A figurinista Su Tonani, que acusou em redes sociais o ator José Mayer de assédio, se manifestou novamente. Em texto publicado na “Folha”, ela conta que está sendo vítima mais uma vez.
Após seu relato contra o ator, Su resolveu não prestar queixa oficialmente contra Mayer. Após ela comunicar às autoridades, Léo Dias publicou em sua coluna que o fato se deveu à figurinista e o ator terem tido um caso no passado, o que é desmentido agora por Su.
Leia o texto:
Não, eu não fui amante de José Mayer.
Declaro que não fiz acordo com nenhuma parte envolvida e muito menos recebi algum dinheiro.
Não fui demitida da Rede Globo. O meu contrato, como o previsto, se encerrou com o final da novela.
Declaro que não retirei queixa contra José Mayer pelo simples fato de que nunca a fiz.
Eu fui vítima de assédio sexual. E agora estou sendo vítima novamente. Das especulações que colocam dúvidas sobre a minha dor. E me fazem revivê-la.
Em 31 março de 2017, depois de oito meses sendo assediada pelo ator José Mayer, depois de ter levado minha denúncia de assédio às instâncias de poder ao meu alcance e não ter encontrado justiça, depois de ver o medo dos colegas de testemunhar o que viram, sentindo que não tinha mais a quem recorrer, decidi. Sem nenhum outro recurso à minha disposição, optei por tornar pública minha denúncia no blog feminista #AgoraÉQueSãoElas. Um espaço que me acolheria.
Estou sendo revitimizada pelo machismo que tenta me enfraquecer, me roubar a coragem de lutar.
Mas não pensem que foi uma decisão trivial. Ela foi recheada de medo.
Sabe por que dá tanto medo de delatar um abuso?
Porque nossa cultura machista culpa a mulher, a vítima, pela violência vivenciada. É isso que corre as redes. É o que passa pelo boca a boca. É o que passeia por nossos aplicativos de relacionamento. É o que é impresso nos jornais. A história da mulher sedutora, agora passional e vingativa. Da mulher que mereceu. Da amante rejeitada.
Essa é a história que o mundo machista gosta de contar. E que nos acostumamos a aceitar como versão mais plausível. Saiba: essa prática nos desempodera. Nos revitimiza. E neste momento é como me sinto. Me sinto vítima novamente.
Vítima de quem, agora?
Vítima de profissionais exibicionistas. Vítima da narrativa produzida por tabloides irresponsáveis, das versões misóginas da violência que vivi que tornam suspeito meu gesto de denúncia, bem como a sororidade das que me apoiaram. E tenham certeza: estou sendo revitimizada pelo machismo que tenta me enfraquecer, me roubar a coragem de lutar. Mas cada vez que o conteúdo que questiona minhas razões é compartilhado, não sou só eu que estou sendo subjugada. Toda vítima está sendo coagida. Reprimida. Oprimida. Todas as que ainda não se manifestaram, em qualquer contexto, no país todo, duvida de si. E cogita seguir calada.
Dentre as intimações que recebi do delegado havia a informação de que eu estaria cometendo crime de desobediência por não depor. Como se neste tipo de crime a decisão de abrir um inquérito é exclusiva da vítima? Se eu assim quisesse, o ideal não seria uma delegadA? Temos as delegacia de atendimento às mulheres para isso, não?!
Me sinto interrogada inescrupulosamente. Mesmo sem prestar queixa nenhuma. Quantas vezes terei de pedir para respeitarem o meu não? E quantas não se identificarão tristemente e optarão pelo silêncio ao ver o escrutínio sob o qual me vejo agora?
Sinto que a minha história teve começo, meio e fim. Terminou na terça à noite, 04 de abril de 2017, com um pedido de desculpa da Rede Globo e uma carta de confissão do José Mayer, ambos lidos no Jornal Nacional. Senti que tive a justiça que desejava. Pouco creio que a punição criminal para o meu caso tenha alcance maior que já tivemos. Mais potência. Seja mais transformadora.
A clara sensação que tive após a publicação do meu relato, genuinamente acolhido pelas feministas foi: a minha coragem trouxe vida às memórias de abusos enterrados pelas mulheres no fundo do que são. Como já vimos acontecer com o #PrimeiroAssédio. Foi como se meu grito tivesse acordado a dor de outras. Foi como se o meu grito tivesse se tornado o de todas nós. Isso empodera. Mas assusta.
O meu objetivo ao expor a minha historia foi sair da invisibilidade, romper o silenciamento imposto, transcender este lugar de vítima que me era insuportável. Sou apenas uma profissional, que cansada de ser desrespeitada, lutou pelo que acredita. Por que incomodou tanto o meu silêncio pós-relato? Talvez porque eu não tenha cumprido o papel da oportunista exibicionista que o patriarcado esperava. Talvez porque não tenha sido a liderança, o exemplo que queriam que eu fosse. Desculpe desapontar estas e estes.
Em circunstâncias diferentes da minha, é claro que o mais apropriado é um processo criminal e cível. Estimulo sim, todas as mulheres a levarem seus casos às autoridades, demandarem a devida atenção e buscarem a aplicação da lei. Mas acredito que obtive a justiça que queria e me sinto contemplada. Tive meu desejo desrespeitado uma vez. Isso me fez vítima. Quero deixar de sê-lo e seguir. Será que dessa vez minha vontade será respeitada?
O silêncio. É o que eu quero. Não o silenciamento coercitivo. O silêncio que eu escolho. A minha vida de volta. Qualquer versão diferente da que eu emiti neste mesmo blog e da que emito agora é mentirosa. E essas mentiras ferem, não só a mim, mas a todas as mulheres que batalham por sua voz. Queremos falar e calar quando bem entendermos. Nos concedam esse direito.
Estou no limite da minha capacidade emocional de seguir na linha de frente dessa luta.
A minha história é a história de uma mulher jovem que não aceitou o assédio de um homem com mais poder que ela. Neste caso, o ator rico e famoso. O Brasil não está acostumado a lidar com este tipo de história. Eu sei. Mas não barateiem a minha história. Até porque ela é de muitas de nós.
Movemos um pouco a estrutura. Agora é segurar o rebite. O revés machista que deseja nos manter nos velhos lugares submissos de sempre. Me sinto vitoriosa. Fizemos grande porque fizemos juntas. Fui ouvida. Fomos. Somos muitas. Demonstramos força. E torço com tudo de mim que saiamos deste ciclo mais confiantes que sim, é possível mudar. Empresas começaram a repensar os protocolos nos casos de assédio. Homens descobriram que o mundo mudou. Falamos de assédio em espaços de poder antes impermeáveis a este debate.
Me orgulho de ter contribuído como pude para isso. E agora quero seguir.
Reservo a mim o direito de encerrar esse assunto. Chego ao final da minha jornada. Estou no limite da minha capacidade emocional de seguir na linha de frente dessa luta. Peço que respeitem os meus limites, violados anteriormente, quando tudo isso começou. Outras podem assumir a frente dessa luta. E eu me comprometo a sempre apoiá-las, assim como fui apoiada por tantas.
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