‘Coringa: Delírio a Dois’: crítica à sociedade do espetáculo
Por Ana Carolina Garcia, crítica de cinema do SRzd Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza 2019, “Coringa” (Joker – 2019, EUA / Canadá / Austrália), de Todd Phillips, surpreendeu plateias mundo afora ao abordar temas como doença mental, bullying e desigualdade social por meio da transformação do jovem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) […]
POR Ana Carolina Garcia02/10/2024|5 min de leitura
Por Ana Carolina Garcia, crítica de cinema do SRzd
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza 2019, “Coringa” (Joker – 2019, EUA / Canadá / Austrália), de Todd Phillips, surpreendeu plateias mundo afora ao abordar temas como doença mental, bullying e desigualdade social por meio da transformação do jovem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) no Palhaço do Crime, temido por muitos e idolatrado por tantos outros numa Gotham City assolada por problemas de todos os tipos. Construindo o personagem de maneira ainda mais sombria que Heath Ledger em “O Cavaleiro das Trevas” (The Dark Knight – 2008, EUA / Reino Unido), segundo longa-metragem da trilogia “Batman” de Christopher Nolan, Phoenix elevou a insanidade à potência máxima, explorando a fragilidade e a dor de um homem solitário que sonha com amor e fama com a mesma desenvoltura que lança olhar ameaçador que, junto com a risada insana, causa calafrios no espectador – Ledger e Phoenix foram reconhecidos pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) com as estatuetas do Oscar de melhor ator coadjuvante e ator, respectivamente.
A composição mais perturbadora do icônico vilão da DC, criado por Bob Kane e Bill Finger em 1940, em “Coringa”, aumentou a expectativa do público em torno de uma sequência, “Coringa: Delírio a Dois” (Joker: Folie à Deux – 2024, EUA), principal estreia do circuito exibidor brasileiro na próxima quinta-feira (03). Tentando seguir os passos de seu antecessor, inclusive com exibição no Festival de Veneza deste ano, o longa mostra Arthur/Coringa preso no Arkham Asylum enquanto aguarda o julgamento pelos crimes cometidos no primeiro filme. Em meio à espera, a possibilidade de conhecer o amor com Lee/Harley Quinn (Lady Gaga).
Remetendo aos cartoons clássicos produzidos pela Warner Bros. em sua sequência inicial, numa animação executada com esmero, “Coringa: Delírio a Dois” é uma produção que prima pela técnica, tendo a ousadia como base de sua construção por inserir características do gênero musical num drama pesado com elementos de suspense, policial e tribunal. Ou seja, é um filme que precisa driblar sua própria complexidade. E o faz de forma bastante irregular no que tange ao desenvolvimento da trama propriamente dita, pois alguns números musicais soam desnecessários para os personagens e para a história proposta, transmitindo a sensação de terem sido inseridos para melhor aproveitamento de Lady Gaga, que defende Lee/Harley com segurança, mostrando ao espectador que a instauração do caos é sua maior fonte de energia. Mas isso não é suficientemente aprofundado pelo roteiro de Phillips e Scott Silver, enfraquecendo um pouco o longa que tinha na personagem uma promessa de elevar ainda mais a insanidade à potência máxima. Afinal, Gaga foi escalada como coadjuvante de luxo após o estrondoso sucesso de “Nasce uma Estrela” (A Star is Born – 2018, EUA), de Bradley Cooper, e, mesmo subaproveitada, a atriz/cantora estabelece jogo cênico impecável com Joaquin Phoenix, novamente perturbador como Coringa.
No entanto, a trama se torna mais interessante quando seu subtexto é analisado com afinco. Seguindo a fórmula do primeiro filme, “Coringa: Delírio a Dois” tece crítica contundente ao que o filósofo Guy Debord chama de Sociedade do Espetáculo, apresentando à plateia os efeitos nocivos da alienação em massa por meio do culto à imagem em detrimento do conteúdo, algo observado diariamente, há muitos anos, e que cresceu com a ascensão das redes sociais e a disseminação de fake news. No caso do longa de Phillips, o culto a um homem que convulsiona as massas vestido de palhaço e cometeu crimes bárbaros, um deles transmitido ao vivo em rede nacional, estabelecido por uma sociedade que gradativamente se tornou vazia e incapaz de discernir entre certo e errado.
Prometendo dividir opiniões, “Coringa: Delírio a Dois” tira o filão de títulos cinematográficos baseados em quadrinhos do lugar comum, proporcionando ao espectador uma experiência menos perturbadora que a de “Coringa”. Mesmo assim, sombria o suficiente para causar calafrios, sobretudo durante as sequências ambientadas em Arkham, misto de hospital psiquiátrico e prisão que funciona em condições indignas e sub-humanas, mostrando o descaso das autoridades locais para com a parcela da população acometida por doenças mentais dos mais variados tipos.
*Classificação indicativa: 16 anos.
+ assista ao trailer oficial legendado:
Sobre Ana Carolina Garcia: Formada em Comunicação Social e pós-graduada em Jornalismo Cultural, Ana Carolina Garcia é autora dos livros “A Fantástica Fábrica de Filmes – Como Hollywood se tornou a capital mundial do cinema” (2011), “Cinema no século XXI – Modelo tradicional na Era do Streaming” (2021) e “100 anos do Império Disney: Da Avenida Kingswell à conquista do universo” (2023). É vice-presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) desde 2021.
