Os Estados Unidos entre Trump e Hillary: cenários para os países emergentes

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Entre Donald Trump e Hillary Clinton, os Estados Unidos realizam um ruidoso plebiscito sobre a crise de 2008. Barack Obama se elegeu prometendo solucionar a crise e responder à concorrência dos países emergentes. Em breve, a Casa Branca será ocupada por outra pessoa, com legados contraditórios em mãos. A economia se recupera lentamente do abismo […]

POR Carlos Frederico Pereira da Silva Gama06/11/2016|6 min de leitura

Os Estados Unidos entre Trump e Hillary: cenários para os países emergentes
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Entre Donald Trump e Hillary Clinton, os Estados Unidos realizam um ruidoso plebiscito sobre a crise de 2008. Barack Obama se elegeu prometendo solucionar a crise e responder à concorrência dos países emergentes. Em breve, a Casa Branca será ocupada por outra pessoa, com legados contraditórios em mãos.

A economia se recupera lentamente do abismo de 2008. A candidata democrata reiterou as principais propostas de Obama (fazer dos EUA uma superpotência energética da economia verde, investir em novas tecnologias, se aproximar da Índia para desacelerar a ascensão chinesa). Mas a Senadora e Secretária de Estado Hillary protagonizou ações no Oriente Médio e Ásia Menor que contradizem seu alegado desapego por combustíveis fósseis. Na invasão do Iraque, no assassinato de Osama Bin Laden e no bombardeio da Líbia, ela fez coro com falcões republicanos. Em 2016, figuras como Paul Wolfowitz, Robert Kagan e William Kristol estão com Hillary.

Sob Obama, os EUA permanecem no Iraque e Afeganistão após promessas de encerrar a “guerra ao Terror”. A tragédia na Síria aumenta o desalento com ações recentes implementadas pela candidata. A grande estratégia de Hillary preserva linhas gerais do fracasso bipartidário em impor paz armada.

Essa ambivalência fez a candidata ficar em maus lençóis diante da vitória dantes tida como certa.

Já Trump adotou retórica defensiva: manter empregos na velha economia dos hidrocarbonetos. Sua candidatura avançou nos rust belts. Essa retórica populista encontrou abrigo na exportação de empregos industriais para os emergentes (China, México). Na crítica trumpista da globalização, acordos comerciais são pontes para um futuro desindustrializado que beneficia os emergentes. A China “desrespeita” leis internacionais. Imigrantes ilegais mexicanos “roubam” empregos nos EUA.

Diante da herdeira da dinastia Clinton, Trump se vende como self-made-man capaz de salvar o país. Bill Clinton venceu George Bush em 1992 dizendo: “It’s economy, stupid”. Já Trump culpa a “stupid economy”: chegou a propor o retorno do padrão-ouro. Num coquetel explosivo de protecionismo, xenofobia, nostalgia e messianismo, ele tornou os emergentes bodes expiatórios da crise de 2008. O status dos emergentes em sua grande estratégia é perturbador.

O desafio de Trump ao sistema bipartidário (em vias de realinhamento) era previsível pelo teor de suas propostas. Mas foi inédito na extensão de seus impactos.

Engrenagens dos founding fathers, os estados operam como filtros para a manifestação da vontade popular. Urnas apuradas por estado resultam na atribuição de delegados para o partido vencedor na instância decisiva: o Colégio Eleitoral. Na soma simples do voto popular, Al Gore venceu George W. Bush em 2000. Na média ponderada por estado, a vitória coube a Bush, sob intensa controvérsia.

Na concentração das energias políticas em Democratas e Republicanos, uma mediação adicional se estabeleceu. Cada grande partido resiste fortemente às linhas gerais de mudança propostas pelo outro. Transformações (como “Yes, we can” de Obama) são resíduos, frutos de atritos e concessões.

Nesse sistema, expectativas ilimitadas podem inviabilizar a democracia. Quem limita mais as expectativas se torna a candidatura mais desejável, após múltiplas filtragens.

Hillary trouxe freios e contrapesos ao ódio sistemático e ilimitado de Trump. Em contraste com Bernie Sanders, poupou a grande finança de críticas e se propôs a continuar a obra de Obama, sem rupturas adicionais. Ao se definir como moderada, é a provável vencedora de Novembro de 2016.

Hillary traz, porém, uma desvantagem de partida. Em 240 anos, apenas em 2016 um grande partido lançou uma mulher candidata à Casa Branca. Assimetrias de gênero fazem o ódio de Trump ser mais tolerado que condenado, em contraste com as teses de Hillary – a se explicar diante do eleitorado. Numa sociedade machista, a hipermasculinidade de Trump se torna um trunfo de marketing eficaz.

