‘Zona de Interesse’: horror e felicidade separados por um muro

  • Icon instagram_blue
  • Icon youtube_blue
  • Icon x_blue
  • Icon facebook_blue
  • Icon google_blue

Tema bastante explorado pelo cinema, a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) chegou às telas recriando os horrores tanto do front quanto dos campos de concentração e extermínio. Em 2022, um longa-metragem chamou a atenção no circuito exibidor brasileiro por abordar os bastidores da barbárie, mostrando a organização administrativa do Holocausto, “A Conferência” (Die Wannseekonferenz […]

POR Ana Carolina Garcia14/02/2024|5 min de leitura

‘Zona de Interesse’: horror e felicidade separados por um muro

“Zona de Interesse” é dirigido e roteirizado por Jonathan Glazer (Foto: Divulgação).

| Siga-nos Google News

Tema bastante explorado pelo cinema, a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) chegou às telas recriando os horrores tanto do front quanto dos campos de concentração e extermínio. Em 2022, um longa-metragem chamou a atenção no circuito exibidor brasileiro por abordar os bastidores da barbárie, mostrando a organização administrativa do Holocausto, “A Conferência” (Die Wannseekonferenz – 2022, Alemanha), de Matti Geschonneck, baseado na ata confidencial da chamada Conferência de Wannsee.

Tecnicamente simplório, “A Conferência” tem como objetivo mostrar às novas gerações a institucionalização da barbárie orquestrada de forma fria e calculista. Mesma frieza e cálculo encontrados em “Zona de Interesse” (The Zone of Interest – 2023, EUA / Reino Unido / Polônia), inspirado no livro homônimo de Martin Amis, publicado em 2014. A principal diferença é que o longa-metragem, uma das principais estreias da próxima quinta-feira (15) nos cinemas brasileiros, não se passa numa reunião da alta cúpula nazista, pois tem como foco a rotina da família do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss (Christian Friedel), em sua residência do outro lado do muro do campo onde mais de um milhão de judeus foram exterminados.

 

Com direção e roteiro de Jonathan Glazer, o longa começa mostrando Höss e sua família se divertindo na beira de um rio para, em seguida, ambientar o espectador ao cenário real: Auschwitz e seus arredores (chamados de zona de interesse), principalmente a residência do comandante com vista exclusiva para o campo. E, a despeito do sofrimento imposto aos judeus pelo Terceiro Reich, a família vivia o sonho incutido pelo Führer, Adolf Hitler. Nesse sonho, o horror foi normatizado, os sons dos tiros e dos incineradores totalmente abstraídos, assim como os gritos e choro das vítimas. A partir do momento em que a rotina se impõe na tela, o espectador é apresentado a dois filmes, como o próprio Glazer definiu em entrevista recente ao The Guardian: um sobre o núcleo familiar que estabelece uma rotina normal em busca da felicidade num local de sofrimento extremo, e outro sobre o horror propriamente dito. Contudo, o horror de Auschwitz-Birkenau não é apresentado em imagens, mas em sons.

 

Sandra Hüller em cena de “Zona de Interesse” (Foto: Divulgação).

 

É impossível escrever sobre “Zona de Interesse” sem destacar o importante papel exercido pelo som, pois é um trabalho impecável que complementa a narrativa para conceder ao espectador uma visão mais ampla sobre o modus operandi dos oficiais nazistas por meio não apenas do apoio de suas famílias, como também da maneira como objetos pessoais, de valor, de judeus eram usufruídos por elas sem o menor constrangimento. Isso pode ser observado com mais afinco na sequência que Hedwig Höss (Sandra Hüller), chamada pelo marido de “Rainha de Auschwitz”, se encanta por um casaco de pele e batom enviados a ela após a chegada de uma prisioneira ao campo. A reação da personagem demonstra a exaltação advinda do poder desmedido, não da alienação, como muitas vezes pode parecer graças ao trabalho de Hüller na construção de Hedwig.

 

Indicada ao Oscar de melhor atriz por seu desempenho em “Anatomia de Uma Queda” ((Anatomie d’une chute – 2023, França), Sandra Hüller compõe sua personagem de maneira a esmiuçar as distintas camadas de uma mulher deslumbrada pela vida proporcionada pelo Terceiro Reich, mostrando sua força ao brigar com o marido para permanecer na casa mesmo após sua transferência para outra cidade, colocando o conforto e a rotina acima do papel de esposa, algo esperado para a época, sobretudo ao se tratar da posição do marido. Hüller assimila o egoísmo e a crueldade com naturalidade, calcada na frieza e no cálculo de quem se apega ao poder tanto quanto o próprio Höss, apresentado à plateia como um homem de poucas palavras que almejava aumentar a capacidade do campo em termos operacionais, orquestrando um plano específico para os judeus húngaros, colocado em prática na chamada Aktion Höss, em 1944. Juntos, Sandra Hüller e Christian Friedel estabelecem um jogo cênico que desperta emoções variadas no público, sobretudo de repulsa e pavor.

 

Rodado em Auschwitz, o que aumenta o impacto sobre a plateia, “Zona de Interesse” é um filme importante por tirar o drama de guerra do lugar comum ao voltar a câmera para os bastidores de um dos episódios mais tristes da História da humanidade – que não pode ser esquecido em nenhuma hipótese. Como o próprio Glazer resumiu ao The Guardian, o longa leva para as telas conceitos distintos aplicados no mesmo cenário, o de felicidade e o de inferno, separados por um muro baixo o suficiente para mostrar a fumaça das chaminés e dos trens que levavam judeus para o campo de trabalhos forçados e extermínio enquanto a família de Höss emanava alegria no quintal com piscina e belo jardim. Sem dúvida alguma, um dos mais potentes do circuito exibidor e da corrida pela estatueta do Oscar.

