Em “Tensão”, Richard Basehart, o eterno Almirante Nelson da série “Viagem ao Fundo do Mar”, interpreta Warren Quimby, um farmacêutico comum – talvez comum até demais – e pacato – talvez pacato até demais, ao fazer vistas grossas diante das escancaradas traições de sua esposa Claire (Audrey Totter). Em linguagem clara e direta, Warren é o popular corno manso. Sua mansidão, porém, chega ao fim quando Claire decide finalmente deixá-lo, e o simplório farmacêutico começa a arquitetar um minucioso plano para matar o novo amante de sua esposa. Uma engenhosa vingança que incluirá a criação de uma nova identidade sob a qual Warren tentará dar vazão aos seus impulsos assassinos.
A partir do argumento de John Klorer e com roteiro de Allen Rivkin, o diretor John Berry (o mesmo de “Por Amor Também se Mata”) constrói um envolvente noir repleto daqueles apaixonantes personagens típicos do gênero: humanos, divididos, repletos de dúvidas, nem mocinhos, nem bandidos, na corda bamba entre o bem e o mal. Pessoas comuns levadas a situações limites, em busca de soluções igualmente limítrofes.
“Tensão” também aborda – ainda que tangencialmente – a questão da adaptabilidade dos soldados norte-americanos que retornaram da 2ª Guerra. Um rápido diálogo entre Claire e Warren mostra como a esposa teria se fascinado não exatamente pelo seu marido, mas pelo uniforme que ele ostentava durante o conflito, o que gerou problemas de adaptação e frustrações em tempos de vestimentas civis. Uma interessante visão – ainda que aqui não desenvolvida – sobre a construção de uma identidade mitológica e heroica do guerreiro justiceiro. É em busca desta falsa noção de justiça que o protagonista cria seu plano de, mais uma vez, travestir-se de mito, ao assumir uma nova identidade que incluirá também uma nova mulher (Cyd Charisse, ótima). Sua guerra, agora, é particular.
Uma curiosidade: se você achou o cenário da farmácia de “Tensão” parecido com o cenário da farmácia do filme “Pecado sem Mácula”, de Anthony Mann, não se trata de obra do acaso. Como os filmes foram rodados quase que simultaneamente, a Metro optou por economizar um pouco e usar o mesmo set em ambos. Afinal, o hoje cultuado gênero noir era quase sempre encarado como produção B pelos grandes estúdios da época.
“Tensão”faz parte da caixa Film Noir Volume 7, lançada pela Versátil.