Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, colaborador do SRzd
Após 4 anos como a casa da Fórmula 1 no Brasil, a Band não terá os direitos de transmissão da temporada 2025. A emissora paulistana (promotora do Grande Prêmio de São Paulo em novembro) enfrenta prolongada crise financeira, fartamente explorada na imprensa brasileira, o que levou à interrupção dos pagamentos para a detentora da F1, o grupo Liberty Media. O contrato da Band inclui as temporadas 2023 a 2025, mas será encerrado prematuramente. A TV Globo é apontada como opção para a categoria.
A Globo se desfez da F1 durante a pandemia, após 40 anos de transmissões contínuas. Nesse período – que incluiu os títulos mundiais de Nelson Piquet, Ayrton Senna e vice-campeonatos para Rubens Barrichello e Felipe Massa – o automobilismo se tornou um dos esportes mais populares do Brasil. Os amigos da Rede Globo, na memorável frase de Galvão Bueno, compunham mais de dois dígitos na audiência dos grandes prêmios mais famosos (Mônaco, Itália), além da etapa brasileira, que ocupava a grade dominical.
A ausência de pilotos brasileiros na categoria mais importante do esporte a motor nos últimos anos encolheu aos poucos a audiência da Vênus Platinada, o que levou os grande prêmios para a TV a cabo (Sportv). Conflitos de grade com a Serie A do campeonato brasileiro de futebol também colocaram para escanteio as disputas nas pistas. As cotas de patrocínio diminuíam ano a ano.
A Band se beneficiou do desinteresse global e obteve os direitos de transmissão em 2021, reunindo ex-integrantes da Globo como o narrador Sergio Mauricio (Sportv), o comentarista Reginaldo Leme e a repórter Mariana Becker. A emissora passou a transmitir as fórmulas de acesso (F2 e F3) no canal Bandsports (juntamente com a NASCAR norte-americana), além de rechear a grade dominical com a Stock Car, a Copa Truck e a Porsche Cup. O investimento em automobilismo se tornou claro na pandemia, quando a Band buscou retomar seu nicho de mercado como “o canal do esporte”.
O esporte a motor tem uma profunda ligação com o mercado automotivo, o que aumenta seu apelo publicitário para as classes A e B. Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil era uma das maiores economias industrializadas e detinha um dos maiores mercados fora da Europa e EUA. Essas décadas coincidiram com a era de ouro dos pilotos brasileiros. Com o futebol em decadência, a nação brasileira vestiu macacão e colocou capacete. Ao fim da Guerra Fria, Senna se tornou o primeiro herói brasileiro do mundo globalizado.
A morte de Senna no Grande Prêmio de San Marino de 1994 deu início ao declínio da audiência da F1 no Brasil. Enquanto isso, a categoria se tornava mais global rumo ao século 21, com a expansão do calendário (de 16 para as atuais 24 corridas anuais) em sintonia com uma nova audiência via streaming (a série “Drive to Survive” do Netflix).
Os novos consumidores do automobilismo refletem uma mudança geoeconômica na globalização. Os maiores mercados de automóveis movidos a gasolina se localizam na Asia, em contraste com a Europa, em busca uma matriz energética sustentável. A F1 deixou de ser controlada por construtores de carros e se tornou propriedade de um grupo de mídia norte-americano, ao passo que o presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) é o ex-piloto Mohammed Ben Sulayem (Emirados Árabes Unidos).
Essas mudanças se refletiram no calendário 2024 da F1. Este inclui 4 etapas no Oriente Médio, outras 5 na Asia, além de 3 corridas nos Estados Unidos. Países tradicionais no automobilismo ficaram de fora – caso da França e da Alemanha. Durante a pandemia, a categoria acolheu seu primeiro piloto chinês e voltou a ter um piloto norte-americano.
A situação da F1 no Brasil não é uma exceção no contexto global. Com apenas 20 vagas no circo da F1, os pilotos brasileiros sofrem uma concorrência intensa. Dantes reféns dos melhores pilotos disponíveis no mercado, as 10 equipes do circo globalizado da F1 se capitalizaram e investem na formação de pilotos desde o kart – reduzindo a oferta de vagas. Mesmo herdeiros de tradicionais dinastias automobilísticas como Pietro Fittipaldi (último brasileiro a disputar um GP em 2020) ocupam o posto de piloto reserva (Fittipaldi na equipe Haas e o campeão da F2 Felipe Drugovich na equipe Aston Martin). A última vaga do grid da F1 para 2025 é disputada por dezenas de pilotos, apesar dessa vaga ser na equipe lanterna do Mundial 2024 (a Sauber, futura Audi). O brasileiro Gabriel Bortoleto é um dos candidatos, com apoio do bicampeão mundial Fernando Alonso.
A eventual chegada de Bortoleto não impacta decisivamente o produto automobilístico. Com o mercado automobilístico estagnado no século 21, o Brasil se acostumou com as glorias de Fittipaldi, Piquet e Senna em carros vencedores, além de eventuais vitorias de Barrichello e Massa na legendaria Scuderia Ferrari. A expectativa pelo retorno da F1 na Globo convive com a certeza de que o esporte – visto como produto para um nicho especializado – será acomodado na TV a cabo. Como os demais formatos na TV aberta, o esporte se torna cada vez mais segmentado, com lucros dependentes de interações.
Sobre Carlos Frederico Pereira da Silva Gama: Escritor, poeta, cronista, doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio, fundador do BRICS Policy Center, professor da Shiv Nadar University (Índia), cinéfilo e leitor voraz, fã da Fórmula 1 e da cultura pop, líder das bandas independentes Oblique, EXXC e Still That.
Escreveu para a Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, O Dia, Brasil Econômico, Portal R7, Observatório da Imprensa e publicações acadêmicas como Global Governance e E-International Relations. É colunista de música e cinema do blog de cultura pop Cultecléticos.
Publicou quatro livros – “Surrealogos” (2012), “Modernity at Risk: Complex Emergencies, Humanitarianism, Sovereignty” (2012), “Após a Guerra, Estabilidade? Mudanças Institucionais nas Operações de Paz da ONU (1992-2000)” (2016) e “Ensaios Globais: da Primavera Árabe ao Brexit (2011-2020)” (2022).