 

*Indicado a cinco estatuetas do Oscar nas seguintes categorias: melhor filme; filme internacional; direção e roteiro adaptado para Jonathan Glazer; e som para Tarn Willers e Johnnie Burn.

 

Leia também:

Oscar 2024: ‘Oppenheimer’ lidera com 13 indicações

 

Assista ao trailer oficial legendado:

Tema bastante explorado pelo cinema, a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) chegou às telas recriando os horrores tanto do front quanto dos campos de concentração e extermínio. Em 2022, um longa-metragem chamou a atenção no circuito exibidor brasileiro por abordar os bastidores da barbárie, mostrando a organização administrativa do Holocausto, “A Conferência” (Die Wannseekonferenz – 2022, Alemanha), de Matti Geschonneck, baseado na ata confidencial da chamada Conferência de Wannsee.

Tecnicamente simplório, “A Conferência” tem como objetivo mostrar às novas gerações a institucionalização da barbárie orquestrada de forma fria e calculista. Mesma frieza e cálculo encontrados em “Zona de Interesse” (The Zone of Interest – 2023, EUA / Reino Unido / Polônia), inspirado no livro homônimo de Martin Amis, publicado em 2014. A principal diferença é que o longa-metragem, uma das principais estreias da próxima quinta-feira (15) nos cinemas brasileiros, não se passa numa reunião da alta cúpula nazista, pois tem como foco a rotina da família do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss (Christian Friedel), em sua residência do outro lado do muro do campo onde mais de um milhão de judeus foram exterminados.

 

Com direção e roteiro de Jonathan Glazer, o longa começa mostrando Höss e sua família se divertindo na beira de um rio para, em seguida, ambientar o espectador ao cenário real: Auschwitz e seus arredores (chamados de zona de interesse), principalmente a residência do comandante com vista exclusiva para o campo. E, a despeito do sofrimento imposto aos judeus pelo Terceiro Reich, a família vivia o sonho incutido pelo Führer, Adolf Hitler. Nesse sonho, o horror foi normatizado, os sons dos tiros e dos incineradores totalmente abstraídos, assim como os gritos e choro das vítimas. A partir do momento em que a rotina se impõe na tela, o espectador é apresentado a dois filmes, como o próprio Glazer definiu em entrevista recente ao The Guardian: um sobre o núcleo familiar que estabelece uma rotina normal em busca da felicidade num local de sofrimento extremo, e outro sobre o horror propriamente dito. Contudo, o horror de Auschwitz-Birkenau não é apresentado em imagens, mas em sons.

 

Sandra Hüller em cena de “Zona de Interesse” (Foto: Divulgação).

 

É impossível escrever sobre “Zona de Interesse” sem destacar o importante papel exercido pelo som, pois é um trabalho impecável que complementa a narrativa para conceder ao espectador uma visão mais ampla sobre o modus operandi dos oficiais nazistas por meio não apenas do apoio de suas famílias, como também da maneira como objetos pessoais, de valor, de judeus eram usufruídos por elas sem o menor constrangimento. Isso pode ser observado com mais afinco na sequência que Hedwig Höss (Sandra Hüller), chamada pelo marido de “Rainha de Auschwitz”, se encanta por um casaco de pele e batom enviados a ela após a chegada de uma prisioneira ao campo. A reação da personagem demonstra a exaltação advinda do poder desmedido, não da alienação, como muitas vezes pode parecer graças ao trabalho de Hüller na construção de Hedwig.

 

Indicada ao Oscar de melhor atriz por seu desempenho em “Anatomia de Uma Queda” ((Anatomie d’une chute – 2023, França), Sandra Hüller compõe sua personagem de maneira a esmiuçar as distintas camadas de uma mulher deslumbrada pela vida proporcionada pelo Terceiro Reich, mostrando sua força ao brigar com o marido para permanecer na casa mesmo após sua transferência para outra cidade, colocando o conforto e a rotina acima do papel de esposa, algo esperado para a época, sobretudo ao se tratar da posição do marido. Hüller assimila o egoísmo e a crueldade com naturalidade, calcada na frieza e no cálculo de quem se apega ao poder tanto quanto o próprio Höss, apresentado à plateia como um homem de poucas palavras que almejava aumentar a capacidade do campo em termos operacionais, orquestrando um plano específico para os judeus húngaros, colocado em prática na chamada Aktion Höss, em 1944. Juntos, Sandra Hüller e Christian Friedel estabelecem um jogo cênico que desperta emoções variadas no público, sobretudo de repulsa e pavor.

 

Rodado em Auschwitz, o que aumenta o impacto sobre a plateia, “Zona de Interesse” é um filme importante por tirar o drama de guerra do lugar comum ao voltar a câmera para os bastidores de um dos episódios mais tristes da História da humanidade – que não pode ser esquecido em nenhuma hipótese. Como o próprio Glazer resumiu ao The Guardian, o longa leva para as telas conceitos distintos aplicados no mesmo cenário, o de felicidade e o de inferno, separados por um muro baixo o suficiente para mostrar a fumaça das chaminés e dos trens que levavam judeus para o campo de trabalhos forçados e extermínio enquanto a família de Höss emanava alegria no quintal com piscina e belo jardim. Sem dúvida alguma, um dos mais potentes do circuito exibidor e da corrida pela estatueta do Oscar.

 

*Indicado a cinco estatuetas do Oscar nas seguintes categorias: melhor filme; filme internacional; direção e roteiro adaptado para Jonathan Glazer; e som para Tarn Willers e Johnnie Burn.

 

Leia também:

Oscar 2024: ‘Oppenheimer’ lidera com 13 indicações

 

Assista ao trailer oficial legendado:

Notícias Relacionadas

Ver tudo