Tentando se reerguer da crise econômica imposta pela pandemia de Covid-19, o circuito exibidor, ao menos as salas e complexos que sobreviveram ao caos pandêmico, priorizou grandes produções hollywoodianas, consideradas as boias de salvação do setor desde o início da fase de reabertura dos cinemas. Neste cenário, vários títulos originalmente agendados para 2020 e/ou 2021 […]
POR Ana Carolina Garcia28/12/2022|28 min de leitura
Tentando se reerguer da crise econômica imposta pela pandemia de Covid-19, o circuito exibidor, ao menos as salas e complexos que sobreviveram ao caos pandêmico, priorizou grandes produções hollywoodianas, consideradas as boias de salvação do setor desde o início da fase de reabertura dos cinemas. Neste cenário, vários títulos originalmente agendados para 2020 e/ou 2021 entraram em cartaz somente em 2022. Dentre eles, dois que se destacam mundo afora em inúmeras listas de melhores do ano: “Top Gun: Maverick” (Top Gun: Maverick – 2022, EUA) e “Batman” (The Batman – 2022, EUA).
Ovacionado por seis minutos no Festival de Cannes deste ano, onde foi exibido fora de competição, “Top Gun: Maverick” é uma produção primorosa que proporciona à plateia, sobretudo à fatia que já passou dos 35 anos de idade, uma experiência cinematográfica completa, calcada na nostalgia e numa fórmula há muito abandonada pela maioria dos filmes de ação: a de apostar numa trama consistente repleta de cenas espetaculares realizadas sem o recurso da computação gráfica (CGI).
Produzido e estrelado por Tom Cruise, “Top Gun: Maverick” se destaca não apenas por sua qualidade, mas também por ser a celebração máxima da experiência cinematográfica proporcionada pela sala de exibição no momento no qual o papel e o impacto das plataformas digitais são amplamente discutidos. E foi esta sequência do clássico “Top Gun – Ases Indomáveis” (Top Gun – 1986, EUA), de Tony Scott, a responsável pelo retorno de uma parcela do público que ainda se resguardava em casa, completamente afastada dos cinemas, locais fechados e, portanto, propícios para a disseminação do novo coronavírus.
Há muitos anos aguardado com ansiedade pelos fãs do clássico que transformou Tom Cruise num dos maiores astros de Hollywood, “Top Gun: Maverick” chamou para si a responsabilidade de mostrar que o modelo tradicional de cinema, mesmo fatigado pela ascensão do streaming no período mais complexo da crise sanitária, estava mais vivo do que nunca. E que é possível conquistar público e crítica especializada na mesma intensidade sem pertencer ao filão de super-heróis, um dos mais lucrativos do cinema contemporâneo.
Mas o filão de super-heróis, que se mostrou essencial para a recuperação financeira da indústria cinematográfica após a reabertura das salas de exibição, teve como grande exemplar este ano um longa-metragem protagonizado por um homem sem nenhum superpoder, guiado pela sede de justiça e, não há como negar, vingança: o já citado “Batman”, estrelado por Robert Pattinson, que, mesmo tentando fugir do passado, conquistou os holofotes como Edward Cullen, o vampiro que brilha à luz do sol em “A Saga Crepúsculo” (The Twilight Saga – iniciada em 2008, EUA).
Sucesso absoluto de público e crítica, “Batman”, assim como “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” (Spider-Man: No Way Home – 2021, EUA), pavimentou o caminho para que “Top Gun: Maverick” pudesse encerrar o período de incertezas para o modelo tradicional de cinema e, consequentemente, para o circuito exibidor. É um filme impecável que bebe da fonte do Cinema Noir, aproximando-se do público adulto como “Coringa” (Joker – 2019, EUA / Canadá), de Todd Phillips.
No entanto, o circuito concedeu espaço a títulos de menor apelo popular, mas que impressionam pela abordagem a temas urgentes em tempos tão conturbados em todo o mundo. Entre eles, dois bastante premiados e baseados em fatos reais: “O Acontecimento” (L’événement – 2021, França) e “Belfast” (Belfast – 2021, Reino Unido).
Apesar do pouco espaço no circuito comercial, o cinema brasileiro continuou seguindo a tendência dos últimos anos, apostando em temas complexos e fugindo um pouco das comédias de grande apelo popular que, salvo algumas exceções, apresentam qualidade e um tipo de humor questionáveis. Neste cenário, filmes como “Pacificado” (Pacificado – 2019, Brasil / EUA) e “Carvão” (Carvão – 2022, Brasil) se destacaram. Contudo, um longa-metragem chamou a atenção no início desse ano por abordar uma trama capaz de conquistar o espectador com muita facilidade, “Eduardo e Mônica” (Eduardo e Mônica – 2022, Brasil), inicialmente agendado para 2020.
É impossível fechar uma lista de filmes sem alguma pendência, sobretudo no atual contexto de alta de casos de Covid-19 em todo o mundo, impulsionado, também, pelo negacionismo que ainda vigora, dentro e fora do Brasil, impactando a cobertura vacinal da população. Mas, no geral, pode-se dizer que 2022 fez o possível para cobrir a sua demanda cinematográfica, bem como para colocar os títulos adiados desde 2020 na agenda. Foi uma espécie de “busca pelo filme perdido”, que atraiu as massas às salas de exibição, permitindo que elas retomassem gradualmente o seu papel enquanto locais de socialização, mesmo com os altos e baixos impostos pelo cenário pandêmico.
Confira o Top 10:
1. “Top Gun: Maverick”:
– Título original: “Top Gun: Maverick”.
– País: Estados Unidos.
– Direção: Joseph Kosinski.
– Roteiro: Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie.
– Gênero(s): Ação e drama.
– Elenco: Tom Cruise (Pete ‘Maverick’ Mitchell), Miles Teller (Bradley ‘Rooster’ Bradshaw), Jennifer Connelly (Penny Benjamin), Val Kilmer (Tom “Iceman” Kazansky), Jon Hamm (Almirante Beau ‘Cyclone’ Simpson), Monica Barbaro (Natasha ‘Phoenix’ Trace), Glen Powell (Jake ‘Hangman’ Seresin), Bashir Salahuddin (Bernie ‘Hondo’ Coleman), Jay Ellis (Reuben ‘Payback’ Fitch), Lewis Pullman (Robert ‘Bob’ Floyd), Charles Parnell (Almirante Solomon ‘Warlock’ Bates), entre outros.
– Sinopse: Ambientado nos dias atuais, o longa mostra Pete “Maverick” Mitchell ainda com problemas disciplinares que o impedem de ascender na Marinha. Atuando como piloto de testes, Maverick é chamado por Iceman, agora Almirante, para voltar a ser instrutor na escola de caças conhecida como Top Gun, treinando jovens pilotos para uma missão complexa que envolve bombardear uma usina nuclear em construção e pode custar as suas vidas. Entre eles, Rooster, filho do parceiro de voo cuja morte Maverick não consegue superar, Nick ‘Goose’ Bradshaw (Anthony Edwards).
Apontado desde o seu lançamento como um título de peso na corrida por estatuetas douradas no próximo Oscar, “Top Gun: Maverick” é estruturado de maneira bastante similar ao longa-metragem que o originou, “Top Gun – Ases Indomáveis”, um dos maiores sucessos da década de 1980.
Com inúmeras sequências aéreas espetaculares, o longa é um deleite para qualquer fã do cinema de ação, mas não relega o drama nem as doses de humor refinado ao segundo plano. Referenciando o clássico sempre que possível, inclusive na dinâmica dos personagens, o novo filme explora o lado pouco conhecido de Maverick, o de homem preocupado com as consequências de suas ações, especialmente nas vidas daqueles a quem ama, neste caso, Rooster e Penny Benjamin. E é exatamente neste ponto que a produção extrai o que de melhor Tom Cruise tem a oferecer em cena, pois o ator trabalha os conflitos do piloto com destreza, principalmente no que tange à dor da perda de Goose e o seu sentimento de proteção, quase paternal, para com Rooster, que, prudente como o pai, faz o possível para lutar contra a vontade de experimentar um pouco da rebeldia e impetuosidade de Maverick, considerado uma lenda em toda a Marinha.
