Por que não é fácil identificar quem mandou matar Marielle Franco, por Sidney Rezende

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Eu não conheci pessoalmente a vereadora do Rio Marielle Franco. Em março de 2018, quando ela e o seu motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros no bairro do Estácio, na região central, quando voltavam de um evento na Lapa, estávamos envolvidos com a transmissão de um jogo direto do Maracanã sob o comando do […]

POR Sidney Rezende03/01/2023|8 min de leitura

Por que não é fácil identificar quem mandou matar Marielle Franco, por Sidney Rezende

Marielle Franco. Foto: Reprodução/Facebook

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Eu não conheci pessoalmente a vereadora do Rio Marielle Franco. Em março de 2018, quando ela e o seu motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros no bairro do Estácio, na região central, quando voltavam de um evento na Lapa, estávamos envolvidos com a transmissão de um jogo direto do Maracanã sob o comando do narrador Evaldo José, pela rádio web SRzd. Diante da gravidade do crime, imediatamente Marco Antonio Monteiro, responsável pelo jornalismo da rádio na época, interrompeu tudo e deu a relevância que o assunto merecia. Ele próprio leu a notícia extraordinária. O clima era de consternação e perplexidade. Isto perdura.

E até hoje não se sabe oficialmente quem mandou matar a vereadora que defendia os direitos humanos, crítica da truculência policial nas favelas e frontalmente contra a intervenção federal no Rio de Janeiro, chefiada na época pelo General Braga Netto, que mais tarde veio a ser homem forte de Bolsonaro junto aos militares das Forças Armadas.

Com o objetivo de desvendar o crime, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz como os assassinos de Marielle e de Anderson. Mistérios, intrigas, idas e vindas marcam a investigação policial e do próprio MP: “Quem mandou matar e por quais razões?”.

Como é que sabendo quem são os executores não se consegue chegar ao mandante? Será que rastrearam mesmo tudo, todos os contatos?

Na Polícia Civil, o quinto delegado responsável pelo caso vai completar um ano no mês que vem. No Ministério Público do Rio de Janeiro, há quem cogite montar o quarto grupo de trabalho diante dos avanços limitados obtidos até agora.

Chegou-se a aventar há alguns anos a possibilidade de se transferir a investigação do âmbito do governo estadual para o federal, mas a desconfiança de que o Governo Bolsonaro não teria interesse em solucionar o caso por razões políticas acabou por sepultar a ideia.

Os obstáculos da federalização

Eis que agora o novo ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que a Polícia Federal atuará para desvendar o crime. “É uma questão de honra para o Estado brasileiro”, desabafou Dino. A afirmação em tom de “compromisso” nasceu após uma conversa que ele teve com a também ministra e irmã de Marielle, Anielle Franco, titular da pasta da Igualdade Racial.

A motivação política para federalizar é anterior à análise do caso e do direito. Definitivamente, não gosto desse tipo de conduta.

O ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual Carlos Minc, que acompanhou o desenrolar das investigações, está vigilante diante dos próximos passos. “É claro que eu como todos os brasileiros democratas estamos frustrados. Como é que sabendo quem são os executores não se consegue chegar ao mandante? Será que rastrearam mesmo tudo, todos os contatos, os celulares, as mensagens? Evaporaram todos os rastros havendo já de partida uma forte presunção que isso poderia estar ligado à questão das milícias e de alguns políticos ligados a essas milícias? É realmente uma frustração. Agora, será que o Flávio Dino vai conseguir a federalização? Isso não é só uma questão de vontade. Tem que haver um requerimento ou o governo do estado abrir mão e passar isso. Não vejo, com as ligações do governador, que ele resolva, se depender dele. Não sei se depende só dele. Se depender dele, eu acho que ele não vai passar para a Polícia Federal. É claro que vai pesar, então, sobre as costas dele tentar resolver esse assunto, dar uma ordem expressa. Eu vejo com bom tom o Flávio Dino, ainda na presença da irmã da Marielle [Anielle Franco], que agora é ministra [da Igualdade Racial], que tenha mencionado isso. É uma frustração de todo o povo, de toda a democracia. Agora, eu sou cético em relação ao governador repassar isso. Não tenho o conhecimento preciso de que na negativa do governador, se há algum outro jeito de federalizar. Se o governo federal pode pedir à Justiça para federalizar o caso. Se pudesse, talvez a Justiça desse essa permissão em vista do fracasso da investigação policial. Eu torço por isso”.

