Há anos sacudida por polêmicas de todos os tipos, a indústria hollywoodiana conseguiu se reerguer do terremoto que abalou suas estruturas em 2017, mas ainda enfrenta algumas consequências dele e de outros eventos que a colocaram em situação bastante delicada. Neste contexto, a capital do cinema fez o possível para fugir de polêmicas dos mais […]
POR Ana Carolina Garcia20/12/2019|13 min de leitura
Há anos sacudida por polêmicas de todos os tipos, a indústria hollywoodiana conseguiu se reerguer do terremoto que abalou suas estruturas em 2017, mas ainda enfrenta algumas consequências dele e de outros eventos que a colocaram em situação bastante delicada. Neste contexto, a capital do cinema fez o possível para fugir de polêmicas dos mais variados tipos, mas não conseguiu evitá-las.
Uma das mais tradicionais instituições de Hollywood, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) começou 2019 enfrentando abalos secundários de decisões que a colocaram no epicentro de polêmicas nos anos anteriores. Em agosto de 2018, a Academia anunciou a criação de uma nova categoria, melhor filme popular, e que algumas estatuetas seriam entregues nos intervalos da transmissão da cerimônia. Estas duas medidas tinham por objetivo aumentar os índices de audiência, pois poderiam atrair a fatia mais jovem do público, que consome, prioritariamente, produções consideradas comerciais, isto é, blockbusters, e não tem paciência para assistir à entrega da estatueta dourada, uma vez que a cerimônia é bem longa e, por vezes, de ritmo lento. Isto gerou uma enxurrada de críticas, obrigando a AMPAS a voltar atrás, adiando por tempo indeterminado a criação do Oscar de filme popular e mantendo a apresentação de todos os prêmios durante a transmissão.
No entanto, a Academia teve de lidar com críticas ainda mais duras após a 91a cerimônia do Oscar, realizada em 24 de fevereiro deste ano, devido à vitória de “Green Book: O Guia” (Green Book – 2018) sobre “Infiltrado na Klan” (BlacKkKlansman – 2018), reacendendo a controvérsia do Oscar 2016, chamado de “#OscarSoWhite”, que iniciou uma campanha por diversidade e representatividade tanto no quadro de membros quanto na lista de indicados ao Oscar. Dirigido por Peter Farrelly, “Green Book: O Guia” é uma produção baseada em fatos reais que suprime a violência gráfica em prol da mensagem de transformação do indivíduo para quebrar a barreira do preconceito por meio da amizade, do amor e da coragem, focando mais no protagonista branco do que no coadjuvante negro, interpretados, respectivamente, por Viggo Mortensen e Mahershala Ali, que venceu a estatueta de melhor ator coadjuvante. Também inspirado numa história real, “Infiltrado na Klan”, de Spike Lee, era um dos títulos mais impactantes da corrida pelo Golden Boy, mas nunca foi apontado como favorito ao prêmio principal, não apenas por ter perdido importantes termômetros do Oscar, SAG Awards, Globo de Ouro e PGA Awards, mas também pelo fato de que o favorito da temporada era “Roma” (Idem – 2018), que também perdeu os termômetros citados.
Produção original Netflix, “Roma” ferveu a discussão sobre títulos de streaming concorrerem em pé de igualdade com os produzidos por estúdios tradicionais. Logo após o Oscar, Steven Spielberg subiu o tom da discussão e propôs regras de elegibilidade mais rígidas, sendo a principal delas a de que o filme fique pelo menos quatro semanas em cartaz no circuito comercial. Membro do conselho diretor da instituição, o cineasta alega que a experiência cinematográfica proporcionada pela sala de exibição tem de ser preservada, reiterando o que havia dito ao receber o Filmmaker Award, prêmio especial concedido pela Cinema Audio Society, poucos dias antes do Oscar 2019: “Espero que todos nós continuemos a acreditar que a nossa maior contribuição como cineastas é dar ao público a experiência cinematográfica da sala de exibição. Acredito definitivamente que os cinemas precisam existir para sempre”. Apesar da pressão, a Academia manteve a regra de que cada filme precisa ficar em cartaz por pelo menos sete dias em Los Angeles, com três sessões diárias cujos ingressos têm de ser comercializados, podendo estrear simultaneamente em plataformas digitais, algo que incomodou executivos de estúdios e redes de cinema por causa do acordo existente entre eles de que o lançamento no streaming só poderá ocorrer de 72 a 90 dias depois da estreia nas salas.