Contando com trilha sonora poderosa e sequências de ação impressionantes, capazes de tirar o fôlego do espectador, “Top Gun: Maverick” é sobre laços afetivos que jamais poderão ser desfeitos, seja por qual motivo for, e, não há como negar, uma deliciosa viagem ao tempo em que o cinema encantava com cenas filmadas com vigor e realismo sem a muleta do CGI que, apesar de sua importância para inúmeros blockbusters, tem sido usada em demasia até mesmo por produções cujas tramas não exigem o emprego de tanta tecnologia.
2. “Batman”:
– Título original: “The Batman”.
– País: Estados Unidos.
– Direção: Matt Reeves.
– Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig.
– Gênero(s): Ação, policial e drama.
– Elenco: Robert Pattinson (Bruce Wayne / Batman), Zoë Kravitz (Selina Kyle / Mulher-Gato), Jeffrey Wright (Tenente Jim Gordon), John Turturro (Carmine Falcone), Colin Farrell (Oswald Cobblepot / Pinguim), Paul Dano (Edward Nashton / Charada), Andy Serkis (Albert), Peter Sarsgaard (Gil Colson), entre outros.
– Sinopse: O filme mostra Bruce Wayne / Batman como um parceiro extraoficial de Jim Gordon, lutando contra os criminosos de Gotham City, inclusive aqueles que usam o distintivo para esconder suas verdadeiras intenções. Em meio a isso, o Homem-Morcego tenta desvendar as pistas deixadas por um psicopata, Edward Nashton / Charada, e conhece Selina Kyle / Mulher-Gato, jovem que pretende vingar a amiga que, assim como ela, trabalhava num clube noturno controlado pela máfia liderada por Carmine Falcone, que tem como testa de ferro Oswald Cobblepot / Pinguim.
Primeiro blockbuster da Warner Bros. com estreia exclusiva nos cinemas desde a polêmica decisão do estúdio em lançar seus filmes simultaneamente na HBO Max nos meses iniciais da pandemia, “Batman” bebe diretamente da fonte do Cinema Noir, tornando-se um dos títulos mais instigantes da DC / Warner ao apostar na densidade da trama proposta, desenvolvida com esmero, tendo como grande alicerce a entrega de todo o elenco, especialmente do quarteto formado por Pattinson, Wright, Kravitz e Dano.
Referenciando visualmente “Batman” (Batman – 1989) e “Batman O Retorno” (Batman Returns – 1992), ambos de Tim Burton, bem como utilizando elementos da trilogia “O Poderoso Chefão” (The Godfather – iniciada em 1972), de Francis Ford Coppola, o longa também chama a atenção nos quesitos técnicos, sobretudo do design de produção, fotografia, edição de som e montagem, que insere com precisão cirúrgica a trilha sonora assinada por Michael Giacchino, que, com a desenvoltura de um mestre, consegue, por exemplo, encaixar a “Ave Maria”, de Franz Schubert, com “Something in the Way”, do Nirvana – no ano passado, a banda de Kurt Cobain teve seu maior sucesso, “Smells Like Teen Spirit”, em nova versão na trilha de “Viúva Negra” (Black Widow – 2021), dirigido por Cate Shortland para a Disney / Marvel. Além disso, não há como negar a potência desta trilha que, em determinados momentos, remete a “The Imperial March”, tema de outro mascarado de capa preta, Darth Vader, composto por John Williams para o clássico “Star Wars: O Império Contra-Ataca” (The Empire Strikes Back – 1980), de Irvin Kershner.
Sem economizar na violência gráfica e com um batmóvel mais envenenado que todos os carros (juntos!) de Dom Toretto e sua “família”, “The Batman” é um filme sobre como as feridas do passado afetam o indivíduo no presente, por vezes, levando-o a um caminho sombrio no qual ele precisa decidir não apenas que tipo de legado quer honrar, como também se vale a pena honrá-lo ou criar uma nova história sem as amarras do sofrimento que o atormentou por toda a vida. E a única maneira de conseguir isso é deixar o sentimento de vingança para trás, permitindo, assim, que a esperança de um futuro melhor, por meio da reestruturação emocional (Bruce Wayne e Selina) e moral (Gotham), se torne um norte.
3. “O Acontecimento”:
– Título original: “L’événement”.
– País: França.
– Direção: Audrey Diwan.
– Roteiro: Audrey Diwan e Marcia Romano.
– Gênero(s): Drama e história.
– Elenco: Anamaria Vartolomei (Anne Duchesne), Kacey Mottet Klein (Jean), Luàna Bajrami (Hélène), Louise Orry-Diquéro (Brigitte), Pio Marmaï (Professor Bornec), Louise Chevillotte (Olivia), Sandrine Bonnaire (Gabrielle Duchesne), Fabrizio Rongione (Dr. Ravinsky), entre outros.
– Sinopse: Ambientado na França dos anos 1960, o longa é inspirado na história real de Annie Ernaux e mostra uma jovem universitária, Anne, lutando para interromper a gravidez indesejada que poderá mudar todos os seus planos de futuro. Desesperada e sozinha, Anne tenta todos os meios para a realização de um procedimento seguro, mas a proibição do aborto e a possível condenação dos envolvidos, inclusive médicos, a obriga a buscar outro tipo de ajuda, clandestina, colocando sua própria vida em risco.
Adaptação cinematográfica do livro homônimo de Annie Ernaux, “O Acontecimento” chegou ao circuito no momento no qual a criminalização do aborto é amplamente debatida, dentro e fora do Brasil, acompanhando a protagonista de maneira a colocar o tempo como elemento de tensão e, portanto, seu inimigo. Assim, a narrativa se desenvolve de maneira sufocante, mostrando o crescente desespero semana a semana, bem como o posicionamento de médicos e dos amigos da jovem, que não demonstram nenhuma empatia pela situação delicada. Com isso, o longa transmite ao espectador a angústia e a sensação de desamparo de Anne que, para não ser julgada nem condenada, enfrenta a situação com muita discrição, mesmo quando suas emoções afetam o cotidiano, especialmente a rotina de estudos.
Contrapondo razão e emoção por meio de olhares e gestos, Anamaria Vartolomei surge em cena como uma fortaleza, explorando a dor física em sequências realmente impressionantes que expõem toda a brutalidade de um aborto clandestino e, principalmente, seus riscos. São imagens que causam incômodo ao espectador pelo desamparo imposto à uma mulher que necessitava do auxílio médico que lhe foi negado por lei – na França, o aborto foi descriminalizado em 1975 e, recentemente, o governo estendeu o prazo de interrupção voluntária de 12 para 14 semanas.
Vencedor do Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza do ano passado, “O Acontecimento” tem como grande trunfo sua sobriedade, permitindo que o público observe a complexa situação sem a distração de recursos melodramáticos, aqui, desnecessários. Sem fazer nenhum tipo de julgamento à decisão da protagonista nem daqueles que lhes viraram as costas, inclusive o pai da criança, este filme é um dos mais importantes em cartaz por levar a plateia à reflexão, independentemente de religião e ideologia.
4. “Não! Não Olhe!”:
– Título original: “Nope”.
– País: EUA / Canadá / Japão.
– Direção: Jordan Peele.
– Roteiro: Jordan Peele.
– Gênero(s): Terror, mistério e ficção-científica.
– Elenco: Daniel Kaluuya (OJ Haywood), Keke Palmer (Emerald Haywood), Steven Yeun (Ricky ‘Jupe’ Park), Brandon Perea (Angel Torres), Michael Wincott (Antlers Holst), Wrenn Schmidt (Amber Park), Keith David (Otis Haywood Sr.), entre outros.
– Sinopse: Ambientado num cenário típico de faroeste, o filme conta a história de OJ Haywood, jovem que herdou do pai um rancho especializado em treinar cavalos para o cinema e a televisão. Quando uma tragédia acontece com o pai, OJ fica cismado e, meses depois, começa a desconfiar que o local foi escolhido como território de um animal alienígena sedento por sangue, humano ou não. Em meio a isso, precisa negociar com um ex-astro mirim que passou por uma situação traumática durante a gravação de um episódio de sua extinta série e, agora, decide explorar o medo do público em seu parque temático, vizinho ao rancho. Exploração essa desejada também pela irmã de OJ, que deseja filmar o alienígena e enviar o vídeo à Oprah, contando com a ajuda de um técnico de informática.
