Já foi tempo que assistir seriado era coisa de nerd. Muito pelo contrário. O que antes era delegado àquela galerinha de óculos acuada no canto da sala hoje é assunto dos descoladinhos, dos antenados. E muito da imagem cool que os seriados têm hoje em dia se deve ao surgimento, nos últimos anos, dos serviços de streaming e do impacto deles na produção televisiva mundial, principalmente nos Estados Unidos.
Como o streaming afetou a tão poderosa indústria cultural até então estabelecida? De várias formas. A começar pela enorme importância destes serviços na popularização e na ampliação do público consumidor dos até então chamados enlatados americanos.
O público alvo destas produções era extremamente segmentado, até porque o formato “um episódio por semana, num horário pré-determinado” demorava bastante para fidelizar o espectador – quando fidelizava. Dificilmente, por exemplo, a galerinha mais jovem se importava ao ponto de estar ali, ligado na frente da TV, toda semana, no mesmo horário, por causa de uma determinada produção. Não havia sequência e o cliffhanger do final do episódio na maioria das vezes não era o suficiente para garantir o espectador da semana seguinte.
Lembro perfeitamente da minha saga, “nerd de raiz”, para assistir em VHS ou em DVD, os episódios de “Arquivo X” e posteriormente de “24 horas”. Mal sabia eu que seria tão fácil algumas décadas depois…
Na medida em que o serviço de streaming chega disponibilizando as temporadas anteriores de uma vez só, na íntegra, faz um enorme favor não só ao público, como às emissoras de TV: vicia o espectador numa determinada série e o entrega “de bandeja” à sua “concorrente”, para acompanhar as temporadas atuais. Mas, como todo bônus tem o seu ônus, as emissoras se vêem obrigadas a garantir um esmero maior em suas produções, de maneira a não perder o público conquistado (e os patrocinadores que vem com ele).
À medida em que ganham volume em termos de alcance, as séries começam, por outro lado, a chamar a atenção das até então inatingíveis estrelas de Hollywood. É impressionante o número de astros e estrelas que estão migrando para a TV, em busca de salários estratosféricos e visibilidade igualmente gigantesca. Matthew Mc Conaughey, Glenn Close, Winona Rider, Charlie Sheen, Viola Davis, Woody Harrelson, Kevin Bacon, Robert Sean Leonard, Kiefer Sutherland, James Spader e agora Anthony Hopkins são alguns dos nomes que atualmente frequentam cada vez mais a telinha, e não a telona do cinema. E um dos pontapés mais significativos desta mudança veio de Kevin Spacey, ganhador do Oscar de melhor ator em 1999 (Beleza Americana), que embarcou numa das primeiras empreitadas da Netflix como produtora de conteúdo, a aclamada House of Cards.
A série, sucesso de público e crítica, inovou também na forma narrativa, tendo seu protagonista “conversando com o espectador”, algo nunca antes pensado pela engessada fórmula de produção de TV, e que hoje já é reproduzida em várias outras séries. A forma de apresentação ao público também chamou a atenção. Seguindo a linha dos conteúdos apenas reproduzidos, os episódios foram disponibilizados de uma só vez, o que criou imediatamente um séquito de fãs enlouquecidos e ansiosos pela próxima temporada.
Esse aquecimento do mercado produziu uma reviravolta na maneira de pensar da TV neste setor. Não dá mais para ser uma ilha e conseguir sobreviver à moda antiga. Atualmente, as grandes emissoras ou criam seus próprios serviços de streaming (como a HBO, por exemplo) ou se associam a um serviço do gênero (como a parceria Disney – Hulu). Outro exemplo de adequação da TV aos novos tempos – este gerado numa cadeia que se inicia com o público mais jovem conhecendo as produções através do streaming e pode acabar culminando em downloads ilegais pela urgência de assistir ao novo episódio – fez com que as grandes emissoras promovessem um enorme esforço para garantir a sua fatia de mercado, quando o assunto é a estreia de uma nova série, ou de uma nova temporada.
A gigante HBO investe horrores para divulgar os episódios pilotos das temporadas de seu carro-chefe, “Game Of Thrones”, e passou a exibi-los em badaladas estreias mundiais, com direito a transmissões simultâneas para diversas partes do mundo, com sinal aberto em vários países, mesmo para não assinantes (que são, sem dúvida, vistos como potenciais assinantes). Este movimento parece ter dado bastante resultado, tanto que foi estendido para todas as suas séries e, na ultima semana, para a “FOX”, na estreia da sétima temporada de “The Walking Dead”.
Estas mudanças tem um lado positivo gigantesco para os fãs de seriados, que, além de “saírem da obscuridade”, têm à sua disposição um número infinitamente de – cada vez melhores – produções, nos mais variados gêneros. Todos saem ganhando no processo, inclusive a TV, que garante sua longevidade apenas se adequando à nova realidade.