Top 10: os melhores filmes de 2020

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Num ano tão atípico quanto 2020, a tarefa de elencar 10 títulos que se destacaram no circuito exibidor brasileiro se torna ainda mais árdua, pois o fechamento das salas ao redor do globo em decorrência da pandemia do novo coronavírus acarretou uma série de adiamentos, cancelamentos e estreias diretamente em PVOD ou streaming. Com isso, […]

POR Ana Carolina Garcia28/12/2020|20 min de leitura

Top 10: os melhores filmes de 2020

“1917” é dirigido por Sam Mendes, vencedor do Oscar de melhor direção por “Beleza Americana” (Foto: Divulgação).

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Num ano tão atípico quanto 2020, a tarefa de elencar 10 títulos que se destacaram no circuito exibidor brasileiro se torna ainda mais árdua, pois o fechamento das salas ao redor do globo em decorrência da pandemia do novo coronavírus acarretou uma série de adiamentos, cancelamentos e estreias diretamente em PVOD ou streaming. Com isso, a safra que prometia um ano lucrativo para a indústria, repleta de produções aguardadas com ansiedade pelo público, encolheu significativamente, restando poucas opções, comparado ao cronograma original, para quem decidiu voltar aos cinemas após a reabertura em algumas cidades, brasileiras e estrangeiras.

 

Parte considerável dos longas-metragens de maior destaque deste ano desembarcou no Brasil no primeiro trimestre, quando a Covid-19 se alastrava mundo afora, levando medo, dor e insegurança a incontáveis famílias. Na verdade, alguns deles estavam em cartaz quando a OMS declarou pandemia, como por exemplo, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” (Onward – 2020), “Luta por Justiça” (Just Mercy – 2019), “O Preço da Verdade” (Dark Waters – 2019) e “O Homem Invisível” (The Invisible Man – 2020), nova aposta da Universal Pictures para revitalizar os monstros que a ajudaram a se estabilizar em Hollywood, sob o apelido de “A Casa dos Monstros”, atualizando suas tramas para conquistar a plateia.

 

Renée Zellweger interpreta Judy Garland em “Judy: Muito Além do Arco-Íris” (Foto: Divulgação).

 

Neste contexto, alguns títulos que chegaram à temporada de prêmios americana, inclusive produzidos no ano passado, mas lançados em terras brasileiras somente em 2020, se sobressaem de alguma maneira – roteiro bem estruturados e/ou atuações marcantes, por exemplo. “O Escândalo” (Bombshell – 2019), “Judy: Muito Além do Arco-Íris” (Judy – 2019), “O Farol” (The Lighthouse – 2019, Canadá), “Retrato de Uma Jovem em Chamas” (Portrait de la jeune fille en feu – 2019, França), “Os Miseráveis” (Les misérables – 2019, França) e “1917” (Idem – 2019) são alguns deles.

 

Um dos poucos longas-metragens americanos ambientados na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), “1917” é um deleite para o público, funcionando como aula de cinema, pois seu rigor técnico e trama desenvolvida com esmero e dedicação o tornaram a obra-prima da filmografia de Sam Mendes. Vencedor do Oscar de melhor filme e direção por “Beleza Americana” (American Beauty – 1999), Mendes escreveu o roteiro, ao lado de Krysty Wilson-Cairns, baseado nas histórias de seu avô, ex-combatente. Este longa também colocou George MacKay na lista de atores promissores de sua geração – o ator também pôde ser visto na tela grande no segundo semestre em “A Verdadeira História de Ned Kelly” (True History of the Kelly Gang – 2019, Austrália), de Justin Kurzel, numa atuação que mergulha na mente doentia do personagem de maneira a expor tanto a aparente fragilidade quanto o lado mais obscuro de sua personalidade.

 

“Tenet” é protagonizado por Robert Pattinson e John David Washington (Foto: Divulgação).

 

No entanto, o filme mais comentado deste ano é a ficção-científica “Tenet” (Idem – 2020). Bastante aguardado pelo público por pertencer à grife Christopher Nolan, o blockbuster, adiado diversas vezes em virtude da Covid-19, era considerado a salvação do circuito exibidor em sua reabertura. Lançado nas salas precipitadamente por pressão do próprio realizador, o longa chama a atenção pelo apuro técnico, mas divide opiniões no que tange à história complexa defendida por John David Washington e Robert Pattinson. Ao todo, o filme, produzido pela Warner Bros., já arrecadou, de acordo com o Box Office Mojo, US$ 362,1 milhões, sendo US$ 57,8 milhões nos Estados Unidos, onde fracassou comercialmente, pois o país ainda não reabriu todas as suas salas – em Nova York e Los Angeles, seus principais mercados, continuam fechadas. Além disso, mesmo nas cidades nas quais os cinemas estão funcionando, parte do público ainda reluta em voltar à rotina porque as salas são locais fechados e, portanto, propícios para a disseminação do vírus.

 

O cinema brasileiro também sentiu o impacto da pandemia, postergando estreias e lidando com salas fechadas, temporária ou definitivamente, pois os exibidores menores estão sentindo com maior intensidade a crise econômica oriunda da sanitária. Mesmo assim, as produções seguiram a tendência de anos anteriores, se distanciando das comédias apelativas e apostando em gêneros como suspense e terror, por exemplo. Neste ponto, o maior destaque foi “Todos os Mortos” (2020), de Marco Dutra e Caetano Gotardo, que entrou em cartaz após sucesso no exterior, inclusive no Festival de Berlim, onde disputou o Urso de Ouro. No entanto, o cinema nacional foi feliz no filão de documentários, tendo “Soldado Estrangeiro” (2020) como um dos destaques.

 

Confira o Top 10:

1. “1917”:

“1917” é dirigido por Sam Mendes (Foto: Divulgação).