No esteio de vitórias avassaladoras sobre Ted Cruz, Marco Rubio, John Kasich e Jeb Bush, Trump tornou reféns os líderes republicanos. Seu mecanismo de financiamento de campanha trouxe de volta as ondas de choque de independência de Ross Perot em 1992. Sua personalidade transmídia transbordou contradições em espaços vedados para a escolástica lapidada de Hillary. A candidata buscou compensar sua fragilidade no campo econômico com uma agenda voltada para a sociedade civil (herança de Bernie), com ênfase nos direitos de minorias (mulheres, negros, imigrantes, LGBTs).

Acusações proliferaram ao longo do espectro bipartidário e viralizaram pela sociedade. Afora controvérsias sobre o financiamento da Fundação Clinton, Hillary seria uma marionete de Wall Street. Além de protagonista de escândalos de assédio sexual, Trump seria porta-voz de governos rivais dos EUA (como a Rússia). Vazamentos seletivos dos e-mails de Hillary na Secretaria de Estado foram atribuídos a hackers russos. Ao assumir as investigações sobre os e-mails, o FBI transformou a última semana de campanha num thriller digno de Hollywood.

Grupos de interesse interferindo na eleição presidencial nos EUA não são novidade. Já mereciam destaque na eleição de William McKinley, há 120 anos. Reeleito após uma gestão considerada bem-sucedida, McKinley foi assassinado no início do seu segundo mandato.

Na escalada de ódio dos incidentes nas ruas e comícios, Hillary e Trump enfrentaram altas taxas de rejeição. Ambos estão sob intenso escrutínio legal na reta final de campanha. Nessas circunstâncias, maior atenção devia ser dada aos candidatos a Vice, eventuais Presidentes (Mike Pence, Tim Kaine).

Para emergentes como o Brasil, as duas candidaturas trazem problemas. Negar a profundidade da crise ou transformá-la em conspiração emergente apenas retarda a recuperação econômica global.

Hillary acena com um retorno às concepções globalistas do pós-Guerra Fria, com ênfase em acordos flexíveis de comércio e investimento (dos quais o Brasil não faz parte) e mecanismos de integração econômica hemisférica, em detrimento das pretensões brasileiras de liderança regional (ALCA). Com o MERCOSUL esvaziado por disputas normativas e a UNASUL refém da crise na Venezuela, outras instituições ganham terreno. O assédio à Índia para afetar a China desfavorece o Brasil (e a Rússia).

A ojeriza de Trump a esses acordos não é, porém, uma boa notícia. A rejeição ao multilateralismo é acompanhada pelo repúdio às principais demandas dos emergentes (maior representatividade nas instituições existentes e criação de novos canais de participação). Diante dessa rejeição, Trump promete negociações bilaterais seletivas. Para um Brasil em crise, a geometria de acordos bilaterais assume feições punitivas e desfavorece ações conjuntas dos emergentes (como os BRICS).

– Veja também: Trump é tirado do palco pelo Serviço Secreto durante discurso em comício

*diretor de Assuntos Internacionais e Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT), em colaboração voluntária ao SRzd

Entre Donald Trump e Hillary Clinton, os Estados Unidos realizam um ruidoso plebiscito sobre a crise de 2008. Barack Obama se elegeu prometendo solucionar a crise e responder à concorrência dos países emergentes. Em breve, a Casa Branca será ocupada por outra pessoa, com legados contraditórios em mãos.

A economia se recupera lentamente do abismo de 2008. A candidata democrata reiterou as principais propostas de Obama (fazer dos EUA uma superpotência energética da economia verde, investir em novas tecnologias, se aproximar da Índia para desacelerar a ascensão chinesa). Mas a Senadora e Secretária de Estado Hillary protagonizou ações no Oriente Médio e Ásia Menor que contradizem seu alegado desapego por combustíveis fósseis. Na invasão do Iraque, no assassinato de Osama Bin Laden e no bombardeio da Líbia, ela fez coro com falcões republicanos. Em 2016, figuras como Paul Wolfowitz, Robert Kagan e William Kristol estão com Hillary.

Sob Obama, os EUA permanecem no Iraque e Afeganistão após promessas de encerrar a “guerra ao Terror”. A tragédia na Síria aumenta o desalento com ações recentes implementadas pela candidata. A grande estratégia de Hillary preserva linhas gerais do fracasso bipartidário em impor paz armada.

Essa ambivalência fez a candidata ficar em maus lençóis diante da vitória dantes tida como certa.

Já Trump adotou retórica defensiva: manter empregos na velha economia dos hidrocarbonetos. Sua candidatura avançou nos rust belts. Essa retórica populista encontrou abrigo na exportação de empregos industriais para os emergentes (China, México). Na crítica trumpista da globalização, acordos comerciais são pontes para um futuro desindustrializado que beneficia os emergentes. A China “desrespeita” leis internacionais. Imigrantes ilegais mexicanos “roubam” empregos nos EUA.

Diante da herdeira da dinastia Clinton, Trump se vende como self-made-man capaz de salvar o país. Bill Clinton venceu George Bush em 1992 dizendo: “It’s economy, stupid”. Já Trump culpa a “stupid economy”: chegou a propor o retorno do padrão-ouro. Num coquetel explosivo de protecionismo, xenofobia, nostalgia e messianismo, ele tornou os emergentes bodes expiatórios da crise de 2008. O status dos emergentes em sua grande estratégia é perturbador.