Em 2017, Jordan Peele se destacou como um diretor estreante que muito tinha a oferecer à indústria cinematográfica graças ao trabalho em “Corra!” (Get Out – 2017, EUA / Japãp), passeando com muita habilidade pelos gêneros do terror e suspense, mas repleto de críticas sociais. Dois anos depois, utilizou fórmula similar em “Nós” (Us – 2019, EUA / China / Japão), novamente se destacando entre os realizadores, firmando-se na elite da Hollywood contemporânea. Agora, Peele chama a atenção por expandir o olhar para outros gêneros, brindando a plateia com uma produção que, de certa forma, celebra o legado de Steven Spielberg, sobretudo “Tubarão” (Jaws – 1975, EUA), “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (Close Encounters of the Third Kind – 1977, EUA / Reino Unido) e “Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros” (Jurassic Park – 1993, EUA), utilizados como fonte de inspiração, segundo o próprio cineasta.
“Não! Não Olhe!” é um deleite para qualquer espectador, especialmente para aqueles que têm conhecimento mais aguçado sobre o cinema clássico, que poderá encontrar elementos de títulos como “King Kong” (King Kong – 1933, EUA) e “O Mágico de Oz” (The Wizard of Oz – 1939, EUA), por exemplo. Neste sentido, Jordan Peele se distancia das críticas de cunho social, mas leva o espectador à reflexão sobre o processo de espetacularização que há tempos domina a indústria do entretenimento. Isso pode ser observado com mais afinco tanto no personagem de Steven Yeun quanto no cameraman do TMZ, site dedicado quase exclusivamente à exploração de situações que fomentam o circo midiático.
Referenciando visualmente “O Iluminado” (The Shinning – 1980, Reino Unido / EUA) e “Sinais” (Signs – 2002, EUA), “Não! Não Olhe!” utiliza o medo do desconhecido, neste caso, de um alienígena, para tecer uma crítica direta à sociedade do espetáculo. E, assim como Steven Spielberg em “Tubarão”, Jordan Peele soube se aproveitar dos elementos que tinha à sua disposição nas locações e sets, trabalhando com maestria o fato de os personagens saberem que a ameaça ronda o céu, mesmo sem saberem quem e qual ponto específico seriam atacados a seguir, mostrando o predador somente quando necessário à narrativa.
– Sinopse: “Olga” conta a história de uma adolescente de 15 anos que sonha com o futuro como ginasta. Mas a perseguição à sua mãe, jornalista investigativa que se opõe a Yanukovych, coloca a vida da menina em risco, levando-a ao exílio na Suíça. No país natal de seu falecido pai, Olga sente a pressão tanto do esporte quanto da distância de seus entes queridos, que seguem ameaçados pelo governo.
Em 2013, a Ucrânia se tornou palco de uma série de manifestações, reprimidas com violência pelo governo do então presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych, que, à época, decidiu não assinar um acordo de cooperação com a União Europeia. Isto acarretou os protestos que levaram milhares de pessoas à Praça Maidan, em Kiev, a capital do país, chamados de EuroMaidan. Também conhecidos como Primavera Ucraniana, os protestos, que levaram à queda do presidente e à eleição de Petro Poroshenko, antes de Vladimir Putin anexar a Crimeia ao território russo em 2014, são mostrados em “Olga”.
Vencedor do SACD Award, da Semana da Crítica do Festival de Cannes 2021, “Olga” se desenvolve de maneira a expor à plateia como a dor emocional se sobrepõe à física, guiando cada atitude de uma jovem que se sente preterida pela mãe que sempre colocou seu trabalho em primeiro lugar. Isto funciona na tela graças à atuação da estreante Anastasiia Budiashkina, que explora com a desenvoltura de uma veterana as variadas emoções da personagem, apresentando-a praticamente como um robô nos treinos e competições, usados por ela como fuga da própria realidade. Ginasta profissional, Budiashkina consegue prender a atenção do espectador mesmo quando transmite a dor de sua personagem somente com o olhar.
Contando com outras atletas de alto nível em seu elenco, como Sabrina Rubtsova, Caterina Barloggio e Thea Brogli, tal qual “Arremessando Alto” (Hustle – 2022, EUA), produção original Netflix dirigida por Jeremiah Zagar, “Olga” é um filme sobre a necessidade de se manter firme para superar as adversidades da vida, mas sem relegar sua essência e origem ao segundo plano. Além disso, não há como negar que, diante da guerra que assola a Ucrânia, este longa também reflete a situação atual por expor a angústia daqueles que precisaram deixar suas casas em decorrência da guerra, inclusive Anastasiia Budiashkina, que precisou ficar num abrigo antiaéreo em Kharkiv antes de deixar seu país pela fronteira com a Polônia.
6. “Belfast”:
– Título original: “Belfast”.
– País: Reino Unido.
– Direção: Kenneth Branagh.
– Roteiro: Kenneth Branagh.
– Gênero(s): Biografia e drama.
– Elenco: Jude Hill (Buddy), Lewis McAskie (Will), Caitriona Balfe (Ma), Jamie Dornan (Pa), Judi Dench (Granny), Ciarán Hinds (Pop), Josie Walker (Tia Violet), Freya Yates (Frances), entre outros.
– Sinopse: Inspirado nas lembranças da infância de seu realizador em Belfast, o longa conta a história de Buddy, menino de nove anos que assiste à eclosão da violência causada pelo conflito entre protestantes e católicos, chamado de “The Troubles”, no final dos anos de 1960. Tentando compreender os acontecimentos ao seu redor, Buddy é confrontado pela iminente separação de sua família, pois a fuga para um lugar mais seguro se torna inevitável.
Projeto pessoal de Kenneth Branagh, “Belfast” acabou se destacando como um dos títulos mais emocionantes lançados no circuito comercial brasileiro este ano não apenas por suas qualidades, mas, também, pela invasão da Ucrânia pela Rússia, levando à separação de inúmeras famílias, impondo sofrimento e dor à população.
De proporções infinitamente inferiores em comparação à barbárie que devasta a Ucrânia desde março, o conflito entre protestantes e católicos, também chamado de “The Troubles”, levou caos e medo a Belfast (Irlanda do Norte), separando incontáveis famílias, pois muitas foram obrigadas a deixar tudo para trás em prol da segurança e/ou sobrevivência, principalmente no final dos anos 1960.
Esteticamente belo, “Belfast” tem como trunfo a comunhão do elenco, especialmente do trio formado por Jude Hill, Judi Dench e Ciarán Hinds. Os atores conseguem exprimir com naturalidade sentimentos distintos, muitas vezes, apenas pelo olhar. E isso agrega enorme valor ao longa, que se desenvolve de maneira a levar o espectador à reflexão. Afinal, até que ponto divergências políticas e/ou religiosas podem afetar laços afetivos, separando familiares e amigos, seja por opção ou por conta das circunstâncias?
7. “Licorice Pizza”:
– Título original: “Licorice Pizza”.
– País: EUA / Canadá.
– Direção: Paul Thomas Anderson.
– Roteiro: Paul Thomas Anderson.
– Gênero(s): Comédia, drama e romance.
– Elenco: Alana Haim (Alana), Cooper Hoffman (Gary), Bradley Cooper (Jon Peters), Sean Penn (Jack Holden), Tom Waits (Rex Blau), Will Angarola (Kirk), Griff Giacchino (Mark), James Kelley (Tim), entre outros.
– Sinopse: O longa conta a história de Gary, adolescente que se apaixona por uma jovem na casa dos 20 anos. O relacionamento da dupla é construído em meio à tensão política que assombrava os Estados Unidos no início dos anos de 1970.
Marcando a estreia de Cooper Hoffman, filho de Philip Seymour Hoffman, como ator, “Licorice Pizza” chegou aos cinemas brasileiros proporcionando uma experiência divertida e nostálgica ao espectador.