Pouco explorada pelo cinema hollywoodiano em comparação à Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) é tema de “1917”, de Sam Mendes. Ambientado na França, o filme começa em 04 de abril de 1917, mostrando a convocação do Cabo Tom Blake (Dean-Charles Chapman) pelo General Erinmore (Colin Firth), que precisa enviar uma mensagem a outro batalhão prestes a cair numa emboscada alemã. Entre os 1600 homens que Blake tem de salvar está seu irmão, o Tenente Joseph Blake (Richard Madden). E para acompanhá-lo na importante missão de entregar a mensagem ao Coronel Mackenzie (Benedict Cumberbatch), Tom escolhe seu amigo, o Cabo Schofield (George MacKay).

 

Conduzido com muita competência e segurança por Sam Mendes, “1917” impressiona por seu rigor técnico, sobretudo pela utilização de planos sequência durante quase todo o filme. No entanto, a fotografia de Roger Deakins atinge seu ápice no que tange à beleza plástica na sequência em que Schofield chega à uma cidade em ruínas e se depara com uma fonte cujo contorno remete à cruz, iluminada pelas chamas que consomem o local, simbolizando a chegada do Cabo ao inferno. Inserida com precisão pela montagem de Lee Smith, a trilha sonora de Thomas Newman potencializa a atmosfera de tensão do longa, aumentando o impacto das cenas sobre o espectador.

 

Claustrofóbico em diversos momentos, “1917” bebe diretamente da fonte do cinema de guerra de Steven Spielberg, principalmente de “O Resgate do Soldado Ryan” (Saving Private Ryan – 1998) no que tange ao sacrifício em prol do próximo e ao drama familiar, temática recorrente na filmografia de Sam Mendes. No entanto, ainda encontra espaço para abordar a barreira da língua e as consequências do conflito sobre civis, sintetizadas na jovem que resgata uma bebezinha de origem desconhecida e vê em Schofield seu único protetor em meio ao caos gerado pelo Exército Alemão.

 

2. “Os Miseráveis”:

“Os Miseráveis” é dirigido por Ladj Ly (Foto: Divulgação).

Indicado ao Oscar de melhor filme internacional, “Os Miseráveis” é um drama de difícil digestão que envereda pelo gênero policial com muita competência. Estreia de Ladj Ly na direção de longas-metragens, o filme começa mostrando um grupo de garotos da periferia de Paris ansiosos com uma partida de futebol da seleção francesa, entre eles, o adolescente Issa (Issa Perica). Na requintada Champs Elysées, a segregação econômica invade a tela por meio do contraste durante o jogo: o grupo de Issa assiste, da calçada, à televisão de um bar onde estão pessoas privilegiadas financeiramente. Entre eles, apenas o vidro que tem o peso de um muro. Em seguida, a plateia é apresentada aos três policiais que patrulham o bairro do garoto, que, aos poucos, assume papel de importância para a trama.

 

Baseado no curta homônimo lançado em 2017, também dirigido por Ladj Ly, “Os Miseráveis” é um filme que explora tanto as ações da polícia quanto dos adolescentes, mostrando as consequências para ambos os lados. Sempre sob pressão, os policiais atuam no limite da emoção e da violência, enquanto boa parte dos jovens cresce largada e sem respeitar nada nem ninguém, sobrevivendo, também, no limite e, por vezes, seguindo um caminho sem volta. E quando estes elementos se misturam, a situação foge do controle e da sensatez.

 

Conduzindo “Os Miseráveis” de maneira a impedir que o espectador sinta empatia pelos personagens, exceto pelo menino Buzz (Al-Hassan Ly), que se envolve na confusão acidentalmente, Ladj Ly leva o espectador à reflexão a todo instante ao exibir ações e reações excessivas que beiram a barbárie num cenário varrido para debaixo do tapete pelos belos cartões-postais franceses. No entanto, apesar da inevitável reflexão, o longa opta por não esmiuçar a origem do caos, terminando de forma subjetiva para deixar a plateia perturbada com o retrato de uma parcela da sociedade que vive sob a “lei da selva”.

 

3. “Retrato de Uma Jovem em Chamas”:

“Retrato de Uma Jovem em Chamas” é dirigido por Céline Sciamma (Foto: Divulgação).

Ambientado no século XVIII, “Retrato de Uma Jovem em Chamas” apresenta uma trama sobre mulheres cuja liberdade é cerceada por imposições e convenções sociais, sobretudo no que tange aos seus desejos mais íntimos. Esteticamente elegante, o longa se desenvolve sem pressa, tendo delicadeza e sutileza como alicerces, trabalhando as questões do corpo e da homossexualidade com respeito.

 

Com direção e roteiro de Céline Sciamma, “Retrato de Uma Jovem em Chamas” conta a história de Marianne (Noémie Merlant), jovem pintora contratada para secretamente retratar uma ex-noviça prometida em casamento a um homem que nunca viu. Aos poucos, Marianne e Heloïse (Adèle Haenel) descobrem o amor e a paixão que precisam ser sufocados, enquanto ajudam Sophie (Luàna Bajrami) a interromper uma gravidez indesejada.

 

Contando com uma câmera contemplativa, “Retrato de Uma Jovem em Chamas” utiliza a direção de arte de maneira a explorar a decadência da casa de Heloïse, sugerindo o casamento arranjado e imposto como meio de sobrevivência da família, dando a filha em sacrifício em prol da manutenção de convenções sociais e, consequentemente, do próprio estilo de vida. É uma produção interessante até mesmo por não apelar para o sentimentalismo inerente a romances proibidos, que cresce na tela graças à comunhão do elenco, principalmente das protagonistas, Haenel e Merlant, totalmente entregues às personagens e esbanjando química em cena.