No entanto, a decisão anunciada pela Academia após a reunião do Conselho, realizada em abril deste ano, não diminuiu a discussão, pois, de acordo com a imprensa americana, muitos profissionais reclamam da falta de divulgação de dados da Netflix em termos de audiência e, obviamente, de lucro. Além disso, ainda segundo a imprensa americana à época da reunião, a companhia não paga as mesmas taxas e impostos que os estúdios, o que acaba incomodando os executivos de cinema, sobretudo após a adesão da gigante do streaming à Motion Picture Association of America (MPAA), que pressiona para que todos sigam as mesmas regras, inclusive no que tange à transparência dos números. Neste ponto, uma ressalva se faz necessária: o dinheiro economizado com impostos pode ser utilizado não apenas em outras produções, mas em campanhas como a do Oscar, conforme visto em “Roma”, que custou cerca de US$ 15 milhões e gastou de US$ 25 milhões a US$ 30 milhões na campanha pelo Oscar, segundo o The New York Times.
Negociando a compra de salas de exibição em Los Angeles e Nova York, a Netflix, dentre todas as plataformas de streaming, é vista como a principal ameaça ao modelo tradicional de cinema, sobretudo por impactar no lucro das bilheterias ao redor do globo. Apesar disso, a indústria hollywoodiana viu “Avatar” (Idem – 2009), de James Cameron, perder o reinado de 10 anos para “Vingadores: Ultimato” (Avengers: Endgame – 2019), dos irmãos Anthony e Joe Russo. Produzido pela Marvel em parceria com a Disney, que lançou em alguns países o Disney +, plataforma digital que promete fazer frente à Netflix, “Vingadores: Ultimato” faturou US$ 2,797 bilhões em todo o mundo, garantindo o título de maior bilheteria da História.
Terminando o ano como o estúdio mais lucrativo, somando mais de US$ 10 bilhões em bilheterias, a Disney também se envolveu em polêmicas por causa da compra da Fox, aprovada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos em 2018, englobando estúdios de cinema e televisão da Fox, além de canais por assinatura, como National Geographic e FX Networks, e de 30% da plataforma digital Hulu. A controvérsia gira em torno da expansão do império Disney e das ondas de demissões tanto na Casa do Mickey quanto na Fox.
A Disney também se viu no olho do furacão ao anunciar o fim do acordo com a Sony para que Peter Parker / Homem-Aranha continuasse no Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), que sentiria o impacto do “divórcio” em seus próximos filmes. Anunciado no final de agosto, o término do acordo causou imenso burburinho, dentro e fora de Hollywood, porque o personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko há 57 anos ganhou frescor no UCM, sob o comando de Kevin Feige, que o transformou numa espécie de discípulo de Tony Stark / Homem de Ferro (Robert Downey Jr.). É fato inegável que o Cabeça de Teia viveu seus momentos de glória na tela grande em títulos produzidos em parceria com a Disney / Marvel, algo que também é atribuído ao carisma de seu atual intérprete, Tom Holland, britânico que conquistou a indústria como um dos nomes mais talentosos e competentes de sua geração.
Pouco mais de um mês depois, a Disney e a Sony, detentora dos direitos do personagem, anunciaram um novo acordo que, segundo o The Hollywood Reporter, prevê a produção de um filme solo do personagem, chamado temporariamente de “Homem-Aranha 3” (Spider-Man 3 – 2021), e a participação em outro longa-metragem do UCM. Neste cenário, a Disney / Marvel será a responsável por 25 % do orçamento da terceira aventura do Cabeça de Teia, e receberá 25 % dos lucros. Além disso, a Casa do Mickey também ficará responsável pelo merchandising. Protagonizado por Holland, o longa tem lançamento agendado para 16 de julho de 2021.