O desafio de Trump ao sistema bipartidário (em vias de realinhamento) era previsível pelo teor de suas propostas. Mas foi inédito na extensão de seus impactos.

Engrenagens dos founding fathers, os estados operam como filtros para a manifestação da vontade popular. Urnas apuradas por estado resultam na atribuição de delegados para o partido vencedor na instância decisiva: o Colégio Eleitoral. Na soma simples do voto popular, Al Gore venceu George W. Bush em 2000. Na média ponderada por estado, a vitória coube a Bush, sob intensa controvérsia.

Na concentração das energias políticas em Democratas e Republicanos, uma mediação adicional se estabeleceu. Cada grande partido resiste fortemente às linhas gerais de mudança propostas pelo outro. Transformações (como “Yes, we can” de Obama) são resíduos, frutos de atritos e concessões.

Nesse sistema, expectativas ilimitadas podem inviabilizar a democracia. Quem limita mais as expectativas se torna a candidatura mais desejável, após múltiplas filtragens.

Hillary trouxe freios e contrapesos ao ódio sistemático e ilimitado de Trump. Em contraste com Bernie Sanders, poupou a grande finança de críticas e se propôs a continuar a obra de Obama, sem rupturas adicionais. Ao se definir como moderada, é a provável vencedora de Novembro de 2016.

Hillary traz, porém, uma desvantagem de partida. Em 240 anos, apenas em 2016 um grande partido lançou uma mulher candidata à Casa Branca. Assimetrias de gênero fazem o ódio de Trump ser mais tolerado que condenado, em contraste com as teses de Hillary – a se explicar diante do eleitorado. Numa sociedade machista, a hipermasculinidade de Trump se torna um trunfo de marketing eficaz.

No esteio de vitórias avassaladoras sobre Ted Cruz, Marco Rubio, John Kasich e Jeb Bush, Trump tornou reféns os líderes republicanos. Seu mecanismo de financiamento de campanha trouxe de volta as ondas de choque de independência de Ross Perot em 1992. Sua personalidade transmídia transbordou contradições em espaços vedados para a escolástica lapidada de Hillary. A candidata buscou compensar sua fragilidade no campo econômico com uma agenda voltada para a sociedade civil (herança de Bernie), com ênfase nos direitos de minorias (mulheres, negros, imigrantes, LGBTs).

Acusações proliferaram ao longo do espectro bipartidário e viralizaram pela sociedade. Afora controvérsias sobre o financiamento da Fundação Clinton, Hillary seria uma marionete de Wall Street. Além de protagonista de escândalos de assédio sexual, Trump seria porta-voz de governos rivais dos EUA (como a Rússia). Vazamentos seletivos dos e-mails de Hillary na Secretaria de Estado foram atribuídos a hackers russos. Ao assumir as investigações sobre os e-mails, o FBI transformou a última semana de campanha num thriller digno de Hollywood.

Grupos de interesse interferindo na eleição presidencial nos EUA não são novidade. Já mereciam destaque na eleição de William McKinley, há 120 anos. Reeleito após uma gestão considerada bem-sucedida, McKinley foi assassinado no início do seu segundo mandato.

Na escalada de ódio dos incidentes nas ruas e comícios, Hillary e Trump enfrentaram altas taxas de rejeição. Ambos estão sob intenso escrutínio legal na reta final de campanha. Nessas circunstâncias, maior atenção devia ser dada aos candidatos a Vice, eventuais Presidentes (Mike Pence, Tim Kaine).

Para emergentes como o Brasil, as duas candidaturas trazem problemas. Negar a profundidade da crise ou transformá-la em conspiração emergente apenas retarda a recuperação econômica global.

Hillary acena com um retorno às concepções globalistas do pós-Guerra Fria, com ênfase em acordos flexíveis de comércio e investimento (dos quais o Brasil não faz parte) e mecanismos de integração econômica hemisférica, em detrimento das pretensões brasileiras de liderança regional (ALCA). Com o MERCOSUL esvaziado por disputas normativas e a UNASUL refém da crise na Venezuela, outras instituições ganham terreno. O assédio à Índia para afetar a China desfavorece o Brasil (e a Rússia).

A ojeriza de Trump a esses acordos não é, porém, uma boa notícia. A rejeição ao multilateralismo é acompanhada pelo repúdio às principais demandas dos emergentes (maior representatividade nas instituições existentes e criação de novos canais de participação). Diante dessa rejeição, Trump promete negociações bilaterais seletivas. Para um Brasil em crise, a geometria de acordos bilaterais assume feições punitivas e desfavorece ações conjuntas dos emergentes (como os BRICS).

– Veja também: Trump é tirado do palco pelo Serviço Secreto durante discurso em comício

*diretor de Assuntos Internacionais e Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT), em colaboração voluntária ao SRzd

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