 

4. “O Farol”:

“O Farol” é dirigido por Robert Eggers (Foto: Divulgação).

Bebendo diretamente da fonte do Expressionismo Alemão, algo que pode ser observado com mais afinco na fotografia em preto e branco, “O Farol” consagra o cineasta Robert Eggers como um dos novos nomes do cinema de terror. Em seu segundo longa-metragem como diretor, o primeiro foi “A Bruxa”, Eggers realiza uma obra tecnicamente primorosa sobre a insanidade potencializada pelo isolamento.

 

Produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, “O Farol” conta a história do faroleiro Thomas Wake (Willem Dafoe), que contrata um jovem misterioso para ajudá-lo nas tarefas do local. De personalidades opostas, mas parecidos no que tange à irascibilidade, Wake e Thomas Howard (Robert Pattinson) mantêm uma relação conturbada e violenta na qual realidade e ilusão caminham lado a lado.

 

Inserindo elementos do cinema gore e de comicidade em alguns momentos, “O Farol” é uma produção que explora com perspicácia a atmosfera de tensão e claustrofobia da ilha que desperta a face mais bestial do ser humano, trabalhando, ainda, a questão sexual. Carregado de simbolismos, o longa faz uma bela aposta no poder da imagem e dos diálogos, oferecendo ao espectador uma experiência impactante que tem como um dos pilares o belo jogo cênico de Dafoe e Pattinson, que compõem seus personagens de maneira a incorporá-los.

 

5. “O Preço da Verdade”:

“O Preço da Verdade” é dirigido por Todd Haynes (Foto: Divulgação).

Baseado em fatos reais, “O Preço da Verdade” equilibra ação e drama, inclusive de tribunal, com doses contidas de suspense, para contar a história de uma comunidade diretamente afetada pela negligência e crime não apenas ambiental, mas à vida, da DuPont, que durante décadas escondeu relatórios que apontavam o potencial risco à saúde do C8, um dos componentes utilizados no Teflon.

 

Dirigido por Todd Haynes, “O Preço da Verdade” foca na luta obstinada do advogado Rob Bilott (Mark Ruffalo) em desvendar o que de fato acontece na comunidade onde passou parte da infância, enfrentando uma grande corporação e expondo sua responsabilidade nos danos à saúde da população, bem como dos animais e do meio ambiente, fazendo o possível para derrotá-la no tribunal. Em meio a isso, Bilott precisa lidar com as cobranças da esposa e a pressão na firma de advocacia da qual se tornou sócio.

 

Inspirado no artigo “The Lawyer Who Became DuPont’s Worst Nightmare”, publicado pelo The New York Times, “O Preço da Verdade” se desenvolve com cuidado para ambientar o espectador, pois expõe não apenas a atuação criminosa da empresa, como também sua defesa por parte de cidadãos que colocam sua saúde e vida em segundo plano, demonstrando gratidão pela fábrica que gera empregos, desconsiderando as consequências. Assumindo fórmula convencional, o filme ganha viés de denúncia ao expor fatos, não suposições, causando impacto na plateia que, independentemente da nacionalidade, ainda hoje consome produtos que utilizam o C8. Sem dúvida alguma, esta é uma produção que merece ser assistida ao menos uma vez.

 

6. “Luta por Justiça”:

“Luta por Justiça” é dirigido por Destin Daniel Cretton (Foto: Divulgação).

Produzido e estrelado por Michael B. Jordan, “Luta por Justiça” conta a história real do advogado Bryan Stevenson (Jordan), que resolve se mudar para o Alabama, ciente da violência contra negros, para ajudar condenados no corredor da morte. Entre eles, Walter McMillian (Jamie Foxx), que cumpre pena pelo assassinato de uma jovem branca, mas sem provas e num julgamento que não lhe deu condições de defesa.

 

Expondo o racismo enraizado na sociedade americana, o longa faz um duro retrato das dificuldades enfrentadas por quem não tem recursos financeiros suficientes para provar a própria inocência. Desta forma, apresenta à plateia a perseguição tanto ao advogado quanto ao condenado que foi para o corredor da morte um ano antes de ser julgado, mostrando as falhas do sistema, sobretudo no Alabama.

 

Contando com boas atuações de Jordan e Foxx, principalmente do segundo, este é um filme de fórmula convencional, por vezes, didático, que cresce aos poucos, ganhando força em seu terceiro ato. Dirigido por Destin Daniel Cretton, “Luta por Justiça” é mais uma produção de denúncia contra o preconceito racial produzido em Hollywood, necessário para conscientizar as novas gerações, transmitindo a ainda urgente mensagem de que ninguém pode ser julgado somente pela cor da pele.

 

7. “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica”:

“Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” é dirigido por Dan Scanlon (Foto: Divulgação).

Exibido no Festival de Berlim deste ano, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” mantém o padrão de qualidade técnica da Disney / Pixar para contar uma história de superação na qual real e imaginário caminham juntos.

 

Com direção de Dan Scanlon, o longa equilibra drama e comédia para contar a história de Ian Lightfoot (voz de Tom Holland), adolescente que deseja utilizar a magia para reencontrar o falecido pai. Cada vez mais introvertido e obstinado, Ian conta com a ajuda do irmão geek, Barley Lightfoot (voz de Chris Pratt), numa jornada que mudará a maneira com a qual enxerga o mundo ao seu redor.

 

Referenciando visualmente o clássico oitentista “Um Morto Muito Louco” (Weekend at Bernie’s – 1989), de Ted Kotcheff, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” discute questões importantes por meio das dúvidas dos protagonistas, principalmente em relação à magia. Contudo, é na mensagem de cunho familiar, inerente aos títulos produzidos pela Disney, que esta animação ganha força, atingindo em cheio a fatia adulta do público. Tudo isso em meio a personagens que integram minorias, demonstrando a preocupação do estúdio para com temas como representatividade e inclusão, mas de forma totalmente lúdica.