Por Ana Carolina Garcia, crítica de cinema do SRzd
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza 2019, “Coringa” (Joker – 2019, EUA / Canadá / Austrália), de Todd Phillips, surpreendeu plateias mundo afora ao abordar temas como doença mental, bullying e desigualdade social por meio da transformação do jovem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) no Palhaço do Crime, temido por muitos e idolatrado por tantos outros numa Gotham City assolada por problemas de todos os tipos. Construindo o personagem de maneira ainda mais sombria que Heath Ledger em “O Cavaleiro das Trevas” (The Dark Knight – 2008, EUA / Reino Unido), segundo longa-metragem da trilogia “Batman” de Christopher Nolan, Phoenix elevou a insanidade à potência máxima, explorando a fragilidade e a dor de um homem solitário que sonha com amor e fama com a mesma desenvoltura que lança olhar ameaçador que, junto com a risada insana, causa calafrios no espectador – Ledger e Phoenix foram reconhecidos pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) com as estatuetas do Oscar de melhor ator coadjuvante e ator, respectivamente.
A composição mais perturbadora do icônico vilão da DC, criado por Bob Kane e Bill Finger em 1940, em “Coringa”, aumentou a expectativa do público em torno de uma sequência, “Coringa: Delírio a Dois” (Joker: Folie à Deux – 2024, EUA), principal estreia do circuito exibidor brasileiro na próxima quinta-feira (03). Tentando seguir os passos de seu antecessor, inclusive com exibição no Festival de Veneza deste ano, o longa mostra Arthur/Coringa preso no Arkham Asylum enquanto aguarda o julgamento pelos crimes cometidos no primeiro filme. Em meio à espera, a possibilidade de conhecer o amor com Lee/Harley Quinn (Lady Gaga).
Remetendo aos cartoons clássicos produzidos pela Warner Bros. em sua sequência inicial, numa animação executada com esmero, “Coringa: Delírio a Dois” é uma produção que prima pela técnica, tendo a ousadia como base de sua construção por inserir características do gênero musical num drama pesado com elementos de suspense, policial e tribunal. Ou seja, é um filme que precisa driblar sua própria complexidade. E o faz de forma bastante irregular no que tange ao desenvolvimento da trama propriamente dita, pois alguns números musicais soam desnecessários para os personagens e para a história proposta, transmitindo a sensação de terem sido inseridos para melhor aproveitamento de Lady Gaga, que defende Lee/Harley com segurança, mostrando ao espectador que a instauração do caos é sua maior fonte de energia. Mas isso não é suficientemente aprofundado pelo roteiro de Phillips e Scott Silver, enfraquecendo um pouco o longa que tinha na personagem uma promessa de elevar ainda mais a insanidade à potência máxima. Afinal, Gaga foi escalada como coadjuvante de luxo após o estrondoso sucesso de “Nasce uma Estrela” (A Star is Born – 2018, EUA), de Bradley Cooper, e, mesmo subaproveitada, a atriz/cantora estabelece jogo cênico impecável com Joaquin Phoenix, novamente perturbador como Coringa.
No entanto, a trama se torna mais interessante quando seu subtexto é analisado com afinco. Seguindo a fórmula do primeiro filme, “Coringa: Delírio a Dois” tece crítica contundente ao que o filósofo Guy Debord chama de Sociedade do Espetáculo, apresentando à plateia os efeitos nocivos da alienação em massa por meio do culto à imagem em detrimento do conteúdo, algo observado diariamente, há muitos anos, e que cresceu com a ascensão das redes sociais e a disseminação de fake news. No caso do longa de Phillips, o culto a um homem que convulsiona as massas vestido de palhaço e cometeu crimes bárbaros, um deles transmitido ao vivo em rede nacional, estabelecido por uma sociedade que gradativamente se tornou vazia e incapaz de discernir entre certo e errado.
Prometendo dividir opiniões, “Coringa: Delírio a Dois” tira o filão de títulos cinematográficos baseados em quadrinhos do lugar comum, proporcionando ao espectador uma experiência menos perturbadora que a de “Coringa”. Mesmo assim, sombria o suficiente para causar calafrios, sobretudo durante as sequências ambientadas em Arkham, misto de hospital psiquiátrico e prisão que funciona em condições indignas e sub-humanas, mostrando o descaso das autoridades locais para com a parcela da população acometida por doenças mentais dos mais variados tipos.
*Classificação indicativa: 16 anos.
+ assista ao trailer oficial legendado:
Sobre Ana Carolina Garcia: Formada em Comunicação Social e pós-graduada em Jornalismo Cultural, Ana Carolina Garcia é autora dos livros “A Fantástica Fábrica de Filmes – Como Hollywood se tornou a capital mundial do cinema” (2011), “Cinema no século XXI – Modelo tradicional na Era do Streaming” (2021) e “100 anos do Império Disney: Da Avenida Kingswell à conquista do universo” (2023). É vice-presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) desde 2021.