, o filme mais divertido da franquia iniciada em 1995 com “Toy Story” (Idem – 1995). No entanto, este novo longa tem em “Divertida Mente” (Inside Out – 2015) sua maior fonte de inspiração no que tange à comédia e à relação de Woody com Garfinho (Tony Hale), que em diversos momentos remete à de Alegria (voz de Amy Poehler) e Tristeza (voz de Phyllis Smith) na animação vencedora do Oscar e roteirizada por Cooley, ao lado de Pete Docter e Meg LeFauve. É um humor de ritmo ágil calcado em diálogos simples e de fácil entendimento, algo imprescindível para a fatia infantil do público.

Tal qual o já citado “Divertida Mente”, “Toy Story 4” aborda as consequências da mudança de interesses do indivíduo, no caso, Bonnie, advinda de seu processo de crescimento e, também, de fatores externos. Basta observarmos a relação da menina com Jessie (voz de Joan Cusack), que ocupa no quarto de Bonnie o posto outrora pertencente a Woody no quarto de Andy, inclusive com a estrela de Xerife em sua roupa. É uma maneira de dizer às meninas da plateia que elas podem ocupar posições de liderança, algo que também fica claro na nova realidade de Bo Peep (voz de Annie Potts), boneca destemida que preza por sua liberdade e se orgulha de sua força num mundo pós-abandono.

Mantendo o padrão de qualidade técnica instituído pela Disney / Pixar, “Toy Story 4” tem no roteiro seu maior trunfo, pois a trama é desenvolvida com muito esmero para transmitir aos baixinhos uma mensagem não apenas sobre amor e amizade verdadeiros, como também de lealdade para com os seus e importância de encontrar o seu lugar no mundo para ser feliz. E tudo isso numa trama sobre autodescoberta e recheada de humor, que funciona em grande parte graças à dinâmica do time de dubladores que agrega valor imensurável a este longa, permitindo que ele conquiste a plateia em poucos minutos. É um trabalho digno de aplausos, inclusive em sua versão dublada.

 

8. “A Favorita”:

Foto: Divulgação.

Baseado numa história real, “A Favorita” joga na tela um universo sombrio que beira o grotesco, contrapondo imponência arquitetônica e degradação moral na Inglaterra do início do século XVIII. Para isto, utiliza como combustível a ganância de pessoas que não se furtam em usar umas às outras para atingir seus objetivos, apresentando à plateia relações de poder e dependência emocional, bem como as consequências da alienação de sua governante, manipulada por sua dama de companhia e amante, Sarah (Rachel Weisz), que se sente ameaçada com a chegada de sua prima, Abigail (Emma Stone), jovem que sonha em ascender custe o que custar. E a manipulação, neste caso, inclui os desejos mais íntimos da soberana.

 

Primando pelo figurino e inserção da trilha sonora por uma montagem para lá de eficiente, este filme de época chama realmente a atenção pela fotografia e pela escalação do elenco. Assinada por Robbie Ryan, a fotografia ousada utiliza lentes grande-angulares, distorcendo um pouquinho a imagem, trabalhando luzes e sombras de maneira a transmitir ao espectador as mais variadas emoções provocadas pelas situações vividas pelas personagens. E tais situações tornam-se críveis graças ao desempenho do trio principal, composto por Emma Stone, Rachel Weisz e Olivia Colman, que venceu o Oscar de melhor atriz por sua performance como a Rainha Anne.

 

Dirigida pelo grego Yorgos Lanthimos, “A Favorita” é uma produção sobre o lado mais sombrio do ser humano, impulsionado pela ganância e falta de caráter, deixando de lado todos os clichês inerentes ao seu gênero cinematográfico.

 

9. “Guerra Fria”:

Foto: Divulgação.

Devastada pela Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a Polônia chegou ao final dos anos 1940 tentando se reerguer num cenário de incertezas, muitas delas proporcionadas pela Guerra Fria (1945 – 1991), que dividiu o mundo em dois blocos, o capitalista (Estados Unidos) e o socialista (União das Repúblicas Socialistas Soviética – URSS). A divisão política, econômica e ideológica teve consequências, inclusive nas relações interpessoais. E é deste ponto que parte a trama de “Guerra Fria”, mostrando ao espectador as tradições polonesas e a busca dos jovens por uma vida melhor. Para isso, eles participam de audições para o Mazurek, grupo de música e dança, num palácio ainda com cicatrizes da Grande Guerra. É neste cenário que o músico e professor Wiktor (Tomasz Kot) conhece Zula (Joanna Kulig), jovem ousada para o seu tempo e por quem se encanta.

 

Ao longo de quase 90 minutos, “Guerra Fria” mostra os encontros e desencontros do casal, mas sem cometer o pecado da pieguice para entregar uma trama concisa que também explora o terceiro vértice do triângulo amoroso, o Estado. Desta forma, tece uma crítica direta ao bloco soviético e suas intervenções na vida particular de pessoas obrigadas a saudar Stalin, apesar das discordâncias, como os integrantes do Mazurek em suas apresentações pela Europa.

 

Com uma bela fotografia em preto e branco, que assume ares de retrato devido ao formato quadrado de tela, explorando a imponência de cenários e a miséria da população nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, “Guerra Fria” é um filme sobre a paixão desmedida e suas consequências. E para levar esta história às telas, o longa foge de clichês inerentes aos temas, focando no estado de degradação emocional que torna o indivíduo escravo de seu desejo e o leva a atitudes extremas.

 

10. “Graças a Deus”:

Foto: Divulgação.

Baseado em fatos reais, “Graças a Deus” chegou à esfera judicial depois de o Padre Bernard Preynat pedir o adiamento da estreia do longa em seu país de origem, onde responde às acusações de abuso sexual e pedofilia feitas por 85 ex-escoteiros.

 

Dirigido e roteirizado por François Ozon, o longa opta pela abordagem sóbria para apresentar as vítimas, seus traumas e a necessidade de se fazer justiça para que possam, enfim, zerar as contas com o passado. É uma produção que cresce de acordo com novas revelações dos abusos cometidos pelo padre, um dos mais respeitados da cidade de Lyon, na França.

 

Referenciando o vencedor do Oscar “Spotlight: Segredos Revelados”, de Tom McCarthy, inclusive ao exibir um pôster do filme na parede, “Graças a Deus” foca menos na investigação e no processo para dar voz ao drama de homens adultos ainda atormentados pela imagem do pároco.

 

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