 

8. “O Homem Invisível”:

“O Homem Invisível” é dirigido por Alex Kurtzman (Foto: Divulgação).

Remake do clássico homônimo de James Whale, baseado na obra de H.G. Wells e lançado em 1933 pela Universal Pictures, “O Homem Invisível” chegou aos cinemas como uma revitalização do Dark Universe após o resultado de “A Múmia” (The Mummy – 2017), releitura de outro clássico de 1933, estrelada por Tom Cruise e que dividiu opinião do público e da crítica.

 

Dirigida por Leigh Whannell, a nova versão de “O Homem Invisível” surpreende por trazer os monstros da Universal para a contemporaneidade, mantendo a sua essência. Assim, conta a história de Cecilia Kass (Elisabeth Moss), mulher que foge do marido após anos de relacionamento abusivo. Forjando a própria morte, Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen) decide atormentá-la vestindo um traje criado em seu laboratório para lhe conceder invisibilidade. Com isso, pessoas próximas à Cecilia começam a questionar sua sanidade.

 

“O Homem Invisível” trabalha com propriedade elementos de terror e suspense a partir do perigo representado por relacionamentos tóxicos que causam traumas difíceis de serem superados, permitindo ao espectador refletir acerca de atitudes aparentemente incompreendidas. Isto funciona em parte graças à atuação de Moss, que esmiúça o medo de Cecilia, bem como sua obstinação em recuperar a liberdade e segurança de outrora, imprimindo características da personagem que a tornou famosa, a June, do seriado “The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia” (Tha Handmaid’s Tale – desde 2017).

 

9. “Cicatrizes”:

“Cicatrizes” é dirigido por Miroslav Terzic (Foto: Divulgação).

Indicado da Sérvia para concorrer a uma vaga entre os finalistas da categoria de melhor filme internacional do Oscar 2020, “Cicatrizes” (Šavovi – 2019) é baseado na história real de Drinka Radonjic, costureira de Belgrado (Sérvia) que teve seu filho recém-nascido sequestrado no hospital e, posteriormente, vendido, fazendo um duro retrato das consequências de um crime que era bastante comum na cidade entre o final dos anos 1980 e início dos 1990. Atualmente, mais de 500 famílias tentam descobrir o paradeiro de suas crianças, raptadas no mesmo padrão, enquanto as mães eram dopadas no pós-parto e então comunicadas do falecimento dos bebês, sem que pudessem vê-los e sepultá-los, recebendo atestados de óbito falsos e a informação de que os corpos haviam sido descartados como “lixo hospitalar”.

 

Segundo longa-metragem de Miroslav Terzic, o primeiro foi o thriller “Ustanicka ulica” (Idem – 2012), “Cicatrizes” conta esta página trágica da história de Belgrado, pouco explorada pela mídia, por meio de Ana (Snezana Bogdanovic). Durante 18 anos, Ana buscou evidências de que seu filho estava vivo, o que afetou diretamente sua relação com o marido e a filha, que se sente renegada pela mãe. Com passagem por instituição psiquiátrica e pressionada por médicos e autoridades locais, Ana segue uma pista entregue pela Associação de Crianças Desaparecidas, entrando numa jornada ainda mais dolorosa e perigosa.

 

Sem nenhum desafio técnico, “Cicatrizes” tem no roteiro seu principal alicerce, esmiuçando o drama da protagonista sem enveredar pela pieguice, assumindo o tom sóbrio da primeira à última cena, mas sem aprofundar o suficiente a relação fraturada entre mãe e filha, sobretudo quando a jovem assume papel de liderança na busca pelo irmão. Com isso, o espectador é apresentado a um sistema que tem no horror seu elemento principal, destruindo e traumatizando famílias em prol do dinheiro, tendo como ponto de partida o local que deveria ser protegido a todo custo: o berçário.

 

10. “Soldado Estrangeiro”:

“Soldado Estrangeiro” é dirigido por José Joffily e Pedro Rossi (Foto: Divulgação).

Ambientado nos dias atuais, “Soldado Estrangeiro” foca na difícil decisão de três jovens brasileiros que deixaram o país para servir em Forças Armadas estrangeiras. Dirigido e roteirizado por José Joffily e Pedro Rossi, o documentário aborda as Forças Armadas como sonho e/ou a única saída para uma vida melhor graças ao salário oferecido, bebendo diretamente da fonte do cinema americano tanto na narrativa convencional quanto na estética de tons sóbrios. Contudo, o principal alicerce é a montagem de Jordana Berg, que costura com propriedade três histórias que se complementam de maneira a apresentar ao espectador as fases do alistamento, do combate e da volta para casa, conectando diferentes cenários e emoções – ansiedade por realizar o sonho que dará vida melhor à família integrando a Legião Estrangeira (Bruno Silva); a adrenalina e a energia juvenil no front, combatendo pelo Exército de Israel, em plena Faixa de Gaza (Mário Wasercjer); e as consequências físicas e mentais do período que lutou contra o Talibã, no Afeganistão, pela Marinha Americana (Felipe de Almeida).

 

“Soldado Estrangeiro” é eficiente ao trabalhar a relação de cada um dos jovens com suas famílias, mas sem cair na armadilha da pieguice, expondo as motivações individuais sem romantizá-las em nenhum momento. Neste sentido, o longa acaba por levantar, mesmo que indiretamente, questões como raízes e pertencimento de combatentes que tentam descobrir “seu lugar no mundo”.