Utilizando o humor para contar a história de um adolescente que se apaixona por uma jovem na casa dos 20 anos, “Licorice Pizza” é um coming-of-age movie, ambientado na década de 1970, dirigido com destreza por Paul Thomas Anderson, que consegue extrair boas atuações de todo o elenco, especialmente de Cooper Hoffman, remetendo, invariavelmente, à sua antiga parceria com Philip Seymour Hoffman, e Alana Haim, membro da banda pop Haim. A dupla consegue trabalhar as inseguranças de seus respectivos personagens, mostrando as dificuldades e os sonhos de jovens que tentam entender o mundo no qual estão inseridos para, então, encontrarem o seu lugar.
Com uma reconstrução de época que impressiona pelos detalhes, “Licorice Pizza” é mais que um filme sobre a paixão de um adolescente por uma mulher mais velha. É uma produção cuja trama possui várias camadas, apresentadas gradualmente ao espectador, encontrando espaço suficiente para abordar questões políticas, uma vez que os anos 1970 foram extremamente turbulentos para os Estados Unidos, que, dentre tantas outras coisas, enfrentava protestos contra a Guerra do Vietnã.
8. “A Felicidade das Pequenas Coisas”:
– Título original: “Lunana: A Yak in the Classroom”.
– Sinopse: O filme conta a história de Ugyen, jovem que vive com a avó e assinou contrato com o governo para lecionar por cinco anos, mas no quarto ano, cansado de exercer a função para a qual não tem nenhuma vocação nem entusiasmo, é enviado para a escola mais isolada do planeta, na pequena aldeia de Lunana. No local, nutrindo o sonho de emigrar para a Austrália e seguir carreira musical, Ugyen começa a repensar seus valores por meio da aprendizagem proporcionada pela convivência com os habitantes da aldeia, especialmente com as crianças.
Primeira produção do Butão a concorrer ao Oscar de melhor filme internacional, “A Felicidade das Pequenas Coisas” explora sentimentos variados do protagonista, que chega à aldeia não por vontade própria, mas por obrigação, manifestando seu desejo de sair dali o quanto antes. Contrapondo cidade grande e campo, o longa se desenvolve de maneira a mostrar a transformação do protagonista, inicialmente apresentado como um jovem egoísta e insensível, num homem maduro graças ao acolhimento de pessoas que vivem em situação bastante precária e não sabem nem o que são escova e pasta de dentes, por exemplo. E, mesmo no contexto de pobreza extrema, são indivíduos espirituosos, gentis e, ao contrário de muitos nos grandes centros urbanos, reconhecem o valor de um professor, respeitando-o – “um professor transforma o mundo”, diz um dos alunos que deseja lecionar quando crescer.
Com uma fotografia que serve tanto para transmitir a sensação de opressão da cidade quanto para contemplar a natureza que rodeia a remota aldeia, “A Felicidade das Pequenas Coisas” se encaixa no conceito de feel-good movie em determinados momentos, sobretudo naqueles em que mostra a felicidade dos habitantes de Lunana apesar dos poucos recursos disponíveis. Com isso, transmite a mensagem que nem sempre a concretização do antigo sonho é aquilo que o indivíduo realmente necessita.
Vencedor de 20 prêmios, inclusive o da audiência concedido pelo Palm Springs International Film Festival, o drama butanês divide a opinião da plateia, pois, para apreciá-lo em sua plenitude, é imprescindível que o espectador embarque na jornada de amadurecimento e autoconhecimento de Ugyen, impulsionada pelo carisma de seus alunos, especialmente de Pem Zam.
9. “Eduardo e Mônica”:
– Título original: “Eduardo e Mônica”.
– País: Brasil.
– Direção: René Sampaio.
– Roteiro: Claudia Souto, Jessica Candal e Matheus Souza.
– Gênero(s): Drama e romance.
– Elenco: Alice Braga (Mônica), Gabriel Leone (Eduardo), Otávio Augusto (Seu Bira), Fabrício Boliveira (João de Santo Cristo), Juliana Carneiro da Cunha (Lara), Eli Ferreira (Tina), Victor Lamoglia (Inácio), Ivan Mendes (Felipe), entre outros.
– Sinopse: Adaptação cinematográfica da canção homônima da Legião Urbana, o filme conta a história de um casal que precisa lidar com as diferenças, principalmente de idade, para fazer o relacionamento funcionar.
Segunda adaptação para a tela grande de René Sampaio para uma canção da Legião Urbana, “Eduardo e Mônica” é a prova de que o cinema brasileiro pode ser bem-sucedido fora dos filões das comédias apelativas e de títulos violentos.
Esmiuçando a letra do sucesso da Legião Urbana com maestria, Sampaio levou às telas uma espécie de prequel do romance entre Eduardo e Mônica, mostrando que muita coisa, boa e ruim, aconteceu ao casal protagonista antes de o filhinho ficar de recuperação. Assim, o espectador é conduzido por uma viagem nostálgica à Brasília dos anos 1980, quando jovens com pouco em comum tiveram de lidar com as diferenças em prol de um amor que tinha a questão da idade como principal barreira.
Equilibrando drama e romance com doses exatas de humor, “Eduardo e Mônica” chama a atenção tanto pela técnica quanto pelo roteiro, desenvolvido com esmero para construir uma trama crível capaz de manter o ritmo narrativo, mesmo quando questões políticas e familiares surgem como novos obstáculos a serem superados pelo casal. E isso ganha força graças às atuações Alice Braga e Gabriel Leone, que defenderam seus personagens como vigor e emoção, tornando a história crível e, principalmente, respeitando a essência da canção de autoria de Renato Russo, lançada no álbum “Dois” (1986) da Legião Urbana.
10. “A Conferência”:
– Título original: “Die Wannseekonferenz”.
– País: Alemanha.
– Direção: Matti Geschonneck.
– Roteiro: Magnus Vattrodt e Paul Mommertz.
– Gênero(s): Drama, história e guerra.
– Elenco: Philipp Hochmair (Reinhard Heydrich), Johannes Allmayer (Adolf Eichmann), Maximilian Brückner (Dr. Eberhard Schöngarth), Matthias Bundschuh (Erich Neumann), Fabian Busch (Dr. Gerhard Klopfer), Jakob Diehl (Heinrich Müller), entre outros.
– Sinopse: Baseado na ata confidencial da chamada Conferência de Wannsee, um dos principais documentos do Holocausto, organizada por Adolf Eichmann, o filme apresenta estrutura narrativa simples para focar exclusivamente na institucionalização da barbárie, feita de forma fria e calculista por homens que integravam o mais alto escalão do governo nazista, dentre eles, Reinhard Heydrich, subordinado direto de Heinrich Himmler, chefe da SS.
Guiado pela ata, encontrada depois da guerra, o roteiro de “A Conferência” se desenvolve de forma linear, tentando reproduzir a reunião internamente chamada de Conferência dos Secretários Adjuntos para a “Solução Final para a Questão Judaica”, realizada em 20 de janeiro de 1942 num imponente palacete à beira do Lago Wannsee, em Berlim. Na verdade, o encontro tinha como objetivo não criar a “Solução Final”, mas expandi-la e transformar o extermínio de 11 milhões de judeus, o número estimado pela conferência, em ato administrativo – à época, o assassinato em massa de judeus já era uma realidade, inclusive em campos de concentração.
Com cenas externas rodadas no palacete que hoje é um memorial e centro educacional, “A Conferência” é um filme incômodo por expor a crueldade de homens em busca da manutenção do poder em suas próprias mãos, bem como de ascensão no Terceiro Reich, não medindo esforços para alcançar seus objetivos, unificando guerra e luta racial por meio do ódio. Homens que se referiam a seres humanos como “resíduo acumulado”, inclusive mulheres e crianças.
Tecnicamente simplório, “A Conferência” é uma produção que se torna urgente no cenário mundial cada vez mais conturbado, para que as novas gerações possam conhecer o passado para não o repetir. E em meio ao choque imposto pelas discussões na Conferência de Wannsee, um ponto também chama a atenção neste longa: a ausência de trilha sonora. Esta opção do diretor Matti Geschonneck foi tomada para não influenciar o impacto do conteúdo sobre a plateia nem permitir que a barbárie seja romanceada de alguma maneira. Sem dúvida, um dos filmes mais impactantes e importantes do circuito exibidor em 2022.