Existem outros aspectos em jogo que são a confusão entre uma investigação técnica isenta e as implicações políticas. O advogado criminalista Thiago Anastácio joga luz sobre isso. “Vejo com preocupação. O ministro Flávio Dino afirmou que consultaria a situação do caso e a legislação para analisar se pediria a federalização da investigação ou não. Portanto, a motivação política para federalizar é anterior à análise do caso e do direito. Definitivamente, não gosto desse tipo de conduta. Isso não significa que não deva existir uma grave investigação acerca dos mandantes do caso, uma vez que até o momento se concluiu que os presos foram os executores da morte e até o momento se desconhecem os motivos do crime – que em razão dos assassinos terem sido à soldo, os motivos repousam sobre os mandantes. Quem são eles?”.

Caminho a percorrer

Manoel Peixinho e Marielle Franco. Foto: Acervo pessoal
Manoel Peixinho e Marielle Franco. Foto: Acervo pessoal

O professor da PUC-Rio/Ucam, doutor em Constitucional, o experiente advogado Manoel Peixinho mostra o caminho a ser percorrido. “As investigações da morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes estão sob a competência jurídica da Polícia Civil e do MPRJ. Em maio de 2020, a PGR ajuizou um incidente de deslocamento de competência para que o caso passasse para a competência da Justiça Federal, mas o STJ negou o pedido e manteve o caso na Justiça estadual do Rio de Janeiro. Contudo, passados mais de dois anos da decisão do STJ, o assassinato de Marielle e Anderson não foi esclarecido. O ministro Flávio Dino prometeu quando de sua posse esclarecer completamente quem matou Marielle e Anderson e, principalmente, quem foi o mandante. Só há duas possibilidades para que a Polícia Federal entre na investigação. A primeira é buscar uma cooperação com o Governo do Estado do Rio para que a Polícia Federal possa cooperar com as investigações. Porém, neste caso, há necessidade do governador Claudio Castro consentir. Esta seria a hipótese mais fácil para que houvesse uma cooperação entre Polícia Civil do Rio, Polícia Federal, MPF e MPRJ, o que acontece em diversos casos em que as forças policiais e MPs trabalham conjuntamente. A segunda hipótese é que o ministro da Justiça peça à PGR que novamente faça o pedido de federalização do caso tendo em vista que até a presente data os referidos assassinatos não foram solucionados. A hipótese de federalização adveio com a Emenda Constitucional 45/2004, quando houver graves violações aos direitos humanos. Entendo que a melhor solução seria um acordo de cooperação entre as autoridades do Rio de Janeiro e o Ministério da Justiça para que, em conjunto, solucionem esse terrível crime”, disse ele ao SRzd.

Nesse momento, é preciso uma conversa da Polícia Civil com o Ministério Público para obter as informações necessárias para que haja a possibilidade de federalização.

O pensamento corrente é que o caso Marielle já deveria ter sido solucionado. A ex-secretária de Polícia Civil e atualmente deputada Martha Rocha pensa assim: “O assassinato de Marielle Franco já deveria ter sido esclarecido. Além de uma violação de direitos humanos, o crime foi um ataque à democracia, assim como o da juíza Patrícia Acioli, ocorrido em 2011. À época, eu chefiava a Polícia Civil e o homicídio da magistrada foi resolvido em menos de 60 dias. Nesse momento, é preciso uma conversa da Polícia Civil com o Ministério Público para obter as informações necessárias para que haja a possibilidade de federalização. Não podemos esquecer, no entanto, que a PF não tem expertise em investigar homicídios. É importante que o Ministério da Justiça acompanhe e cobre o resultado dessas investigações.”