 

Contendo trechos do livro “Johnny Vai à Guerra” (1939), de Dalton Trumbo, roteirista americano que integrou a chamada lista negra de Hollywood durante o macarthismo, “Soldado Estrangeiro” trabalha a riqueza de seu conteúdo com habilidade e objetividade, ganhando força a cada cena. Respeitando a distância entre câmera e retratados, necessária em documentários, a produção também tece uma crítica à falta de oportunidades dos jovens no Brasil, o que os leva a sonhar com a vida no exterior e a defender e abraçar as bandeiras dos países que lhes deram uma chance.

 

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Num ano tão atípico quanto 2020, a tarefa de elencar 10 títulos que se destacaram no circuito exibidor brasileiro se torna ainda mais árdua, pois o fechamento das salas ao redor do globo em decorrência da pandemia do novo coronavírus acarretou uma série de adiamentos, cancelamentos e estreias diretamente em PVOD ou streaming. Com isso, a safra que prometia um ano lucrativo para a indústria, repleta de produções aguardadas com ansiedade pelo público, encolheu significativamente, restando poucas opções, comparado ao cronograma original, para quem decidiu voltar aos cinemas após a reabertura em algumas cidades, brasileiras e estrangeiras.

 

Parte considerável dos longas-metragens de maior destaque deste ano desembarcou no Brasil no primeiro trimestre, quando a Covid-19 se alastrava mundo afora, levando medo, dor e insegurança a incontáveis famílias. Na verdade, alguns deles estavam em cartaz quando a OMS declarou pandemia, como por exemplo, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” (Onward – 2020), “Luta por Justiça” (Just Mercy – 2019), “O Preço da Verdade” (Dark Waters – 2019) e “O Homem Invisível” (The Invisible Man – 2020), nova aposta da Universal Pictures para revitalizar os monstros que a ajudaram a se estabilizar em Hollywood, sob o apelido de “A Casa dos Monstros”, atualizando suas tramas para conquistar a plateia.

 

Renée Zellweger interpreta Judy Garland em “Judy: Muito Além do Arco-Íris” (Foto: Divulgação).

 

Neste contexto, alguns títulos que chegaram à temporada de prêmios americana, inclusive produzidos no ano passado, mas lançados em terras brasileiras somente em 2020, se sobressaem de alguma maneira – roteiro bem estruturados e/ou atuações marcantes, por exemplo. “O Escândalo” (Bombshell – 2019), “Judy: Muito Além do Arco-Íris” (Judy – 2019), “O Farol” (The Lighthouse – 2019, Canadá), “Retrato de Uma Jovem em Chamas” (Portrait de la jeune fille en feu – 2019, França), “Os Miseráveis” (Les misérables – 2019, França) e “1917” (Idem – 2019) são alguns deles.

 

Um dos poucos longas-metragens americanos ambientados na Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), “1917” é um deleite para o público, funcionando como aula de cinema, pois seu rigor técnico e trama desenvolvida com esmero e dedicação o tornaram a obra-prima da filmografia de Sam Mendes. Vencedor do Oscar de melhor filme e direção por “Beleza Americana” (American Beauty – 1999), Mendes escreveu o roteiro, ao lado de Krysty Wilson-Cairns, baseado nas histórias de seu avô, ex-combatente. Este longa também colocou George MacKay na lista de atores promissores de sua geração – o ator também pôde ser visto na tela grande no segundo semestre em “A Verdadeira História de Ned Kelly” (True History of the Kelly Gang – 2019, Austrália), de Justin Kurzel, numa atuação que mergulha na mente doentia do personagem de maneira a expor tanto a aparente fragilidade quanto o lado mais obscuro de sua personalidade.

 

“Tenet” é protagonizado por Robert Pattinson e John David Washington (Foto: Divulgação).

 

No entanto, o filme mais comentado deste ano é a ficção-científica “Tenet” (Idem – 2020). Bastante aguardado pelo público por pertencer à grife Christopher Nolan, o blockbuster, adiado diversas vezes em virtude da Covid-19, era considerado a salvação do circuito exibidor em sua reabertura. Lançado nas salas precipitadamente por pressão do próprio realizador, o longa chama a atenção pelo apuro técnico, mas divide opiniões no que tange à história complexa defendida por John David Washington e Robert Pattinson. Ao todo, o filme, produzido pela Warner Bros., já arrecadou, de acordo com o Box Office Mojo, US$ 362,1 milhões, sendo US$ 57,8 milhões nos Estados Unidos, onde fracassou comercialmente, pois o país ainda não reabriu todas as suas salas – em Nova York e Los Angeles, seus principais mercados, continuam fechadas. Além disso, mesmo nas cidades nas quais os cinemas estão funcionando, parte do público ainda reluta em voltar à rotina porque as salas são locais fechados e, portanto, propícios para a disseminação do vírus.

 

O cinema brasileiro também sentiu o impacto da pandemia, postergando estreias e lidando com salas fechadas, temporária ou definitivamente, pois os exibidores menores estão sentindo com maior intensidade a crise econômica oriunda da sanitária. Mesmo assim, as produções seguiram a tendência de anos anteriores, se distanciando das comédias apelativas e apostando em gêneros como suspense e terror, por exemplo. Neste ponto, o maior destaque foi “Todos os Mortos” (2020), de Marco Dutra e Caetano Gotardo, que entrou em cartaz após sucesso no exterior, inclusive no Festival de Berlim, onde disputou o Urso de Ouro. No entanto, o cinema nacional foi feliz no filão de documentários, tendo “Soldado Estrangeiro” (2020) como um dos destaques.

 

Confira o Top 10:

1. “1917”:

“1917” é dirigido por Sam Mendes (Foto: Divulgação).