Tentando se reerguer da crise econômica imposta pela pandemia de Covid-19, o circuito exibidor, ao menos as salas e complexos que sobreviveram ao caos pandêmico, priorizou grandes produções hollywoodianas, consideradas as boias de salvação do setor desde o início da fase de reabertura dos cinemas. Neste cenário, vários títulos originalmente agendados para 2020 e/ou 2021 entraram em cartaz somente em 2022. Dentre eles, dois que se destacam mundo afora em inúmeras listas de melhores do ano: “Top Gun: Maverick” (Top Gun: Maverick – 2022, EUA) e “Batman” (The Batman – 2022, EUA).
Ovacionado por seis minutos no Festival de Cannes deste ano, onde foi exibido fora de competição, “Top Gun: Maverick” é uma produção primorosa que proporciona à plateia, sobretudo à fatia que já passou dos 35 anos de idade, uma experiência cinematográfica completa, calcada na nostalgia e numa fórmula há muito abandonada pela maioria dos filmes de ação: a de apostar numa trama consistente repleta de cenas espetaculares realizadas sem o recurso da computação gráfica (CGI).
Produzido e estrelado por Tom Cruise, “Top Gun: Maverick” se destaca não apenas por sua qualidade, mas também por ser a celebração máxima da experiência cinematográfica proporcionada pela sala de exibição no momento no qual o papel e o impacto das plataformas digitais são amplamente discutidos. E foi esta sequência do clássico “Top Gun – Ases Indomáveis” (Top Gun – 1986, EUA), de Tony Scott, a responsável pelo retorno de uma parcela do público que ainda se resguardava em casa, completamente afastada dos cinemas, locais fechados e, portanto, propícios para a disseminação do novo coronavírus.
Há muitos anos aguardado com ansiedade pelos fãs do clássico que transformou Tom Cruise num dos maiores astros de Hollywood, “Top Gun: Maverick” chamou para si a responsabilidade de mostrar que o modelo tradicional de cinema, mesmo fatigado pela ascensão do streaming no período mais complexo da crise sanitária, estava mais vivo do que nunca. E que é possível conquistar público e crítica especializada na mesma intensidade sem pertencer ao filão de super-heróis, um dos mais lucrativos do cinema contemporâneo.
Mas o filão de super-heróis, que se mostrou essencial para a recuperação financeira da indústria cinematográfica após a reabertura das salas de exibição, teve como grande exemplar este ano um longa-metragem protagonizado por um homem sem nenhum superpoder, guiado pela sede de justiça e, não há como negar, vingança: o já citado “Batman”, estrelado por Robert Pattinson, que, mesmo tentando fugir do passado, conquistou os holofotes como Edward Cullen, o vampiro que brilha à luz do sol em “A Saga Crepúsculo” (The Twilight Saga – iniciada em 2008, EUA).
Sucesso absoluto de público e crítica, “Batman”, assim como “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” (Spider-Man: No Way Home – 2021, EUA), pavimentou o caminho para que “Top Gun: Maverick” pudesse encerrar o período de incertezas para o modelo tradicional de cinema e, consequentemente, para o circuito exibidor. É um filme impecável que bebe da fonte do Cinema Noir, aproximando-se do público adulto como “Coringa” (Joker – 2019, EUA / Canadá), de Todd Phillips.
No entanto, o circuito concedeu espaço a títulos de menor apelo popular, mas que impressionam pela abordagem a temas urgentes em tempos tão conturbados em todo o mundo. Entre eles, dois bastante premiados e baseados em fatos reais: “O Acontecimento” (L’événement – 2021, França) e “Belfast” (Belfast – 2021, Reino Unido).
Apesar do pouco espaço no circuito comercial, o cinema brasileiro continuou seguindo a tendência dos últimos anos, apostando em temas complexos e fugindo um pouco das comédias de grande apelo popular que, salvo algumas exceções, apresentam qualidade e um tipo de humor questionáveis. Neste cenário, filmes como “Pacificado” (Pacificado – 2019, Brasil / EUA) e “Carvão” (Carvão – 2022, Brasil) se destacaram. Contudo, um longa-metragem chamou a atenção no início desse ano por abordar uma trama capaz de conquistar o espectador com muita facilidade, “Eduardo e Mônica” (Eduardo e Mônica – 2022, Brasil), inicialmente agendado para 2020.
É impossível fechar uma lista de filmes sem alguma pendência, sobretudo no atual contexto de alta de casos de Covid-19 em todo o mundo, impulsionado, também, pelo negacionismo que ainda vigora, dentro e fora do Brasil, impactando a cobertura vacinal da população. Mas, no geral, pode-se dizer que 2022 fez o possível para cobrir a sua demanda cinematográfica, bem como para colocar os títulos adiados desde 2020 na agenda. Foi uma espécie de “busca pelo filme perdido”, que atraiu as massas às salas de exibição, permitindo que elas retomassem gradualmente o seu papel enquanto locais de socialização, mesmo com os altos e baixos impostos pelo cenário pandêmico.
Confira o Top 10:
1. “Top Gun: Maverick”:
– Título original: “Top Gun: Maverick”.
– País: Estados Unidos.
– Direção: Joseph Kosinski.
– Roteiro: Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie.
– Gênero(s): Ação e drama.
– Elenco: Tom Cruise (Pete ‘Maverick’ Mitchell), Miles Teller (Bradley ‘Rooster’ Bradshaw), Jennifer Connelly (Penny Benjamin), Val Kilmer (Tom “Iceman” Kazansky), Jon Hamm (Almirante Beau ‘Cyclone’ Simpson), Monica Barbaro (Natasha ‘Phoenix’ Trace), Glen Powell (Jake ‘Hangman’ Seresin), Bashir Salahuddin (Bernie ‘Hondo’ Coleman), Jay Ellis (Reuben ‘Payback’ Fitch), Lewis Pullman (Robert ‘Bob’ Floyd), Charles Parnell (Almirante Solomon ‘Warlock’ Bates), entre outros.
– Sinopse: Ambientado nos dias atuais, o longa mostra Pete “Maverick” Mitchell ainda com problemas disciplinares que o impedem de ascender na Marinha. Atuando como piloto de testes, Maverick é chamado por Iceman, agora Almirante, para voltar a ser instrutor na escola de caças conhecida como Top Gun, treinando jovens pilotos para uma missão complexa que envolve bombardear uma usina nuclear em construção e pode custar as suas vidas. Entre eles, Rooster, filho do parceiro de voo cuja morte Maverick não consegue superar, Nick ‘Goose’ Bradshaw (Anthony Edwards).
Apontado desde o seu lançamento como um título de peso na corrida por estatuetas douradas no próximo Oscar, “Top Gun: Maverick” é estruturado de maneira bastante similar ao longa-metragem que o originou, “Top Gun – Ases Indomáveis”, um dos maiores sucessos da década de 1980.
Com inúmeras sequências aéreas espetaculares, o longa é um deleite para qualquer fã do cinema de ação, mas não relega o drama nem as doses de humor refinado ao segundo plano. Referenciando o clássico sempre que possível, inclusive na dinâmica dos personagens, o novo filme explora o lado pouco conhecido de Maverick, o de homem preocupado com as consequências de suas ações, especialmente nas vidas daqueles a quem ama, neste caso, Rooster e Penny Benjamin. E é exatamente neste ponto que a produção extrai o que de melhor Tom Cruise tem a oferecer em cena, pois o ator trabalha os conflitos do piloto com destreza, principalmente no que tange à dor da perda de Goose e o seu sentimento de proteção, quase paternal, para com Rooster, que, prudente como o pai, faz o possível para lutar contra a vontade de experimentar um pouco da rebeldia e impetuosidade de Maverick, considerado uma lenda em toda a Marinha.
