Membro do conselho diretor da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS), Steven Spielberg quer propor regras mais rígidas à instituição para tornar inelegíveis ao Oscar filmes produzidos diretamente para plataformas de streaming como a Netflix. As propostas do cineasta serão apresentadas na próxima reunião […]
POR Ana Carolina Garcia06/03/2019|7 min de leitura
Membro do conselho diretor da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS), Steven Spielberg quer propor regras mais rígidas à instituição para tornar inelegíveis ao Oscar filmes produzidos diretamente para plataformas de streaming como a Netflix. As propostas do cineasta serão apresentadas na próxima reunião do conselho, que deverá acontecer em abril.
Segundo o The Hollywood Reporter, Steven Spielberg deseja que todos os títulos sigam a mesma regra para que se tornem elegíveis ao prêmio da Academia: a de ficar pelo menos quatro semanas em cartaz em salas de exibição. O que há por trás desta defesa do cineasta não é uma perseguição à Netflix, mas a preservação do cinema enquanto experiência proporcionada pela telona. “Espero que todos nós continuemos a acreditar que a nossa maior contribuição como cineastas é dar ao público a experiência cinematográfica da sala de exibição. Acredito definitivamente que os cinemas precisam existir para sempre”, disse o cineasta ao receber o Filmmaker Award, prêmio especial concedido pela Cinema Audio Society, poucos dias antes do Oscar 2019.
A posição de Spielberg fortalece ainda mais a corrente de votantes da AMPAS que coloca tais títulos no mesmo balaio que os produzidos para a televisão, que têm espaço garantido em categorias específicas de diversas premiações, dentre elas, o Emmy e o Globo de Ouro. Ou seja, há a defesa de que o Oscar tem de celebrar somente o cinema feito para a tela grande da sala de exibição, algo que ficou claro na última edição do prêmio, realizada em 24 de fevereiro, que coroou “Green Book – O Guia” (Green Book – 2018) melhor filme em detrimento de “Roma” (Idem – 2018), produção original Netflix que apesar de ter vencido três estatuetas (direção, fotografia e filme estrangeiro) não conseguiu a principal.
Para tentar amenizar a polêmica e alcançar o objetivo de sair do Dolby Theatre com estatuetas douradas, a Netflix exibiu “Roma” em algumas salas, distribuindo ingressos gratuitos em parte delas, inserindo-o em seu catálogo online quase que simultaneamente. Isto levanta outra questão que envolve ainda as redes de cinema que têm um acordo com os estúdios, que só podem disponibilizar seus títulos nas plataformas digitais 90 dias após o lançamento nas salas de exibição.
Outro fator que leva Steven Spielberg a se posicionar contra produções originais de plataformas de streaming receberem o mesmo tratamento concedido aos títulos de estúdios tradicionais é a falta de divulgação de dados da Netflix em termos de audiência e, obviamente, de lucro. Além disso, ainda segundo a imprensa americana, a companhia não paga as mesmas taxas e impostos que os estúdios, o que acaba incomodando os executivos de cinema, sobretudo após a adesão da empresa à Motion Picture Association of America (MPAA), que pressiona para que todos sigam as mesmas regras, inclusive no que tange à transparência dos números. Neste ponto, uma ressalva se faz necessária: o dinheiro economizado com impostos pode ser utilizado não apenas em outras produções, mas em campanhas como a do Oscar.
De acordo com o New York Times, a Netflix gastou de US$ 25 milhões a US$ 30 milhões na campanha do filme de Alfonso Cuarón rumo ao Oscar – “Roma” tem orçamento estimado em US$ 15 milhões. A agressividade da campanha remete aos tempos em que Harvey Weinstein dominava os bastidores do prêmio mais cobiçado do cinema com ações publicitárias que beiravam a megalomania, mas que renderam frutos consideráveis à Miramax na década de 1990, como as sete estatuetas de “Shakespeare Apaixonado” (Shakespeare in Love – 1998), inclusive a de melhor filme, batendo “O Resgate do Soldado Ryan” (Saving Private Ryan – 1998), de Spielberg. Parte disso se deve ao fato de a gigante do streaming ter contratado como estrategista responsável Lisa Taback, que trabalhou com Weinstein. Outros estrategistas que trabalharam com o ex-todo poderoso de Hollywood nos anos de ouro da Miramax e da The Weinstein Company, Tony Angellotti e Cynthia Swartz, também foram contratados pela concorrência nas respectivas campanhas de “Green Book – O Guia” e “Pantera Negra” (Black Panther – 2018).