A polêmica em torno do universo dos super-heróis, tanto da Marvel quanto da concorrente DC, ganhou um novo elemento: a crítica de Martin Scorsese que, sem citar nenhuma das companhias, comparou filmes deste filão a parques temáticos. À época divulgando “O Irlandês” (The Irishman – 2019), maior aposta da Netflix para o Oscar 2020, Scorsese foi apoiado por alguns profissionais, como o amigo de longa data Francis Ford Coppola, que chamou as produções do UCM de “desprezíveis” ao receber uma homenagem concedida pelo Festival Lumière, em Lyon, França. As críticas de dois dos cineastas mais renomados do cinema mundial ocasionaram reações de fãs e de profissionais da indústria, entre eles, nomes que integram o UCM, como o ator Sebastian Stan (Bucky Barnes / Soldado Invernal), os cineastas Joe Russo, Anthony Russo e James Gunn e, claro, do presidente da Marvel, Kevin Feige.
“Fizemos ‘(Capitão América) Guerra Civil’. Tivemos nossos dois personagens mais populares em uma briga teológica e física muito séria. Matamos metade de nossos personagens no final de ‘Vingadores: Guerra Infinita’. Acho divertido pegar nosso sucesso e usá-lo para correr riscos e ir a lugares diferentes”, afirmou Feige em entrevista ao podcast Awards Chatter em 10 de novembro. “Todo mundo tem uma definição diferente de cinema. Todo mundo tem uma definição diferente de arte. Todo mundo tem uma definição diferente de risco. Algumas pessoas não acham que é cinema. Todo mundo tem direito à sua opinião. Todo mundo tem o direito de repetir essa opinião. Todos têm o direito de escrever artigos sobre essa opinião, e estou ansioso pelo que acontecerá a seguir. Mas, por enquanto, continuaremos fazendo filmes”, complementou o executivo, respondendo ao artigo de Scorsese, “I Said Marvel Movies Aren’t Cinema. Let Me Explain” (Eu disse que os filmes da Marvel não são cinema. Me Deixe explicar”, numa tradução livre), publicado no The New York Times em 04 de novembro do mesmo mês. No texto, Scorsese diz, entre outras coisas, que este filão não contém mistério ou emoção. “Infelizmente, a situação é que agora temos dois campos separados: há entretenimento audiovisual mundial e cinema. Eles ainda se sobrepõem de tempos em tempos, mas isso está se tornando cada vez mais raro”, afirma o cineasta.
Enquanto mestres do cinema criticam filmes de super-heróis, o gênero atinge um nível impressionante de seriedade com “Coringa” (Joker – 2019), de Todd Phillips. Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza deste ano, o longa se tornou o primeiro título para maiores a arrecadar mais de US$ 1 bilhão, de acordo com o Box Office Mojo. Apesar de ser um sucesso de público e crítica, o filme causou controvérsia por ter sido considerado irresponsável por alguns, pois leva às telas uma trama violenta sobre doença mental, bullying e desigualdade social.
Apesar das inúmeras polêmicas, Hollywood manteve suas engrenagens funcionando a pleno vapor, inclusive seguindo a tendência dos anos anteriores de tentar lucrar com sucessos de outrora por meio de remakes, reboots e continuações – alguns deram certo, outros não. Nesta volta ao passado, os estúdios brincaram com a memória afetiva do espectador de todas as formas possíveis, principalmente a Disney com novas versões de clássicos animados – “Dumbo” (Idem – 2019), de Tim Burton, “Aladdin” (Idem – 2019), de Guy Ritchie, e “O Rei Leão” (The Lion King – 2019), de Jon Favreau. Neste contexto, é válido lembrar que dois astros do cinema de ação revisitaram personagens icônicos de suas carreiras: Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger. Stallone invadiu as salas de exibição como Rocky Balboa em “Credd II” (Idem – 2019), de Steven Caple Jr., e John Rambo em “Rambo: Até o Fim” (Rambo: Last Blood – 2019), de Adrian Grunberg; enquanto o ex-governador da Califórnia voltou a interpretar o T-800 em “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” (Terminator: Dark Fate – 2019), de Tim Miller, um dos fracassos de bilheteria deste ano.