Contando com trilha sonora poderosa e sequências de ação impressionantes, capazes de tirar o fôlego do espectador, “Top Gun: Maverick” é sobre laços afetivos que jamais poderão ser desfeitos, seja por qual motivo for, e, não há como negar, uma deliciosa viagem ao tempo em que o cinema encantava com cenas filmadas com vigor e realismo sem a muleta do CGI que, apesar de sua importância para inúmeros blockbusters, tem sido usada em demasia até mesmo por produções cujas tramas não exigem o emprego de tanta tecnologia.
2. “Batman”:
– Título original: “The Batman”.
– País: Estados Unidos.
– Direção: Matt Reeves.
– Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig.
– Gênero(s): Ação, policial e drama.
– Elenco: Robert Pattinson (Bruce Wayne / Batman), Zoë Kravitz (Selina Kyle / Mulher-Gato), Jeffrey Wright (Tenente Jim Gordon), John Turturro (Carmine Falcone), Colin Farrell (Oswald Cobblepot / Pinguim), Paul Dano (Edward Nashton / Charada), Andy Serkis (Albert), Peter Sarsgaard (Gil Colson), entre outros.
– Sinopse: O filme mostra Bruce Wayne / Batman como um parceiro extraoficial de Jim Gordon, lutando contra os criminosos de Gotham City, inclusive aqueles que usam o distintivo para esconder suas verdadeiras intenções. Em meio a isso, o Homem-Morcego tenta desvendar as pistas deixadas por um psicopata, Edward Nashton / Charada, e conhece Selina Kyle / Mulher-Gato, jovem que pretende vingar a amiga que, assim como ela, trabalhava num clube noturno controlado pela máfia liderada por Carmine Falcone, que tem como testa de ferro Oswald Cobblepot / Pinguim.
Primeiro blockbuster da Warner Bros. com estreia exclusiva nos cinemas desde a polêmica decisão do estúdio em lançar seus filmes simultaneamente na HBO Max nos meses iniciais da pandemia, “Batman” bebe diretamente da fonte do Cinema Noir, tornando-se um dos títulos mais instigantes da DC / Warner ao apostar na densidade da trama proposta, desenvolvida com esmero, tendo como grande alicerce a entrega de todo o elenco, especialmente do quarteto formado por Pattinson, Wright, Kravitz e Dano.
Referenciando visualmente “Batman” (Batman – 1989) e “Batman O Retorno” (Batman Returns – 1992), ambos de Tim Burton, bem como utilizando elementos da trilogia “O Poderoso Chefão” (The Godfather – iniciada em 1972), de Francis Ford Coppola, o longa também chama a atenção nos quesitos técnicos, sobretudo do design de produção, fotografia, edição de som e montagem, que insere com precisão cirúrgica a trilha sonora assinada por Michael Giacchino, que, com a desenvoltura de um mestre, consegue, por exemplo, encaixar a “Ave Maria”, de Franz Schubert, com “Something in the Way”, do Nirvana – no ano passado, a banda de Kurt Cobain teve seu maior sucesso, “Smells Like Teen Spirit”, em nova versão na trilha de “Viúva Negra” (Black Widow – 2021), dirigido por Cate Shortland para a Disney / Marvel. Além disso, não há como negar a potência desta trilha que, em determinados momentos, remete a “The Imperial March”, tema de outro mascarado de capa preta, Darth Vader, composto por John Williams para o clássico “Star Wars: O Império Contra-Ataca” (The Empire Strikes Back – 1980), de Irvin Kershner.
Sem economizar na violência gráfica e com um batmóvel mais envenenado que todos os carros (juntos!) de Dom Toretto e sua “família”, “The Batman” é um filme sobre como as feridas do passado afetam o indivíduo no presente, por vezes, levando-o a um caminho sombrio no qual ele precisa decidir não apenas que tipo de legado quer honrar, como também se vale a pena honrá-lo ou criar uma nova história sem as amarras do sofrimento que o atormentou por toda a vida. E a única maneira de conseguir isso é deixar o sentimento de vingança para trás, permitindo, assim, que a esperança de um futuro melhor, por meio da reestruturação emocional (Bruce Wayne e Selina) e moral (Gotham), se torne um norte.
3. “O Acontecimento”:
– Título original: “L’événement”.
– País: França.
– Direção: Audrey Diwan.
– Roteiro: Audrey Diwan e Marcia Romano.
– Gênero(s): Drama e história.
– Elenco: Anamaria Vartolomei (Anne Duchesne), Kacey Mottet Klein (Jean), Luàna Bajrami (Hélène), Louise Orry-Diquéro (Brigitte), Pio Marmaï (Professor Bornec), Louise Chevillotte (Olivia), Sandrine Bonnaire (Gabrielle Duchesne), Fabrizio Rongione (Dr. Ravinsky), entre outros.
– Sinopse: Ambientado na França dos anos 1960, o longa é inspirado na história real de Annie Ernaux e mostra uma jovem universitária, Anne, lutando para interromper a gravidez indesejada que poderá mudar todos os seus planos de futuro. Desesperada e sozinha, Anne tenta todos os meios para a realização de um procedimento seguro, mas a proibição do aborto e a possível condenação dos envolvidos, inclusive médicos, a obriga a buscar outro tipo de ajuda, clandestina, colocando sua própria vida em risco.
Adaptação cinematográfica do livro homônimo de Annie Ernaux, “O Acontecimento” chegou ao circuito no momento no qual a criminalização do aborto é amplamente debatida, dentro e fora do Brasil, acompanhando a protagonista de maneira a colocar o tempo como elemento de tensão e, portanto, seu inimigo. Assim, a narrativa se desenvolve de maneira sufocante, mostrando o crescente desespero semana a semana, bem como o posicionamento de médicos e dos amigos da jovem, que não demonstram nenhuma empatia pela situação delicada. Com isso, o longa transmite ao espectador a angústia e a sensação de desamparo de Anne que, para não ser julgada nem condenada, enfrenta a situação com muita discrição, mesmo quando suas emoções afetam o cotidiano, especialmente a rotina de estudos.
Contrapondo razão e emoção por meio de olhares e gestos, Anamaria Vartolomei surge em cena como uma fortaleza, explorando a dor física em sequências realmente impressionantes que expõem toda a brutalidade de um aborto clandestino e, principalmente, seus riscos. São imagens que causam incômodo ao espectador pelo desamparo imposto à uma mulher que necessitava do auxílio médico que lhe foi negado por lei – na França, o aborto foi descriminalizado em 1975 e, recentemente, o governo estendeu o prazo de interrupção voluntária de 12 para 14 semanas.
Vencedor do Leão de Ouro de melhor filme no Festival de Veneza do ano passado, “O Acontecimento” tem como grande trunfo sua sobriedade, permitindo que o público observe a complexa situação sem a distração de recursos melodramáticos, aqui, desnecessários. Sem fazer nenhum tipo de julgamento à decisão da protagonista nem daqueles que lhes viraram as costas, inclusive o pai da criança, este filme é um dos mais importantes em cartaz por levar a plateia à reflexão, independentemente de religião e ideologia.
4. “Não! Não Olhe!”:
– Título original: “Nope”.
– País: EUA / Canadá / Japão.
– Direção: Jordan Peele.
– Roteiro: Jordan Peele.
– Gênero(s): Terror, mistério e ficção-científica.
– Elenco: Daniel Kaluuya (OJ Haywood), Keke Palmer (Emerald Haywood), Steven Yeun (Ricky ‘Jupe’ Park), Brandon Perea (Angel Torres), Michael Wincott (Antlers Holst), Wrenn Schmidt (Amber Park), Keith David (Otis Haywood Sr.), entre outros.
– Sinopse: Ambientado num cenário típico de faroeste, o filme conta a história de OJ Haywood, jovem que herdou do pai um rancho especializado em treinar cavalos para o cinema e a televisão. Quando uma tragédia acontece com o pai, OJ fica cismado e, meses depois, começa a desconfiar que o local foi escolhido como território de um animal alienígena sedento por sangue, humano ou não. Em meio a isso, precisa negociar com um ex-astro mirim que passou por uma situação traumática durante a gravação de um episódio de sua extinta série e, agora, decide explorar o medo do público em seu parque temático, vizinho ao rancho. Exploração essa desejada também pela irmã de OJ, que deseja filmar o alienígena e enviar o vídeo à Oprah, contando com a ajuda de um técnico de informática.