E esta batalha pelo Oscar pode ganhar uma proporção ainda maior porque a grande aposta da Netflix para a próxima edição do prêmio da Academia é “The Irishman” (Idem – 2019), dirigido por Martin Scorsese, amigo de longa data de Spielberg e que quer que seu novo trabalho seja exibido na tela grande até para evitar polêmica. Baseado no livro “I Heard You Paint Houses”, de Charles Brandt, o longa teve um teaser de aproximadamente 30 segundos exibido durante os intervalos da transmissão do Oscar nos Estados Unidos, o que indica o primeiro passo de uma forte campanha rumo ao Golden Boy. Ao contrário de “Roma”, “The Irishman” conta com elenco renomado que inclui nomes como Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel, o que faz com que seja aguardado com ansiedade por cinéfilos de todo o mundo.
Em resposta a Spielberg, mas sem citar o nome dele, a Netflix postou em seu Twitter oficial na última segunda-feira, dia 04: “Amamos cinema. Aqui estão outras coisas que também amamos: acesso a pessoas que nem sempre podem pagar o ingresso ou que vivem em cidades sem cinemas; deixar qualquer um, em qualquer lugar, aproveitar os lançamentos ao mesmo tempo; dar aos cineastas mais meios para compartilhar sua arte. Essas coisas não são mutuamente excludentes”.
A discussão levantada por Steven Spielberg e outros profissionais em Hollywood é sobre a manutenção do cinema como ele é, pois a Netflix e outras plataformas de streaming que produzem títulos originais modificaram os hábitos de consumo do espectador, que, agora, assiste a um filme na palma da mão em seu smartphone a caminho do trabalho, por exemplo. E isto amedronta a indústria porque tira o público das salas que geram a receita necessária para manter as engrenagens de Hollywood funcionando. Neste sentido, a ameaça vista pelos executivos de estúdios não é um devaneio, mas uma realidade. E se a instituição mais tradicional do cinema americano, a AMPAS, abraçar este novo conceito, o impacto será de enormes proporções a longo prazo, afetando a produção cinematográfica de fato, ainda mais num momento em que a televisão, não apenas as plataformas digitais, tem buscado o aprimoramento técnico tanto de telefilmes quanto de séries, vide os longas da HBO e seriados como “Game of Thrones” (Idem – desde 2011) e “O Conto da Aia” (The Handmaid’s Tale – desde 2017). Ainda segundo o The Hollywood Reporter, os membros da Academia vivem um dilema, o que deixará a discussão ainda mais acalorada, transformando-a numa “grande briga”.
Membro do conselho diretor da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS), Steven Spielberg quer propor regras mais rígidas à instituição para tornar inelegíveis ao Oscar filmes produzidos diretamente para plataformas de streaming como a Netflix. As propostas do cineasta serão apresentadas na próxima reunião do conselho, que deverá acontecer em abril.
Segundo o The Hollywood Reporter, Steven Spielberg deseja que todos os títulos sigam a mesma regra para que se tornem elegíveis ao prêmio da Academia: a de ficar pelo menos quatro semanas em cartaz em salas de exibição. O que há por trás desta defesa do cineasta não é uma perseguição à Netflix, mas a preservação do cinema enquanto experiência proporcionada pela telona. “Espero que todos nós continuemos a acreditar que a nossa maior contribuição como cineastas é dar ao público a experiência cinematográfica da sala de exibição. Acredito definitivamente que os cinemas precisam existir para sempre”, disse o cineasta ao receber o Filmmaker Award, prêmio especial concedido pela Cinema Audio Society, poucos dias antes do Oscar 2019.
A posição de Spielberg fortalece ainda mais a corrente de votantes da AMPAS que coloca tais títulos no mesmo balaio que os produzidos para a televisão, que têm espaço garantido em categorias específicas de diversas premiações, dentre elas, o Emmy e o Globo de Ouro. Ou seja, há a defesa de que o Oscar tem de celebrar somente o cinema feito para a tela grande da sala de exibição, algo que ficou claro na última edição do prêmio, realizada em 24 de fevereiro, que coroou “Green Book – O Guia” (Green Book – 2018) melhor filme em detrimento de “Roma” (Idem – 2018), produção original Netflix que apesar de ter vencido três estatuetas (direção, fotografia e filme estrangeiro) não conseguiu a principal.
Para tentar amenizar a polêmica e alcançar o objetivo de sair do Dolby Theatre com estatuetas douradas, a Netflix exibiu “Roma” em algumas salas, distribuindo ingressos gratuitos em parte delas, inserindo-o em seu catálogo online quase que simultaneamente. Isto levanta outra questão que envolve ainda as redes de cinema que têm um acordo com os estúdios, que só podem disponibilizar seus títulos nas plataformas digitais 90 dias após o lançamento nas salas de exibição.
