Por Ana Carolina Garcia, crítica de cinema do SRzd
Publicado por Charles Perrault em 1697, “Cinderela” ganhou uma versão fofa em 1950, quando a então Walt Disney Productions tentava reafirmar seu departamento de animação na indústria cinematográfica. Dirigido por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske, “Cinderela” (Cinderella – 1950, EUA) sobreviveu ao teste do tempo e transformou sua protagonista numa das princesas mais adoradas do Mundo Mágico de Walt Disney, que idealizava as produções de seu estúdio de maneira que pudessem ser consumidas por toda a família.
Nos últimos 100 anos, a Casa do Mickey adaptou diversas histórias para a tela grande, conquistando plateias de todas as nacionalidades e faixas etárias como poucos estúdios foram capazes. Em 1966, a turma do Ursinho Pooh ganhou seu próprio espaço, permitindo que o público desbravasse a atmosfera lúdica do Bosque dos 100 Acres, tal qual as páginas escritas por Alan Alexander Milne, que publicou Winnie-the-Pooh em 1926.
Mas a doçura do ursinho rechonchudo foi subvertida quando o Mickey perdeu os direitos de exclusividade sobre os habitantes do Bosque dos 100 Acres. Com isso, Pooh e seus amigos ganharam novas possibilidades na tela grande, inclusive se aventurando pelo terror repleto de elementos gore em “Ursinho Pooh: Sangue e Mel” (Winnie-the-Pooh: Blood and Honey – 2023, Reino Unido), de Rhys Frake-Waterfield, que apresenta o Bosque como um lugar perigoso, dominado por criaturas sedentas por vingança. Esse é o caminho trilhado, também, pelo cineasta Andy Edwards, responsável por “A Vingança de Cinderela” (Cinderella’s Revenge – 2024, EUA/Reino Unido), uma das estreias da próxima quinta-feira (5) nos cinemas brasileiros.
Deixando a magia e a doçura da animação clássica completamente de lado, “A Vingança de Cinderela” mostra sua real intenção em subverter o imaginário coletivo logo em sua abertura, dizendo ao espectador que a jovem não precisa do príncipe para defendê-la. Escravizada pela madrasta, maltratada pelas filhas dela, Cinderela (Lauren Staerck) decide reagir após conhecer a Fada Madrinha (Natasha Henstridge), que tem o poder de viajar no tempo e a orienta, para o bem e para o mal. Sem a ajuda de bichinhos falantes, contando com Tom Ford (William Marshall), Christian Louboutin (Craig Edgley), Vidal Sassoon (Mark Collier) e, até mesmo, Elon Musk (Stephen Staley), Cinderela aproveita o baile e, depois, perde a inocência, colocando em prática seu plano de vingança.
A premissa pode até parecer interessante, mas a curiosidade em torno deste filme, quando saciada, acaba por revelar uma produção capenga tanto em termos narrativos quanto técnicos.
Não há nenhum atrativo com o mínimo de qualidade neste longa-metragem que não consegue assimilar nenhum dos elementos gore que se propõe a trabalhar, como também não há como dizer que consegue aterrorizar a plateia, pois não funciona como terror nem suspense.
Tentando levar para a sala de exibição uma superficial discussão sobre a jovem que precisa se livrar das amarras que lhe foram impostas para se reerguer e conquistar seu próprio espaço, mesmo que por meios moralmente questionáveis, “A Vingança de Cinderela” é uma produção que, no fim das contas, segue o mesmo caminho trilhado por Pooh e Leitão no ano passado, oferecendo à plateia uma história calcada em fórmula desgastada e conduzida de forma risível.
Sobre Ana Carolina Garcia: Formada em Comunicação Social e pós-graduada em Jornalismo Cultural, Ana Carolina Garcia é autora dos livros “A Fantástica Fábrica de Filmes – Como Hollywood se tornou a capital mundial do cinema” (2011), “Cinema no século XXI – Modelo tradicional na Era do Streaming” (2021) e “100 anos do Império Disney: Da Avenida Kingswell à conquista do universo” (2023). É vice-presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) desde 2021.