O crime precisa ser esclarecido o quanto antes. A contribuição do trabalho da imprensa para desvendar o caso é relevante, mas não suficiente, pois ela não é autoridade policial. O ex-presidente da ABI Domingos Meirelles, que apresentou vários programas na TV de caráter investigativo, sintetizou o sentimento dos brasileiros que prestigiam a importância da Justiça: “Acho a decisão do Flávio Dino a iniciativa que o Brasil esperava”. Só será preciso saber se irá para frente.

Eu não conheci pessoalmente a vereadora do Rio Marielle Franco. Em março de 2018, quando ela e o seu motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros no bairro do Estácio, na região central, quando voltavam de um evento na Lapa, estávamos envolvidos com a transmissão de um jogo direto do Maracanã sob o comando do narrador Evaldo José, pela rádio web SRzd. Diante da gravidade do crime, imediatamente Marco Antonio Monteiro, responsável pelo jornalismo da rádio na época, interrompeu tudo e deu a relevância que o assunto merecia. Ele próprio leu a notícia extraordinária. O clima era de consternação e perplexidade. Isto perdura.

E até hoje não se sabe oficialmente quem mandou matar a vereadora que defendia os direitos humanos, crítica da truculência policial nas favelas e frontalmente contra a intervenção federal no Rio de Janeiro, chefiada na época pelo General Braga Netto, que mais tarde veio a ser homem forte de Bolsonaro junto aos militares das Forças Armadas.

Com o objetivo de desvendar o crime, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz como os assassinos de Marielle e de Anderson. Mistérios, intrigas, idas e vindas marcam a investigação policial e do próprio MP: “Quem mandou matar e por quais razões?”.

Como é que sabendo quem são os executores não se consegue chegar ao mandante? Será que rastrearam mesmo tudo, todos os contatos?

Na Polícia Civil, o quinto delegado responsável pelo caso vai completar um ano no mês que vem. No Ministério Público do Rio de Janeiro, há quem cogite montar o quarto grupo de trabalho diante dos avanços limitados obtidos até agora.

Chegou-se a aventar há alguns anos a possibilidade de se transferir a investigação do âmbito do governo estadual para o federal, mas a desconfiança de que o Governo Bolsonaro não teria interesse em solucionar o caso por razões políticas acabou por sepultar a ideia.

Os obstáculos da federalização

Eis que agora o novo ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que a Polícia Federal atuará para desvendar o crime. “É uma questão de honra para o Estado brasileiro”, desabafou Dino. A afirmação em tom de “compromisso” nasceu após uma conversa que ele teve com a também ministra e irmã de Marielle, Anielle Franco, titular da pasta da Igualdade Racial.

A motivação política para federalizar é anterior à análise do caso e do direito. Definitivamente, não gosto desse tipo de conduta.

O ex-ministro do Meio Ambiente e deputado estadual Carlos Minc, que acompanhou o desenrolar das investigações, está vigilante diante dos próximos passos. “É claro que eu como todos os brasileiros democratas estamos frustrados. Como é que sabendo quem são os executores não se consegue chegar ao mandante? Será que rastrearam mesmo tudo, todos os contatos, os celulares, as mensagens? Evaporaram todos os rastros havendo já de partida uma forte presunção que isso poderia estar ligado à questão das milícias e de alguns políticos ligados a essas milícias? É realmente uma frustração. Agora, será que o Flávio Dino vai conseguir a federalização? Isso não é só uma questão de vontade. Tem que haver um requerimento ou o governo do estado abrir mão e passar isso. Não vejo, com as ligações do governador, que ele resolva, se depender dele. Não sei se depende só dele. Se depender dele, eu acho que ele não vai passar para a Polícia Federal. É claro que vai pesar, então, sobre as costas dele tentar resolver esse assunto, dar uma ordem expressa. Eu vejo com bom tom o Flávio Dino, ainda na presença da irmã da Marielle [Anielle Franco], que agora é ministra [da Igualdade Racial], que tenha mencionado isso. É uma frustração de todo o povo, de toda a democracia. Agora, eu sou cético em relação ao governador repassar isso. Não tenho o conhecimento preciso de que na negativa do governador, se há algum outro jeito de federalizar. Se o governo federal pode pedir à Justiça para federalizar o caso. Se pudesse, talvez a Justiça desse essa permissão em vista do fracasso da investigação policial. Eu torço por isso”.