O ano de 2019 não foi fácil para a indústria hollywoodiana, que ainda precisa acertar alguns ponteiros. No entanto, os estúdios estão se abrindo gradativamente às novas demandas do público, inclusive no que tange à inclusão, diversidade e representatividade. E isto abre um leque de possibilidades para o futuro, enriquecendo a produção.
Há anos sacudida por polêmicas de todos os tipos, a indústria hollywoodiana conseguiu se reerguer do terremoto que abalou suas estruturas em 2017, mas ainda enfrenta algumas consequências dele e de outros eventos que a colocaram em situação bastante delicada. Neste contexto, a capital do cinema fez o possível para fugir de polêmicas dos mais variados tipos, mas não conseguiu evitá-las.
Uma das mais tradicionais instituições de Hollywood, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) começou 2019 enfrentando abalos secundários de decisões que a colocaram no epicentro de polêmicas nos anos anteriores. Em agosto de 2018, a Academia anunciou a criação de uma nova categoria, melhor filme popular, e que algumas estatuetas seriam entregues nos intervalos da transmissão da cerimônia. Estas duas medidas tinham por objetivo aumentar os índices de audiência, pois poderiam atrair a fatia mais jovem do público, que consome, prioritariamente, produções consideradas comerciais, isto é, blockbusters, e não tem paciência para assistir à entrega da estatueta dourada, uma vez que a cerimônia é bem longa e, por vezes, de ritmo lento. Isto gerou uma enxurrada de críticas, obrigando a AMPAS a voltar atrás, adiando por tempo indeterminado a criação do Oscar de filme popular e mantendo a apresentação de todos os prêmios durante a transmissão.
No entanto, a Academia teve de lidar com críticas ainda mais duras após a 91a cerimônia do Oscar, realizada em 24 de fevereiro deste ano, devido à vitória de “Green Book: O Guia” (Green Book – 2018) sobre “Infiltrado na Klan” (BlacKkKlansman – 2018), reacendendo a controvérsia do Oscar 2016, chamado de “#OscarSoWhite”, que iniciou uma campanha por diversidade e representatividade tanto no quadro de membros quanto na lista de indicados ao Oscar. Dirigido por Peter Farrelly, “Green Book: O Guia” é uma produção baseada em fatos reais que suprime a violência gráfica em prol da mensagem de transformação do indivíduo para quebrar a barreira do preconceito por meio da amizade, do amor e da coragem, focando mais no protagonista branco do que no coadjuvante negro, interpretados, respectivamente, por Viggo Mortensen e Mahershala Ali, que venceu a estatueta de melhor ator coadjuvante. Também inspirado numa história real, “Infiltrado na Klan”, de Spike Lee, era um dos títulos mais impactantes da corrida pelo Golden Boy, mas nunca foi apontado como favorito ao prêmio principal, não apenas por ter perdido importantes termômetros do Oscar, SAG Awards, Globo de Ouro e PGA Awards, mas também pelo fato de que o favorito da temporada era “Roma” (Idem – 2018), que também perdeu os termômetros citados.
Produção original Netflix, “Roma” ferveu a discussão sobre títulos de streaming concorrerem em pé de igualdade com os produzidos por estúdios tradicionais. Logo após o Oscar, Steven Spielberg subiu o tom da discussão e propôs regras de elegibilidade mais rígidas, sendo a principal delas a de que o filme fique pelo menos quatro semanas em cartaz no circuito comercial. Membro do conselho diretor da instituição, o cineasta alega que a experiência cinematográfica proporcionada pela sala de exibição tem de ser preservada, reiterando o que havia dito ao receber o Filmmaker Award, prêmio especial concedido pela Cinema Audio Society, poucos dias antes do Oscar 2019: “Espero que todos nós continuemos a acreditar que a nossa maior contribuição como cineastas é dar ao público a experiência cinematográfica da sala de exibição. Acredito definitivamente que os cinemas precisam existir para sempre”. Apesar da pressão, a Academia manteve a regra de que cada filme precisa ficar em cartaz por pelo menos sete dias em Los Angeles, com três sessões diárias cujos ingressos têm de ser comercializados, podendo estrear simultaneamente em plataformas digitais, algo que incomodou executivos de estúdios e redes de cinema por causa do acordo existente entre eles de que o lançamento no streaming só poderá ocorrer de 72 a 90 dias depois da estreia nas salas.