Pouco explorada pelo cinema hollywoodiano em comparação à Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) é tema de “1917”, de Sam Mendes. Ambientado na França, o filme começa em 04 de abril de 1917, mostrando a convocação do Cabo Tom Blake (Dean-Charles Chapman) pelo General Erinmore (Colin Firth), que precisa enviar uma mensagem a outro batalhão prestes a cair numa emboscada alemã. Entre os 1600 homens que Blake tem de salvar está seu irmão, o Tenente Joseph Blake (Richard Madden). E para acompanhá-lo na importante missão de entregar a mensagem ao Coronel Mackenzie (Benedict Cumberbatch), Tom escolhe seu amigo, o Cabo Schofield (George MacKay).

 

Conduzido com muita competência e segurança por Sam Mendes, “1917” impressiona por seu rigor técnico, sobretudo pela utilização de planos sequência durante quase todo o filme. No entanto, a fotografia de Roger Deakins atinge seu ápice no que tange à beleza plástica na sequência em que Schofield chega à uma cidade em ruínas e se depara com uma fonte cujo contorno remete à cruz, iluminada pelas chamas que consomem o local, simbolizando a chegada do Cabo ao inferno. Inserida com precisão pela montagem de Lee Smith, a trilha sonora de Thomas Newman potencializa a atmosfera de tensão do longa, aumentando o impacto das cenas sobre o espectador.

 

Claustrofóbico em diversos momentos, “1917” bebe diretamente da fonte do cinema de guerra de Steven Spielberg, principalmente de “O Resgate do Soldado Ryan” (Saving Private Ryan – 1998) no que tange ao sacrifício em prol do próximo e ao drama familiar, temática recorrente na filmografia de Sam Mendes. No entanto, ainda encontra espaço para abordar a barreira da língua e as consequências do conflito sobre civis, sintetizadas na jovem que resgata uma bebezinha de origem desconhecida e vê em Schofield seu único protetor em meio ao caos gerado pelo Exército Alemão.

 

2. “Os Miseráveis”:

“Os Miseráveis” é dirigido por Ladj Ly (Foto: Divulgação).

Indicado ao Oscar de melhor filme internacional, “Os Miseráveis” é um drama de difícil digestão que envereda pelo gênero policial com muita competência. Estreia de Ladj Ly na direção de longas-metragens, o filme começa mostrando um grupo de garotos da periferia de Paris ansiosos com uma partida de futebol da seleção francesa, entre eles, o adolescente Issa (Issa Perica). Na requintada Champs Elysées, a segregação econômica invade a tela por meio do contraste durante o jogo: o grupo de Issa assiste, da calçada, à televisão de um bar onde estão pessoas privilegiadas financeiramente. Entre eles, apenas o vidro que tem o peso de um muro. Em seguida, a plateia é apresentada aos três policiais que patrulham o bairro do garoto, que, aos poucos, assume papel de importância para a trama.

 

Baseado no curta homônimo lançado em 2017, também dirigido por Ladj Ly, “Os Miseráveis” é um filme que explora tanto as ações da polícia quanto dos adolescentes, mostrando as consequências para ambos os lados. Sempre sob pressão, os policiais atuam no limite da emoção e da violência, enquanto boa parte dos jovens cresce largada e sem respeitar nada nem ninguém, sobrevivendo, também, no limite e, por vezes, seguindo um caminho sem volta. E quando estes elementos se misturam, a situação foge do controle e da sensatez.

 

Conduzindo “Os Miseráveis” de maneira a impedir que o espectador sinta empatia pelos personagens, exceto pelo menino Buzz (Al-Hassan Ly), que se envolve na confusão acidentalmente, Ladj Ly leva o espectador à reflexão a todo instante ao exibir ações e reações excessivas que beiram a barbárie num cenário varrido para debaixo do tapete pelos belos cartões-postais franceses. No entanto, apesar da inevitável reflexão, o longa opta por não esmiuçar a origem do caos, terminando de forma subjetiva para deixar a plateia perturbada com o retrato de uma parcela da sociedade que vive sob a “lei da selva”.

 

3. “Retrato de Uma Jovem em Chamas”:

“Retrato de Uma Jovem em Chamas” é dirigido por Céline Sciamma (Foto: Divulgação).

Ambientado no século XVIII, “Retrato de Uma Jovem em Chamas” apresenta uma trama sobre mulheres cuja liberdade é cerceada por imposições e convenções sociais, sobretudo no que tange aos seus desejos mais íntimos. Esteticamente elegante, o longa se desenvolve sem pressa, tendo delicadeza e sutileza como alicerces, trabalhando as questões do corpo e da homossexualidade com respeito.

 

Com direção e roteiro de Céline Sciamma, “Retrato de Uma Jovem em Chamas” conta a história de Marianne (Noémie Merlant), jovem pintora contratada para secretamente retratar uma ex-noviça prometida em casamento a um homem que nunca viu. Aos poucos, Marianne e Heloïse (Adèle Haenel) descobrem o amor e a paixão que precisam ser sufocados, enquanto ajudam Sophie (Luàna Bajrami) a interromper uma gravidez indesejada.

 

Contando com uma câmera contemplativa, “Retrato de Uma Jovem em Chamas” utiliza a direção de arte de maneira a explorar a decadência da casa de Heloïse, sugerindo o casamento arranjado e imposto como meio de sobrevivência da família, dando a filha em sacrifício em prol da manutenção de convenções sociais e, consequentemente, do próprio estilo de vida. É uma produção interessante até mesmo por não apelar para o sentimentalismo inerente a romances proibidos, que cresce na tela graças à comunhão do elenco, principalmente das protagonistas, Haenel e Merlant, totalmente entregues às personagens e esbanjando química em cena.

 

4. “O Farol”:

“O Farol” é dirigido por Robert Eggers (Foto: Divulgação).

Bebendo diretamente da fonte do Expressionismo Alemão, algo que pode ser observado com mais afinco na fotografia em preto e branco, “O Farol” consagra o cineasta Robert Eggers como um dos novos nomes do cinema de terror. Em seu segundo longa-metragem como diretor, o primeiro foi “A Bruxa”, Eggers realiza uma obra tecnicamente primorosa sobre a insanidade potencializada pelo isolamento.

