Antes de 2020 era sonho de muita gente trabalhar de casa. O tão sonhado “home office” passou a ser realidade com a pandemia da Covid-19 e depois de quase dois anos de pandemia o sonho virou pesadelo: colaboradores estão ainda mais estressados do que se estivessem em escritórios, a liderança está despreparada para lidar com o trabalho remoto e, com isso, é cada vez maior o número de pacientes diagnosticados com algum transtorno psiquiátrico.
Mariana Clark, psicóloga especializada em acolhimentos e perdas e uma das Embaixadora do Capitalismo Consciente, explica sobre o momento e como isso afeta líderes e colaboradores: “Muita coisa mudou desde o início da pandemia. Quando recebemos a orientação do trabalho remoto esperávamos que fosse apenas por uma quinzena. Começou, então, como uma relação de namoro: a maioria se apaixonou pela ideia. No entanto, 15 dias viraram quase dois anos e estamos começando a colher os frutos não só do isolamento, mas da dinâmica que se formou neste período. Se muitos achavam que teriam mais qualidade de vida, hoje percebem que trabalham muito mais e produzem – muitas vezes – menos”, relata a psicóloga. E qual seria a solução para este cenário? “Acolhimento”, segundo Mariana.
“O acolhimento inicial é da nossa realidade: não conseguimos dar conta de tudo. Casa, filhos, saúde, trabalho, pandemia. Querer equilibrar todos os pratos levará, certamente, ao esgotamento mental e acolher as nossas limitações e não tratá-las como fracasso é dar o primeiro passo rumo à uma saúde mental de qualidade”, explica Mariana. Além do acolhimento, a organização é uma atitude que pode – acredite – ajudar não só no aumento da produtividade, mas na diminuição das chances de crises de ansiedade causadas pelo acúmulo de trabalho: “Organização passa pela rotina da casa. Não podemos considerar que estamos vivendo grandes finais de semana, com todos – ou quase todos – em casa. A rotina pode ajudar a diminuir a ansiedade causada em ver coisas por fazer. Minha dica: estabeleça horários de trabalho, de pausas. Avise seus filhos que você precisa de X horas do dia com a casa menos agitada (isso impedirá que seu filho faça a prática da bateria durante o seu momento de produtividade, por exemplo). Aliás, liste todas as possíveis distrações em seu horário de trabalho e veja como você pode diminuí-las”, ensina a psicóloga.
O papel dos líderes corporativos começa também no acolhimento e na compreensão: ainda que o colaborador esteja trabalhando de casa, o tempo que ele passava no trânsito ou em seu horário de almoço não significa, hoje, tempo extra de trabalho.
“A dinâmica do trabalho deve ser mantida a mesma, não importa que hoje estejamos em casa. O horário de trabalho precisa ser respeitado e isso inclui não mandar mensagens às 23h esperando que sejam respondidas às 23h05”, fala Mariana.
Além disso, é papel da liderança refletir nas intermináveis reuniões organizadas ao longo do dia que, na maioria das vezes, atende à máxima “Esta reunião poderia ter sido um e-mail”. Mas não é só isso. A profissional pontua a necessidade de manter vivo algo que foi perdido com o home office: o diálogo e o suporte.
“Existe um mito de que funcionário em casa não precisa de suporte. Ele precisa e não só de suporte: cadeiras especiais para trabalhar que não comprometam a coluna do colaborador, um computador que funcione na velocidade correta para não atrapalhar a produtividade do dia, materiais de escritório que possam servir de apoio. Mas a verdade é que acima de tudo isso, os colaboradores precisam de suporte emocional”, diz.
Mudar este cenário de adoecimento mental também é papel – fundamental – das empresas e Mariana Clark compartilha algumas possíveis ideias para que as corporações cuidem de seus colaboradores:
– Investir em programas de rede de apoio: abrir canais de comunicação para que os colaboradores possam ter um espaço de fala sobre suas angústias sem medo de julgamento ou sem ameaça aos seus cargos;
– Promover rodas de conversa: ainda que online, a interação social é importante. Rodas de conversa que falem sobre saúde mental dão chance para que pessoas peçam por ajuda;
– Criar ações de autocuidado: ginástica laboral, auxílio em atendimentos psicológicos e até pequenas surpresas no que diz respeito à alimentação, por exemplo, podem ser de grande valia a um colaborador que precisa de ajuda;
– Acolher a dor: falar sobre as dores e ser escutado é um grande diferencial aos que precisam ter voz. As empresas ainda consideram tabu falar sobre morte ou perdas e ter um espaço de acolhimento à dor é fundamental para a queda deste tabu;