No entanto, a decisão anunciada pela Academia após a reunião do Conselho, realizada em abril deste ano, não diminuiu a discussão, pois, de acordo com a imprensa americana, muitos profissionais reclamam da falta de divulgação de dados da Netflix em termos de audiência e, obviamente, de lucro. Além disso, ainda segundo a imprensa americana à época da reunião, a companhia não paga as mesmas taxas e impostos que os estúdios, o que acaba incomodando os executivos de cinema, sobretudo após a adesão da gigante do streaming à Motion Picture Association of America (MPAA), que pressiona para que todos sigam as mesmas regras, inclusive no que tange à transparência dos números. Neste ponto, uma ressalva se faz necessária: o dinheiro economizado com impostos pode ser utilizado não apenas em outras produções, mas em campanhas como a do Oscar, conforme visto em “Roma”, que custou cerca de US$ 15 milhões e gastou de US$ 25 milhões a US$ 30 milhões na campanha pelo Oscar, segundo o The New York Times.
Negociando a compra de salas de exibição em Los Angeles e Nova York, a Netflix, dentre todas as plataformas de streaming, é vista como a principal ameaça ao modelo tradicional de cinema, sobretudo por impactar no lucro das bilheterias ao redor do globo. Apesar disso, a indústria hollywoodiana viu “Avatar” (Idem – 2009), de James Cameron, perder o reinado de 10 anos para “Vingadores: Ultimato” (Avengers: Endgame – 2019), dos irmãos Anthony e Joe Russo. Produzido pela Marvel em parceria com a Disney, que lançou em alguns países o Disney +, plataforma digital que promete fazer frente à Netflix, “Vingadores: Ultimato” faturou US$ 2,797 bilhões em todo o mundo, garantindo o título de maior bilheteria da História.
Terminando o ano como o estúdio mais lucrativo, somando mais de US$ 10 bilhões em bilheterias, a Disney também se envolveu em polêmicas por causa da compra da Fox, aprovada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos em 2018, englobando estúdios de cinema e televisão da Fox, além de canais por assinatura, como National Geographic e FX Networks, e de 30% da plataforma digital Hulu. A controvérsia gira em torno da expansão do império Disney e das ondas de demissões tanto na Casa do Mickey quanto na Fox.
A Disney também se viu no olho do furacão ao anunciar o fim do acordo com a Sony para que Peter Parker / Homem-Aranha continuasse no Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), que sentiria o impacto do “divórcio” em seus próximos filmes. Anunciado no final de agosto, o término do acordo causou imenso burburinho, dentro e fora de Hollywood, porque o personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko há 57 anos ganhou frescor no UCM, sob o comando de Kevin Feige, que o transformou numa espécie de discípulo de Tony Stark / Homem de Ferro (Robert Downey Jr.). É fato inegável que o Cabeça de Teia viveu seus momentos de glória na tela grande em títulos produzidos em parceria com a Disney / Marvel, algo que também é atribuído ao carisma de seu atual intérprete, Tom Holland, britânico que conquistou a indústria como um dos nomes mais talentosos e competentes de sua geração.
Pouco mais de um mês depois, a Disney e a Sony, detentora dos direitos do personagem, anunciaram um novo acordo que, segundo o The Hollywood Reporter, prevê a produção de um filme solo do personagem, chamado temporariamente de “Homem-Aranha 3” (Spider-Man 3 – 2021), e a participação em outro longa-metragem do UCM. Neste cenário, a Disney / Marvel será a responsável por 25 % do orçamento da terceira aventura do Cabeça de Teia, e receberá 25 % dos lucros. Além disso, a Casa do Mickey também ficará responsável pelo merchandising. Protagonizado por Holland, o longa tem lançamento agendado para 16 de julho de 2021.