 

Produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, “O Farol” conta a história do faroleiro Thomas Wake (Willem Dafoe), que contrata um jovem misterioso para ajudá-lo nas tarefas do local. De personalidades opostas, mas parecidos no que tange à irascibilidade, Wake e Thomas Howard (Robert Pattinson) mantêm uma relação conturbada e violenta na qual realidade e ilusão caminham lado a lado.

 

Inserindo elementos do cinema gore e de comicidade em alguns momentos, “O Farol” é uma produção que explora com perspicácia a atmosfera de tensão e claustrofobia da ilha que desperta a face mais bestial do ser humano, trabalhando, ainda, a questão sexual. Carregado de simbolismos, o longa faz uma bela aposta no poder da imagem e dos diálogos, oferecendo ao espectador uma experiência impactante que tem como um dos pilares o belo jogo cênico de Dafoe e Pattinson, que compõem seus personagens de maneira a incorporá-los.

 

5. “O Preço da Verdade”:

“O Preço da Verdade” é dirigido por Todd Haynes (Foto: Divulgação).

Baseado em fatos reais, “O Preço da Verdade” equilibra ação e drama, inclusive de tribunal, com doses contidas de suspense, para contar a história de uma comunidade diretamente afetada pela negligência e crime não apenas ambiental, mas à vida, da DuPont, que durante décadas escondeu relatórios que apontavam o potencial risco à saúde do C8, um dos componentes utilizados no Teflon.

 

Dirigido por Todd Haynes, “O Preço da Verdade” foca na luta obstinada do advogado Rob Bilott (Mark Ruffalo) em desvendar o que de fato acontece na comunidade onde passou parte da infância, enfrentando uma grande corporação e expondo sua responsabilidade nos danos à saúde da população, bem como dos animais e do meio ambiente, fazendo o possível para derrotá-la no tribunal. Em meio a isso, Bilott precisa lidar com as cobranças da esposa e a pressão na firma de advocacia da qual se tornou sócio.

 

Inspirado no artigo “The Lawyer Who Became DuPont’s Worst Nightmare”, publicado pelo The New York Times, “O Preço da Verdade” se desenvolve com cuidado para ambientar o espectador, pois expõe não apenas a atuação criminosa da empresa, como também sua defesa por parte de cidadãos que colocam sua saúde e vida em segundo plano, demonstrando gratidão pela fábrica que gera empregos, desconsiderando as consequências. Assumindo fórmula convencional, o filme ganha viés de denúncia ao expor fatos, não suposições, causando impacto na plateia que, independentemente da nacionalidade, ainda hoje consome produtos que utilizam o C8. Sem dúvida alguma, esta é uma produção que merece ser assistida ao menos uma vez.

 

6. “Luta por Justiça”:

“Luta por Justiça” é dirigido por Destin Daniel Cretton (Foto: Divulgação).

Produzido e estrelado por Michael B. Jordan, “Luta por Justiça” conta a história real do advogado Bryan Stevenson (Jordan), que resolve se mudar para o Alabama, ciente da violência contra negros, para ajudar condenados no corredor da morte. Entre eles, Walter McMillian (Jamie Foxx), que cumpre pena pelo assassinato de uma jovem branca, mas sem provas e num julgamento que não lhe deu condições de defesa.

 

Expondo o racismo enraizado na sociedade americana, o longa faz um duro retrato das dificuldades enfrentadas por quem não tem recursos financeiros suficientes para provar a própria inocência. Desta forma, apresenta à plateia a perseguição tanto ao advogado quanto ao condenado que foi para o corredor da morte um ano antes de ser julgado, mostrando as falhas do sistema, sobretudo no Alabama.

 

Contando com boas atuações de Jordan e Foxx, principalmente do segundo, este é um filme de fórmula convencional, por vezes, didático, que cresce aos poucos, ganhando força em seu terceiro ato. Dirigido por Destin Daniel Cretton, “Luta por Justiça” é mais uma produção de denúncia contra o preconceito racial produzido em Hollywood, necessário para conscientizar as novas gerações, transmitindo a ainda urgente mensagem de que ninguém pode ser julgado somente pela cor da pele.

 

7. “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica”:

“Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” é dirigido por Dan Scanlon (Foto: Divulgação).

Exibido no Festival de Berlim deste ano, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” mantém o padrão de qualidade técnica da Disney / Pixar para contar uma história de superação na qual real e imaginário caminham juntos.

 

Com direção de Dan Scanlon, o longa equilibra drama e comédia para contar a história de Ian Lightfoot (voz de Tom Holland), adolescente que deseja utilizar a magia para reencontrar o falecido pai. Cada vez mais introvertido e obstinado, Ian conta com a ajuda do irmão geek, Barley Lightfoot (voz de Chris Pratt), numa jornada que mudará a maneira com a qual enxerga o mundo ao seu redor.

 

Referenciando visualmente o clássico oitentista “Um Morto Muito Louco” (Weekend at Bernie’s – 1989), de Ted Kotcheff, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” discute questões importantes por meio das dúvidas dos protagonistas, principalmente em relação à magia. Contudo, é na mensagem de cunho familiar, inerente aos títulos produzidos pela Disney, que esta animação ganha força, atingindo em cheio a fatia adulta do público. Tudo isso em meio a personagens que integram minorias, demonstrando a preocupação do estúdio para com temas como representatividade e inclusão, mas de forma totalmente lúdica.

 

8. “O Homem Invisível”:

“O Homem Invisível” é dirigido por Alex Kurtzman (Foto: Divulgação).