Em 2017, Jordan Peele se destacou como um diretor estreante que muito tinha a oferecer à indústria cinematográfica graças ao trabalho em “Corra!” (Get Out – 2017, EUA / Japãp), passeando com muita habilidade pelos gêneros do terror e suspense, mas repleto de críticas sociais. Dois anos depois, utilizou fórmula similar em “Nós” (Us – 2019, EUA / China / Japão), novamente se destacando entre os realizadores, firmando-se na elite da Hollywood contemporânea. Agora, Peele chama a atenção por expandir o olhar para outros gêneros, brindando a plateia com uma produção que, de certa forma, celebra o legado de Steven Spielberg, sobretudo “Tubarão” (Jaws – 1975, EUA), “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (Close Encounters of the Third Kind – 1977, EUA / Reino Unido) e “Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros” (Jurassic Park – 1993, EUA), utilizados como fonte de inspiração, segundo o próprio cineasta.
“Não! Não Olhe!” é um deleite para qualquer espectador, especialmente para aqueles que têm conhecimento mais aguçado sobre o cinema clássico, que poderá encontrar elementos de títulos como “King Kong” (King Kong – 1933, EUA) e “O Mágico de Oz” (The Wizard of Oz – 1939, EUA), por exemplo. Neste sentido, Jordan Peele se distancia das críticas de cunho social, mas leva o espectador à reflexão sobre o processo de espetacularização que há tempos domina a indústria do entretenimento. Isso pode ser observado com mais afinco tanto no personagem de Steven Yeun quanto no cameraman do TMZ, site dedicado quase exclusivamente à exploração de situações que fomentam o circo midiático.
Referenciando visualmente “O Iluminado” (The Shinning – 1980, Reino Unido / EUA) e “Sinais” (Signs – 2002, EUA), “Não! Não Olhe!” utiliza o medo do desconhecido, neste caso, de um alienígena, para tecer uma crítica direta à sociedade do espetáculo. E, assim como Steven Spielberg em “Tubarão”, Jordan Peele soube se aproveitar dos elementos que tinha à sua disposição nas locações e sets, trabalhando com maestria o fato de os personagens saberem que a ameaça ronda o céu, mesmo sem saberem quem e qual ponto específico seriam atacados a seguir, mostrando o predador somente quando necessário à narrativa.
– Sinopse: “Olga” conta a história de uma adolescente de 15 anos que sonha com o futuro como ginasta. Mas a perseguição à sua mãe, jornalista investigativa que se opõe a Yanukovych, coloca a vida da menina em risco, levando-a ao exílio na Suíça. No país natal de seu falecido pai, Olga sente a pressão tanto do esporte quanto da distância de seus entes queridos, que seguem ameaçados pelo governo.
Em 2013, a Ucrânia se tornou palco de uma série de manifestações, reprimidas com violência pelo governo do então presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych, que, à época, decidiu não assinar um acordo de cooperação com a União Europeia. Isto acarretou os protestos que levaram milhares de pessoas à Praça Maidan, em Kiev, a capital do país, chamados de EuroMaidan. Também conhecidos como Primavera Ucraniana, os protestos, que levaram à queda do presidente e à eleição de Petro Poroshenko, antes de Vladimir Putin anexar a Crimeia ao território russo em 2014, são mostrados em “Olga”.
Vencedor do SACD Award, da Semana da Crítica do Festival de Cannes 2021, “Olga” se desenvolve de maneira a expor à plateia como a dor emocional se sobrepõe à física, guiando cada atitude de uma jovem que se sente preterida pela mãe que sempre colocou seu trabalho em primeiro lugar. Isto funciona na tela graças à atuação da estreante Anastasiia Budiashkina, que explora com a desenvoltura de uma veterana as variadas emoções da personagem, apresentando-a praticamente como um robô nos treinos e competições, usados por ela como fuga da própria realidade. Ginasta profissional, Budiashkina consegue prender a atenção do espectador mesmo quando transmite a dor de sua personagem somente com o olhar.
Contando com outras atletas de alto nível em seu elenco, como Sabrina Rubtsova, Caterina Barloggio e Thea Brogli, tal qual “Arremessando Alto” (Hustle – 2022, EUA), produção original Netflix dirigida por Jeremiah Zagar, “Olga” é um filme sobre a necessidade de se manter firme para superar as adversidades da vida, mas sem relegar sua essência e origem ao segundo plano. Além disso, não há como negar que, diante da guerra que assola a Ucrânia, este longa também reflete a situação atual por expor a angústia daqueles que precisaram deixar suas casas em decorrência da guerra, inclusive Anastasiia Budiashkina, que precisou ficar num abrigo antiaéreo em Kharkiv antes de deixar seu país pela fronteira com a Polônia.
6. “Belfast”:
– Título original: “Belfast”.
– País: Reino Unido.
– Direção: Kenneth Branagh.
– Roteiro: Kenneth Branagh.
– Gênero(s): Biografia e drama.
– Elenco: Jude Hill (Buddy), Lewis McAskie (Will), Caitriona Balfe (Ma), Jamie Dornan (Pa), Judi Dench (Granny), Ciarán Hinds (Pop), Josie Walker (Tia Violet), Freya Yates (Frances), entre outros.
– Sinopse: Inspirado nas lembranças da infância de seu realizador em Belfast, o longa conta a história de Buddy, menino de nove anos que assiste à eclosão da violência causada pelo conflito entre protestantes e católicos, chamado de “The Troubles”, no final dos anos de 1960. Tentando compreender os acontecimentos ao seu redor, Buddy é confrontado pela iminente separação de sua família, pois a fuga para um lugar mais seguro se torna inevitável.
Projeto pessoal de Kenneth Branagh, “Belfast” acabou se destacando como um dos títulos mais emocionantes lançados no circuito comercial brasileiro este ano não apenas por suas qualidades, mas, também, pela invasão da Ucrânia pela Rússia, levando à separação de inúmeras famílias, impondo sofrimento e dor à população.
De proporções infinitamente inferiores em comparação à barbárie que devasta a Ucrânia desde março, o conflito entre protestantes e católicos, também chamado de “The Troubles”, levou caos e medo a Belfast (Irlanda do Norte), separando incontáveis famílias, pois muitas foram obrigadas a deixar tudo para trás em prol da segurança e/ou sobrevivência, principalmente no final dos anos 1960.
Esteticamente belo, “Belfast” tem como trunfo a comunhão do elenco, especialmente do trio formado por Jude Hill, Judi Dench e Ciarán Hinds. Os atores conseguem exprimir com naturalidade sentimentos distintos, muitas vezes, apenas pelo olhar. E isso agrega enorme valor ao longa, que se desenvolve de maneira a levar o espectador à reflexão. Afinal, até que ponto divergências políticas e/ou religiosas podem afetar laços afetivos, separando familiares e amigos, seja por opção ou por conta das circunstâncias?
7. “Licorice Pizza”:
– Título original: “Licorice Pizza”.
– País: EUA / Canadá.
– Direção: Paul Thomas Anderson.
– Roteiro: Paul Thomas Anderson.
– Gênero(s): Comédia, drama e romance.
– Elenco: Alana Haim (Alana), Cooper Hoffman (Gary), Bradley Cooper (Jon Peters), Sean Penn (Jack Holden), Tom Waits (Rex Blau), Will Angarola (Kirk), Griff Giacchino (Mark), James Kelley (Tim), entre outros.
– Sinopse: O longa conta a história de Gary, adolescente que se apaixona por uma jovem na casa dos 20 anos. O relacionamento da dupla é construído em meio à tensão política que assombrava os Estados Unidos no início dos anos de 1970.
Marcando a estreia de Cooper Hoffman, filho de Philip Seymour Hoffman, como ator, “Licorice Pizza” chegou aos cinemas brasileiros proporcionando uma experiência divertida e nostálgica ao espectador.