A polêmica em torno do universo dos super-heróis, tanto da Marvel quanto da concorrente DC, ganhou um novo elemento: a crítica de Martin Scorsese que, sem citar nenhuma das companhias, comparou filmes deste filão a parques temáticos. À época divulgando “O Irlandês” (The Irishman – 2019), maior aposta da Netflix para o Oscar 2020, Scorsese foi apoiado por alguns profissionais, como o amigo de longa data Francis Ford Coppola, que chamou as produções do UCM de “desprezíveis” ao receber uma homenagem concedida pelo Festival Lumière, em Lyon, França. As críticas de dois dos cineastas mais renomados do cinema mundial ocasionaram reações de fãs e de profissionais da indústria, entre eles, nomes que integram o UCM, como o ator Sebastian Stan (Bucky Barnes / Soldado Invernal), os cineastas Joe Russo, Anthony Russo e James Gunn e, claro, do presidente da Marvel, Kevin Feige.
“Fizemos ‘(Capitão América) Guerra Civil’. Tivemos nossos dois personagens mais populares em uma briga teológica e física muito séria. Matamos metade de nossos personagens no final de ‘Vingadores: Guerra Infinita’. Acho divertido pegar nosso sucesso e usá-lo para correr riscos e ir a lugares diferentes”, afirmou Feige em entrevista ao podcast Awards Chatter em 10 de novembro. “Todo mundo tem uma definição diferente de cinema. Todo mundo tem uma definição diferente de arte. Todo mundo tem uma definição diferente de risco. Algumas pessoas não acham que é cinema. Todo mundo tem direito à sua opinião. Todo mundo tem o direito de repetir essa opinião. Todos têm o direito de escrever artigos sobre essa opinião, e estou ansioso pelo que acontecerá a seguir. Mas, por enquanto, continuaremos fazendo filmes”, complementou o executivo, respondendo ao artigo de Scorsese, “I Said Marvel Movies Aren’t Cinema. Let Me Explain” (Eu disse que os filmes da Marvel não são cinema. Me Deixe explicar”, numa tradução livre), publicado no The New York Times em 04 de novembro do mesmo mês. No texto, Scorsese diz, entre outras coisas, que este filão não contém mistério ou emoção. “Infelizmente, a situação é que agora temos dois campos separados: há entretenimento audiovisual mundial e cinema. Eles ainda se sobrepõem de tempos em tempos, mas isso está se tornando cada vez mais raro”, afirma o cineasta.
Enquanto mestres do cinema criticam filmes de super-heróis, o gênero atinge um nível impressionante de seriedade com “Coringa” (Joker – 2019), de Todd Phillips. Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza deste ano, o longa se tornou o primeiro título para maiores a arrecadar mais de US$ 1 bilhão, de acordo com o Box Office Mojo. Apesar de ser um sucesso de público e crítica, o filme causou controvérsia por ter sido considerado irresponsável por alguns, pois leva às telas uma trama violenta sobre doença mental, bullying e desigualdade social.
Apesar das inúmeras polêmicas, Hollywood manteve suas engrenagens funcionando a pleno vapor, inclusive seguindo a tendência dos anos anteriores de tentar lucrar com sucessos de outrora por meio de remakes, reboots e continuações – alguns deram certo, outros não. Nesta volta ao passado, os estúdios brincaram com a memória afetiva do espectador de todas as formas possíveis, principalmente a Disney com novas versões de clássicos animados – “Dumbo” (Idem – 2019), de Tim Burton, “Aladdin” (Idem – 2019), de Guy Ritchie, e “O Rei Leão” (The Lion King – 2019), de Jon Favreau. Neste contexto, é válido lembrar que dois astros do cinema de ação revisitaram personagens icônicos de suas carreiras: Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger. Stallone invadiu as salas de exibição como Rocky Balboa em “Credd II” (Idem – 2019), de Steven Caple Jr., e John Rambo em “Rambo: Até o Fim” (Rambo: Last Blood – 2019), de Adrian Grunberg; enquanto o ex-governador da Califórnia voltou a interpretar o T-800 em “O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio” (Terminator: Dark Fate – 2019), de Tim Miller, um dos fracassos de bilheteria deste ano.
O ano de 2019 não foi fácil para a indústria hollywoodiana, que ainda precisa acertar alguns ponteiros. No entanto, os estúdios estão se abrindo gradativamente às novas demandas do público, inclusive no que tange à inclusão, diversidade e representatividade. E isto abre um leque de possibilidades para o futuro, enriquecendo a produção.