Remake do clássico homônimo de James Whale, baseado na obra de H.G. Wells e lançado em 1933 pela Universal Pictures, “O Homem Invisível” chegou aos cinemas como uma revitalização do Dark Universe após o resultado de “A Múmia” (The Mummy – 2017), releitura de outro clássico de 1933, estrelada por Tom Cruise e que dividiu opinião do público e da crítica.

 

Dirigida por Leigh Whannell, a nova versão de “O Homem Invisível” surpreende por trazer os monstros da Universal para a contemporaneidade, mantendo a sua essência. Assim, conta a história de Cecilia Kass (Elisabeth Moss), mulher que foge do marido após anos de relacionamento abusivo. Forjando a própria morte, Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen) decide atormentá-la vestindo um traje criado em seu laboratório para lhe conceder invisibilidade. Com isso, pessoas próximas à Cecilia começam a questionar sua sanidade.

 

“O Homem Invisível” trabalha com propriedade elementos de terror e suspense a partir do perigo representado por relacionamentos tóxicos que causam traumas difíceis de serem superados, permitindo ao espectador refletir acerca de atitudes aparentemente incompreendidas. Isto funciona em parte graças à atuação de Moss, que esmiúça o medo de Cecilia, bem como sua obstinação em recuperar a liberdade e segurança de outrora, imprimindo características da personagem que a tornou famosa, a June, do seriado “The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia” (Tha Handmaid’s Tale – desde 2017).

 

9. “Cicatrizes”:

“Cicatrizes” é dirigido por Miroslav Terzic (Foto: Divulgação).

Indicado da Sérvia para concorrer a uma vaga entre os finalistas da categoria de melhor filme internacional do Oscar 2020, “Cicatrizes” (Šavovi – 2019) é baseado na história real de Drinka Radonjic, costureira de Belgrado (Sérvia) que teve seu filho recém-nascido sequestrado no hospital e, posteriormente, vendido, fazendo um duro retrato das consequências de um crime que era bastante comum na cidade entre o final dos anos 1980 e início dos 1990. Atualmente, mais de 500 famílias tentam descobrir o paradeiro de suas crianças, raptadas no mesmo padrão, enquanto as mães eram dopadas no pós-parto e então comunicadas do falecimento dos bebês, sem que pudessem vê-los e sepultá-los, recebendo atestados de óbito falsos e a informação de que os corpos haviam sido descartados como “lixo hospitalar”.

 

Segundo longa-metragem de Miroslav Terzic, o primeiro foi o thriller “Ustanicka ulica” (Idem – 2012), “Cicatrizes” conta esta página trágica da história de Belgrado, pouco explorada pela mídia, por meio de Ana (Snezana Bogdanovic). Durante 18 anos, Ana buscou evidências de que seu filho estava vivo, o que afetou diretamente sua relação com o marido e a filha, que se sente renegada pela mãe. Com passagem por instituição psiquiátrica e pressionada por médicos e autoridades locais, Ana segue uma pista entregue pela Associação de Crianças Desaparecidas, entrando numa jornada ainda mais dolorosa e perigosa.

 

Sem nenhum desafio técnico, “Cicatrizes” tem no roteiro seu principal alicerce, esmiuçando o drama da protagonista sem enveredar pela pieguice, assumindo o tom sóbrio da primeira à última cena, mas sem aprofundar o suficiente a relação fraturada entre mãe e filha, sobretudo quando a jovem assume papel de liderança na busca pelo irmão. Com isso, o espectador é apresentado a um sistema que tem no horror seu elemento principal, destruindo e traumatizando famílias em prol do dinheiro, tendo como ponto de partida o local que deveria ser protegido a todo custo: o berçário.

 

10. “Soldado Estrangeiro”:

“Soldado Estrangeiro” é dirigido por José Joffily e Pedro Rossi (Foto: Divulgação).

Ambientado nos dias atuais, “Soldado Estrangeiro” foca na difícil decisão de três jovens brasileiros que deixaram o país para servir em Forças Armadas estrangeiras. Dirigido e roteirizado por José Joffily e Pedro Rossi, o documentário aborda as Forças Armadas como sonho e/ou a única saída para uma vida melhor graças ao salário oferecido, bebendo diretamente da fonte do cinema americano tanto na narrativa convencional quanto na estética de tons sóbrios. Contudo, o principal alicerce é a montagem de Jordana Berg, que costura com propriedade três histórias que se complementam de maneira a apresentar ao espectador as fases do alistamento, do combate e da volta para casa, conectando diferentes cenários e emoções – ansiedade por realizar o sonho que dará vida melhor à família integrando a Legião Estrangeira (Bruno Silva); a adrenalina e a energia juvenil no front, combatendo pelo Exército de Israel, em plena Faixa de Gaza (Mário Wasercjer); e as consequências físicas e mentais do período que lutou contra o Talibã, no Afeganistão, pela Marinha Americana (Felipe de Almeida).

 

“Soldado Estrangeiro” é eficiente ao trabalhar a relação de cada um dos jovens com suas famílias, mas sem cair na armadilha da pieguice, expondo as motivações individuais sem romantizá-las em nenhum momento. Neste sentido, o longa acaba por levantar, mesmo que indiretamente, questões como raízes e pertencimento de combatentes que tentam descobrir “seu lugar no mundo”.

 

Contendo trechos do livro “Johnny Vai à Guerra” (1939), de Dalton Trumbo, roteirista americano que integrou a chamada lista negra de Hollywood durante o macarthismo, “Soldado Estrangeiro” trabalha a riqueza de seu conteúdo com habilidade e objetividade, ganhando força a cada cena. Respeitando a distância entre câmera e retratados, necessária em documentários, a produção também tece uma crítica à falta de oportunidades dos jovens no Brasil, o que os leva a sonhar com a vida no exterior e a defender e abraçar as bandeiras dos países que lhes deram uma chance.

 

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