Existem outros aspectos em jogo que são a confusão entre uma investigação técnica isenta e as implicações políticas. O advogado criminalista Thiago Anastácio joga luz sobre isso. “Vejo com preocupação. O ministro Flávio Dino afirmou que consultaria a situação do caso e a legislação para analisar se pediria a federalização da investigação ou não. Portanto, a motivação política para federalizar é anterior à análise do caso e do direito. Definitivamente, não gosto desse tipo de conduta. Isso não significa que não deva existir uma grave investigação acerca dos mandantes do caso, uma vez que até o momento se concluiu que os presos foram os executores da morte e até o momento se desconhecem os motivos do crime – que em razão dos assassinos terem sido à soldo, os motivos repousam sobre os mandantes. Quem são eles?”.

Caminho a percorrer

Manoel Peixinho e Marielle Franco. Foto: Acervo pessoal
Manoel Peixinho e Marielle Franco. Foto: Acervo pessoal

O professor da PUC-Rio/Ucam, doutor em Constitucional, o experiente advogado Manoel Peixinho mostra o caminho a ser percorrido. “As investigações da morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes estão sob a competência jurídica da Polícia Civil e do MPRJ. Em maio de 2020, a PGR ajuizou um incidente de deslocamento de competência para que o caso passasse para a competência da Justiça Federal, mas o STJ negou o pedido e manteve o caso na Justiça estadual do Rio de Janeiro. Contudo, passados mais de dois anos da decisão do STJ, o assassinato de Marielle e Anderson não foi esclarecido. O ministro Flávio Dino prometeu quando de sua posse esclarecer completamente quem matou Marielle e Anderson e, principalmente, quem foi o mandante. Só há duas possibilidades para que a Polícia Federal entre na investigação. A primeira é buscar uma cooperação com o Governo do Estado do Rio para que a Polícia Federal possa cooperar com as investigações. Porém, neste caso, há necessidade do governador Claudio Castro consentir. Esta seria a hipótese mais fácil para que houvesse uma cooperação entre Polícia Civil do Rio, Polícia Federal, MPF e MPRJ, o que acontece em diversos casos em que as forças policiais e MPs trabalham conjuntamente. A segunda hipótese é que o ministro da Justiça peça à PGR que novamente faça o pedido de federalização do caso tendo em vista que até a presente data os referidos assassinatos não foram solucionados. A hipótese de federalização adveio com a Emenda Constitucional 45/2004, quando houver graves violações aos direitos humanos. Entendo que a melhor solução seria um acordo de cooperação entre as autoridades do Rio de Janeiro e o Ministério da Justiça para que, em conjunto, solucionem esse terrível crime”, disse ele ao SRzd.

Nesse momento, é preciso uma conversa da Polícia Civil com o Ministério Público para obter as informações necessárias para que haja a possibilidade de federalização.

O pensamento corrente é que o caso Marielle já deveria ter sido solucionado. A ex-secretária de Polícia Civil e atualmente deputada Martha Rocha pensa assim: “O assassinato de Marielle Franco já deveria ter sido esclarecido. Além de uma violação de direitos humanos, o crime foi um ataque à democracia, assim como o da juíza Patrícia Acioli, ocorrido em 2011. À época, eu chefiava a Polícia Civil e o homicídio da magistrada foi resolvido em menos de 60 dias. Nesse momento, é preciso uma conversa da Polícia Civil com o Ministério Público para obter as informações necessárias para que haja a possibilidade de federalização. Não podemos esquecer, no entanto, que a PF não tem expertise em investigar homicídios. É importante que o Ministério da Justiça acompanhe e cobre o resultado dessas investigações.”

O crime precisa ser esclarecido o quanto antes. A contribuição do trabalho da imprensa para desvendar o caso é relevante, mas não suficiente, pois ela não é autoridade policial. O ex-presidente da ABI Domingos Meirelles, que apresentou vários programas na TV de caráter investigativo, sintetizou o sentimento dos brasileiros que prestigiam a importância da Justiça: “Acho a decisão do Flávio Dino a iniciativa que o Brasil esperava”. Só será preciso saber se irá para frente.

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