Outro fator que leva Steven Spielberg a se posicionar contra produções originais de plataformas de streaming receberem o mesmo tratamento concedido aos títulos de estúdios tradicionais é a falta de divulgação de dados da Netflix em termos de audiência e, obviamente, de lucro. Além disso, ainda segundo a imprensa americana, a companhia não paga as mesmas taxas e impostos que os estúdios, o que acaba incomodando os executivos de cinema, sobretudo após a adesão da empresa à Motion Picture Association of America (MPAA), que pressiona para que todos sigam as mesmas regras, inclusive no que tange à transparência dos números. Neste ponto, uma ressalva se faz necessária: o dinheiro economizado com impostos pode ser utilizado não apenas em outras produções, mas em campanhas como a do Oscar.
De acordo com o New York Times, a Netflix gastou de US$ 25 milhões a US$ 30 milhões na campanha do filme de Alfonso Cuarón rumo ao Oscar – “Roma” tem orçamento estimado em US$ 15 milhões. A agressividade da campanha remete aos tempos em que Harvey Weinstein dominava os bastidores do prêmio mais cobiçado do cinema com ações publicitárias que beiravam a megalomania, mas que renderam frutos consideráveis à Miramax na década de 1990, como as sete estatuetas de “Shakespeare Apaixonado” (Shakespeare in Love – 1998), inclusive a de melhor filme, batendo “O Resgate do Soldado Ryan” (Saving Private Ryan – 1998), de Spielberg. Parte disso se deve ao fato de a gigante do streaming ter contratado como estrategista responsável Lisa Taback, que trabalhou com Weinstein. Outros estrategistas que trabalharam com o ex-todo poderoso de Hollywood nos anos de ouro da Miramax e da The Weinstein Company, Tony Angellotti e Cynthia Swartz, também foram contratados pela concorrência nas respectivas campanhas de “Green Book – O Guia” e “Pantera Negra” (Black Panther – 2018).
E esta batalha pelo Oscar pode ganhar uma proporção ainda maior porque a grande aposta da Netflix para a próxima edição do prêmio da Academia é “The Irishman” (Idem – 2019), dirigido por Martin Scorsese, amigo de longa data de Spielberg e que quer que seu novo trabalho seja exibido na tela grande até para evitar polêmica. Baseado no livro “I Heard You Paint Houses”, de Charles Brandt, o longa teve um teaser de aproximadamente 30 segundos exibido durante os intervalos da transmissão do Oscar nos Estados Unidos, o que indica o primeiro passo de uma forte campanha rumo ao Golden Boy. Ao contrário de “Roma”, “The Irishman” conta com elenco renomado que inclui nomes como Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel, o que faz com que seja aguardado com ansiedade por cinéfilos de todo o mundo.
Em resposta a Spielberg, mas sem citar o nome dele, a Netflix postou em seu Twitter oficial na última segunda-feira, dia 04: “Amamos cinema. Aqui estão outras coisas que também amamos: acesso a pessoas que nem sempre podem pagar o ingresso ou que vivem em cidades sem cinemas; deixar qualquer um, em qualquer lugar, aproveitar os lançamentos ao mesmo tempo; dar aos cineastas mais meios para compartilhar sua arte. Essas coisas não são mutuamente excludentes”.
A discussão levantada por Steven Spielberg e outros profissionais em Hollywood é sobre a manutenção do cinema como ele é, pois a Netflix e outras plataformas de streaming que produzem títulos originais modificaram os hábitos de consumo do espectador, que, agora, assiste a um filme na palma da mão em seu smartphone a caminho do trabalho, por exemplo. E isto amedronta a indústria porque tira o público das salas que geram a receita necessária para manter as engrenagens de Hollywood funcionando. Neste sentido, a ameaça vista pelos executivos de estúdios não é um devaneio, mas uma realidade. E se a instituição mais tradicional do cinema americano, a AMPAS, abraçar este novo conceito, o impacto será de enormes proporções a longo prazo, afetando a produção cinematográfica de fato, ainda mais num momento em que a televisão, não apenas as plataformas digitais, tem buscado o aprimoramento técnico tanto de telefilmes quanto de séries, vide os longas da HBO e seriados como “Game of Thrones” (Idem – desde 2011) e “O Conto da Aia” (The Handmaid’s Tale – desde 2017). Ainda segundo o The Hollywood Reporter, os membros da Academia vivem um dilema, o que deixará a discussão ainda mais acalorada, transformando-a numa “grande briga”.