Utilizando o humor para contar a história de um adolescente que se apaixona por uma jovem na casa dos 20 anos, “Licorice Pizza” é um coming-of-age movie, ambientado na década de 1970, dirigido com destreza por Paul Thomas Anderson, que consegue extrair boas atuações de todo o elenco, especialmente de Cooper Hoffman, remetendo, invariavelmente, à sua antiga parceria com Philip Seymour Hoffman, e Alana Haim, membro da banda pop Haim. A dupla consegue trabalhar as inseguranças de seus respectivos personagens, mostrando as dificuldades e os sonhos de jovens que tentam entender o mundo no qual estão inseridos para, então, encontrarem o seu lugar.
Com uma reconstrução de época que impressiona pelos detalhes, “Licorice Pizza” é mais que um filme sobre a paixão de um adolescente por uma mulher mais velha. É uma produção cuja trama possui várias camadas, apresentadas gradualmente ao espectador, encontrando espaço suficiente para abordar questões políticas, uma vez que os anos 1970 foram extremamente turbulentos para os Estados Unidos, que, dentre tantas outras coisas, enfrentava protestos contra a Guerra do Vietnã.
8. “A Felicidade das Pequenas Coisas”:
– Título original: “Lunana: A Yak in the Classroom”.
– Sinopse: O filme conta a história de Ugyen, jovem que vive com a avó e assinou contrato com o governo para lecionar por cinco anos, mas no quarto ano, cansado de exercer a função para a qual não tem nenhuma vocação nem entusiasmo, é enviado para a escola mais isolada do planeta, na pequena aldeia de Lunana. No local, nutrindo o sonho de emigrar para a Austrália e seguir carreira musical, Ugyen começa a repensar seus valores por meio da aprendizagem proporcionada pela convivência com os habitantes da aldeia, especialmente com as crianças.
Primeira produção do Butão a concorrer ao Oscar de melhor filme internacional, “A Felicidade das Pequenas Coisas” explora sentimentos variados do protagonista, que chega à aldeia não por vontade própria, mas por obrigação, manifestando seu desejo de sair dali o quanto antes. Contrapondo cidade grande e campo, o longa se desenvolve de maneira a mostrar a transformação do protagonista, inicialmente apresentado como um jovem egoísta e insensível, num homem maduro graças ao acolhimento de pessoas que vivem em situação bastante precária e não sabem nem o que são escova e pasta de dentes, por exemplo. E, mesmo no contexto de pobreza extrema, são indivíduos espirituosos, gentis e, ao contrário de muitos nos grandes centros urbanos, reconhecem o valor de um professor, respeitando-o – “um professor transforma o mundo”, diz um dos alunos que deseja lecionar quando crescer.
Com uma fotografia que serve tanto para transmitir a sensação de opressão da cidade quanto para contemplar a natureza que rodeia a remota aldeia, “A Felicidade das Pequenas Coisas” se encaixa no conceito de feel-good movie em determinados momentos, sobretudo naqueles em que mostra a felicidade dos habitantes de Lunana apesar dos poucos recursos disponíveis. Com isso, transmite a mensagem que nem sempre a concretização do antigo sonho é aquilo que o indivíduo realmente necessita.
Vencedor de 20 prêmios, inclusive o da audiência concedido pelo Palm Springs International Film Festival, o drama butanês divide a opinião da plateia, pois, para apreciá-lo em sua plenitude, é imprescindível que o espectador embarque na jornada de amadurecimento e autoconhecimento de Ugyen, impulsionada pelo carisma de seus alunos, especialmente de Pem Zam.
9. “Eduardo e Mônica”:
– Título original: “Eduardo e Mônica”.
– País: Brasil.
– Direção: René Sampaio.
– Roteiro: Claudia Souto, Jessica Candal e Matheus Souza.
– Gênero(s): Drama e romance.
– Elenco: Alice Braga (Mônica), Gabriel Leone (Eduardo), Otávio Augusto (Seu Bira), Fabrício Boliveira (João de Santo Cristo), Juliana Carneiro da Cunha (Lara), Eli Ferreira (Tina), Victor Lamoglia (Inácio), Ivan Mendes (Felipe), entre outros.
– Sinopse: Adaptação cinematográfica da canção homônima da Legião Urbana, o filme conta a história de um casal que precisa lidar com as diferenças, principalmente de idade, para fazer o relacionamento funcionar.
Segunda adaptação para a tela grande de René Sampaio para uma canção da Legião Urbana, “Eduardo e Mônica” é a prova de que o cinema brasileiro pode ser bem-sucedido fora dos filões das comédias apelativas e de títulos violentos.
Esmiuçando a letra do sucesso da Legião Urbana com maestria, Sampaio levou às telas uma espécie de prequel do romance entre Eduardo e Mônica, mostrando que muita coisa, boa e ruim, aconteceu ao casal protagonista antes de o filhinho ficar de recuperação. Assim, o espectador é conduzido por uma viagem nostálgica à Brasília dos anos 1980, quando jovens com pouco em comum tiveram de lidar com as diferenças em prol de um amor que tinha a questão da idade como principal barreira.
Equilibrando drama e romance com doses exatas de humor, “Eduardo e Mônica” chama a atenção tanto pela técnica quanto pelo roteiro, desenvolvido com esmero para construir uma trama crível capaz de manter o ritmo narrativo, mesmo quando questões políticas e familiares surgem como novos obstáculos a serem superados pelo casal. E isso ganha força graças às atuações Alice Braga e Gabriel Leone, que defenderam seus personagens como vigor e emoção, tornando a história crível e, principalmente, respeitando a essência da canção de autoria de Renato Russo, lançada no álbum “Dois” (1986) da Legião Urbana.
10. “A Conferência”:
– Título original: “Die Wannseekonferenz”.
– País: Alemanha.
– Direção: Matti Geschonneck.
– Roteiro: Magnus Vattrodt e Paul Mommertz.
– Gênero(s): Drama, história e guerra.
– Elenco: Philipp Hochmair (Reinhard Heydrich), Johannes Allmayer (Adolf Eichmann), Maximilian Brückner (Dr. Eberhard Schöngarth), Matthias Bundschuh (Erich Neumann), Fabian Busch (Dr. Gerhard Klopfer), Jakob Diehl (Heinrich Müller), entre outros.
– Sinopse: Baseado na ata confidencial da chamada Conferência de Wannsee, um dos principais documentos do Holocausto, organizada por Adolf Eichmann, o filme apresenta estrutura narrativa simples para focar exclusivamente na institucionalização da barbárie, feita de forma fria e calculista por homens que integravam o mais alto escalão do governo nazista, dentre eles, Reinhard Heydrich, subordinado direto de Heinrich Himmler, chefe da SS.
Guiado pela ata, encontrada depois da guerra, o roteiro de “A Conferência” se desenvolve de forma linear, tentando reproduzir a reunião internamente chamada de Conferência dos Secretários Adjuntos para a “Solução Final para a Questão Judaica”, realizada em 20 de janeiro de 1942 num imponente palacete à beira do Lago Wannsee, em Berlim. Na verdade, o encontro tinha como objetivo não criar a “Solução Final”, mas expandi-la e transformar o extermínio de 11 milhões de judeus, o número estimado pela conferência, em ato administrativo – à época, o assassinato em massa de judeus já era uma realidade, inclusive em campos de concentração.
Com cenas externas rodadas no palacete que hoje é um memorial e centro educacional, “A Conferência” é um filme incômodo por expor a crueldade de homens em busca da manutenção do poder em suas próprias mãos, bem como de ascensão no Terceiro Reich, não medindo esforços para alcançar seus objetivos, unificando guerra e luta racial por meio do ódio. Homens que se referiam a seres humanos como “resíduo acumulado”, inclusive mulheres e crianças.
Tecnicamente simplório, “A Conferência” é uma produção que se torna urgente no cenário mundial cada vez mais conturbado, para que as novas gerações possam conhecer o passado para não o repetir. E em meio ao choque imposto pelas discussões na Conferência de Wannsee, um ponto também chama a atenção neste longa: a ausência de trilha sonora. Esta opção do diretor Matti Geschonneck foi tomada para não influenciar o impacto do conteúdo sobre a plateia nem permitir que a barbárie seja romanceada de alguma maneira. Sem dúvida, um dos filmes mais impactantes e importantes do circuito exibidor em 2022.